Prêmio EspecialSai da tua infância, amigo, desperta !
Jean-Jacques Rousseau
“A justiça social não é um princípio de massa, mas sim, de indivíduos. Mesmo que a massa se satisfaça com seu estado, há sempre um indivíduo que sofre. Poderia haver justiça humana nisso? Se respondermos que sim, justificaríamos a opressão... Para construir uma sociedade justa é preciso que essas pessoas exiladas, recebam primeiramente justiça. Chama a esta pessoa, o habitante. Chama a esta pessoa de você, você mesmo”
Lebbeus Woods, Anarquitetura: a arquitetura é uma ação política
Final do ano de 2004, os automóveis ainda continuam sobre a terra, o tempo ultrapassa a sua relação com o espaço, transformando a imagin(ação) em virtualidade. A pobreza aumenta e a grande maioria vive mal, dos ricos aos pobres, das casas às cidades; nós arquitetos estaremos fadados, ao total desprezo e mal entendimento por parte de quem nos contrata, enquanto ficarmos pensando na massa como constituição social, incentivando à cópia, à inutilidade, à repetição de estilos globais e fotogênicos, esquivando-nos das resoluções e questionamentos pontuais.
Estamos deixando apagar os rastros deixados pelos grandes arquitetos, devemos abrir as portas de nossas reuniões profissionais, devemos por nas ruas as nossas percepções, para que a sociedade civil entenda e veja pelos nossos olhos.
Talvez a arquitetura não seja realmente importante, como diz o Arq. Oscar Niemeyer, e que o importante é mudar este mundo injusto; mas utilizaremos então a arquitetura como uma de nossas ferramentas , já que está na ação, intenção e invenção a diferença que nos qualifica.
O Abrigo / Manifesto foi criado para, primeiramente, proteger seres humanos que se encontrem em lugares diversos e depois alterar a percepção daqueles que passam e não enxergam nada além de seus celulares.
Este abrigo é constituído de duas bases de ripas de madeira dispostas paralelamente com distância de aproximadamente 1,00 metro (variável de acordo com a necessidade) por onde saem fios de arame trançados dois a dois revestidos por mangueiras de borracha, permitindo mobilidade e maleabilidade.
Este conjunto de mangueira / arames estrutural possui três comprimentos distintos, criando três camadas para afixar materiais de cobertura. Nas duas camadas mais altas estão duas placas compostas de alumínio para o lado externo, refletindo o calor , e juta resinada para o lado interno, criando uma fibra de maior resistência para o material. Estas placas ficarão uma em cima da outra com vão livre para circulação de ar e poderão deslizar sobre as mangueiras/arames estruturais a fim de um melhor isolamento térmico. Abaixo destas placas, seguido por mais um espaço para circulação de ar, uma cobertura impermeável de PVC com fibra de nylon envolve o morador tanto por cima quanto o isola do chão úmido.
As extremidades maleáveis pelo arame e mangueira possibilitam o aumento da área interna do abrigo.
Erguendo uma das bases de madeira, o abrigo até então em forma de arco, se transforma em uma letra “C“, permitindo que o morador coloque seus pertences dentro da cobertura de PVC que o envolvia. Seguindo a transformação, o morador continua enrolando o conjunto, agora em forma de caracol; amarrando-o.
Duas pequenas rodas localizadas na outra base de madeira, possibilitam sua locomoção.
A forma não deriva da função, pois esta já está caracterizada por si só, mas sim pela fragmentação e movimentação de suas partes em busca da ação desejada.
Vamos encarar a urgência de tomarmos à frente daqueles que degradam nossa profissão.
Vamos levá-la a sério.
Post scriptum – Nota de falecimento de uma ação
Arq. Adriano Carnevale Domingues
16 de Dezembro de 2004, a "democracia" cada vez mais fortalecida em uma sociedade que se vangloria a cada eleição como seu único grande ato cívico.
Grande "democracia", onde um mendigo se confunde com seus pertences embalados em sacos plásticos, desumanamente invisível, o que para a sociedade é bom, pois não precisa enxergar a decadência de seu poder.
Fazia um mês que um abrigo foi dado à um mendigo que já residia em uma praça paulistana; este abrigo foi merecedor de uma deferência e prêmio especiais na premiação anual de 2004 do Instituto de Arquitetos do Brasil/SP, uma ação humanitária e profissional que visava discutir a ação arquitetônica e sua importância social.
Acontece que na data de hoje, este abrigo foi arrancado deste mendigo, jogado todo retorcido, a poucos metros dali, próximo à guia da calçada, invadindo a rua onde foi abandonado.
Este ato de "autoridade democrática", segundo testemunhas, foi de autoria de fiscais da prefeitura do município. Prefeitura e sociedade estas que aprovam e compram construções especulativas, onde os espaços encolhem de forma inversamente proporcional ao número de ornamentos de suas fachadas, sem que tomem atitudes extremas como acima citada.
Parabéns ! Continuaremos calados até a próxima eleição ou ordem social.