O local destinado para a implantação do edifício da Procuradoria Regional da República da 4a Região, Porto Alegre, faz parte de uma grande intervenção urbana que veio a modificar completamente a relação das relações da cidade com o rio Guaíba. A face sul do centro de Porto Alegre, zona de predominância residencial, foi o último dos aterros, criando uma área de expansão sobre a Praia de Belas. Esta zona plana foi criada para abrigar uma nova área verde e os Centros Administrativos, Estadual e Federal, funções que a colina do centro já não comportava. Ao longo dos últimos cinqüenta anos, muitos projetos urbanísticos se sobrepuseram, muitas cidades foram imaginadas mas até hoje, a nova margem sul segue carente de conexões em relação ao restante da cidade.
Neste caso, os condicionantes de projeto ficam equilibrados, numa equação completa e estratégica que contempla todo o projeto, desde a origem do seu terreno, até o momento atual, de consolidação da sua ocupação. Diante da história de transformações do lugar e do panorama atual arquitetônico, caracterizado pela multiplicidade de tendências, um programa de caráter público, como a Procuradora, busca uma identidade a partir de referências situadas na contemporaneidade com respeito aos preceitos do plano- moderno.
Neste momento, enquanto inúmeros padrões ditam e direcionam interesses e o capital privado constrói nossos “skyscapes”, a revalorização do movimento moderno se faz uma opção válida de projeto e implica a revisão de seus princípios, conduzindo a uma ampliação de suas possibilidades relacionais com a cidade. Considera-se, não apenas a visão original das vanguardas, segundo a qual, o cenário do prismático edifício moderno, se reduziria a uma idealizada paisagem natural. Agora, a sua pureza se corrompe em busca de novas relações, com a cidade contemporânea, com o entorno e com a cultura local. A abstração cede lugar à complexidade, através da qual se pode articular modernidade e tradição. Aí residem as possibilidades inventivas desta opção.
As cidades brasileiras cresceram de forma muito diferente do ideal moderno, mesmo dentro de zonas planejadas. Adaptaram-se, abraçando ou destruindo tecidos históricos, expandindo suas manchas, criando novos bairros medievais. Os tipos sofreram mutações e, sucessivamente, a cidade mudou abrigando essas novas edificações. Por outro lado, apesar de uma aparente unidade formal, cada capital do país tem suas peculiaridades, detalhes que dão identidade aos projetos e principalmente aos seus lugares.
A busca de um caráter único e exclusivo já não é mais tão importante, e sim a forma como as regras são aplicadas. O equilíbrio entre a forma e a cidade substitui a máxima da forma derivada da função. Os térreos das edificações sempre foram espaços de grande importância urbana, pois é onde o edifício mais se relaciona com a rua e com os cidadãos, o espaço que se abre e preserva os acessos ao mesmo tempo. Pouco a pouco, os pilotis modernistas deixam de ser totalmente abertos e adquirem um pouco deste caráter tradicional, transformando-se em uma zona de articulação entre os volumes da edificação e entre esta e a paisagem urbana.
No contexto brasileiro, poucos, porém, exemplares edifícios públicos modernos de grande importância, apresentam estratégias compositivas capazes de adaptar o modelo moderno às circunstâncias locais. Um exemplo porto-alegrense é o edifício do Palácio Farroupilha, sede da Assembléia Legislativa, no qual uma grande esplanada cívica faz a transição entre o volume da torre e a rua inclinada e estabelece uma diferenciação hierárquica entre os dois acessos relacionando, espacialmente, o edifício com a histórica Praça da Matriz.
Nessa proposta, a volumetria inventada pelos cânones modernistas, da torre de escritórios sobre base pública, obedece à legislação da área, mas é re-interpretada, em termos de torre, relacionada ao espaço público, sobre base que se recorta e modela artificialmente o terreno, tornando-se um conjunto ondulado de planos e rampas de acesso.
Alinhando-se com a Rua Otávio F. C. da Rocha, a base aberta e transparente define o acesso principal, de pedestres e veículos, da Sede da Procuradoria da República e abriga, ao nível do térreo, a recepção e demais atividades quem exigem maior contato com a rua.
Com suave declividade, uma esplanada na fachada norte, estende-se ao sul do lote, originando um acesso secundário para situações especiais, conectando o auditório quase que diretamente à ao público externo. Este pavimento intermediário que contém os pilotis, funciona como um espaço contínuo à Praça Cívica.
Paralelamente à esplanada, as lajes inclinadas dos estacionamentos otimizam a escavação para um subsolo e meio, equivalente a uma altura que abriga todas as vagas. Sobre a esplanada, ainda localizam-se vagas especiais adicionais com acesso pelo recuo lateral no pavimento térreo.
Ao sul, o edifício se abre através dos acessos e se fecha em um volume mais leve e transparente, configurando a face da rua. Ao norte, o espaço aberto é privilegiado, criando um acesso especial que prevê a consolidação do quarteirão e da Praça Cívica. Desta forma, a relação entre a base e o entorno imediato, se molda de acordo com o tipo de interface de cada fachada do lote.
A torre revestida de arenito - pedra da região - contém todos espaços de trabalho da Procuradoria dispostos verticalmente, de acordo com a hierarquia funcional estipulada pelo seu programa: os arquivos, os depósitos, as secretarias e a administração ocupam os primeiros pavimentos e os núcleos e os procuradores localizam-se nos níveis superiores, desfrutando das belas vistas do local. O último pavimento configura-se como um terraço embutido no volume, ligado, diretamente, às funções comuns a todos os funcionários: um estar, a sala de ginástica, o restaurante e a biblioteca.
Os seus distintos pavimentos seguem da planta livre, na qual a modulação, surgida através da trama de pilares, articula-se à compartimentação funcional, resolvida através de divisórias leves e prevendo distribuição de redes por piso elevado. Perfurações internas das lajes, geram um vazio central no interior do volume, possibilitando ventilações cruzadas e conexões visuais dinâmicas entre os seus diferentes níveis.
A técnica construtiva utilizada segue a modernidade e a tradição do local: estrutura de concreto, com lajes planas protendidas, peles de vidro protegidas com brise-soleil de regulagem automatizada, cujo desenho procura responder aos requisitos climáticos e energéticos de cada uma das quatro orientações, e revestimentos de pedra arenito, material recorrente em várias edificações de Porto Alegre. Esta conjunção entre rugosidades, transparências e filtros, converge para a obt
ficha técnica
Autores
Nathalia Cantergiani Fagundes de Oliveira e Cristiano Lindenmeyer Kunze
Colaboradores
Pedro Becker Carpena, André Jost Mafra, Ana Cláudia Vettoretti e Micael Eckert