O Brascan Century Plaza, de autoria dos arquitetos Jorge Königsberger e Gianfranco Vannucchi, complexo de comércio e serviços edificado no bairro paulistano do Itaim Bibi, já foi publicado anteriormente pelo portal Vitruvius (1). Sua implantação adota a quadra aberta (2), tipologia urbana pouco utilizada na cidade de São Paulo.
Na entrevista abaixo, realizada por Abilio Guerra e Aline Alcântara, o arquiteto Jorge Königsberger comenta sobre a concepção e execução do projeto e faz um balanço dos resultados após uma década de sua implantação.
notas
1
Brascan Century Plaza, projeto de Jörge Königsberger e Gianfranco Vannucchi. Projetos, São Paulo, n. 04.044, Vitruvius, ago. 2004 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/04.044/2397>.
2
GUERRA, Abilio. Quadra aberta. Uma tipologia urbana rara em São Paulo. Projetos, São Paulo, n. 11.124, Vitruvius, abr. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.124/3819>.
entrevista
Abilio Guerra / Aline Alcântara: Qual a relação entre o partido original do projeto (torres sobre praça, com serviços e comércio no térreo) e as demandas apresentadas pelo cliente?
Jorge Königsberger: Não há relação. Originalmente o cliente solicitava um centro comercial tradicional (caixa fechada) com edifícios comerciais/residenciais sobrepostos.
AG/AA: Qual ou quais projetos, nacional ou internacional, foram tomados como referências para o desenvolvimento do Brascan Century Plaza?
JK: Não foram tomadas referências diretas específicas além de pré-partidos assumidos por nós arquitetos, a saber: a) enfatizar/estimular a permeabilidade entre espaços públicos externos e internos como contraposição ao apartheid entre espaços públicos e privados, característico das cidades brasileiras; b) buscar criar uma centralidade micro-regional que marcasse um tecido urbano desprovido de referências “geográficas”, como era o bairro do Itaim Bibi, sem referências; c) buscar um product mix formado por atividades sinergéticas e compatíveis com o entorno/tecido urbano e que gerasse ocupação/uso em três turnos diários.
AG/AA: Quais são as possibilidades do projeto se transformar em exemplo urbanístico para sua área de implantação?
JK: Acredito que a tipologia e conceito deste projeto é cabível para muitas das lamentáveis circunstâncias urbanísticas das cidades brasileiras. Explico: A congênita incapacidade cultural do Estado brasileiro em planejar e gerenciar o espaço urbano vem, há décadas, gerando reduções progressivas nas áreas verdes e nos espaços pietonais em função do avanço brutal dos sistemas viários e da apropriação desordenada de calçadas e passeios (já muito deteriorados) pelas concessionárias de serviços públicos. Adicionalmente, os sistemas de transporte público de superfície e muitos outros fatores concorrentes, construíram no inconsciente coletivo brasileiro uma associação entre cidade e hostilidade, insegurança, incômodo, insalubridade, desconforto, etc.
Vimos, já há anos, desenvolvendo projetos imobiliários privados e vimos nos opondo ás tendências segregacionistas entre espaços públicos e privados. Consideramos ser perfeitamente possível suprir boa parte das carências e fragilidades urbanísticas brasileiras através do maior suprimento de novos espaços públicos privados qualificados integrados ao espaço público existente, dentro do modelo econômico vigente.
Para tal, cabe a nós, arquitetos, propor soluções arquitetônico-urbanísticas que contemplem concomitantemente a equação econômica privada e a demanda por espaços públicos adicionais, o que a tipologia desenvolvida para o Brascan Century Plaza propicia e estimula.
AG/AA: De quem partiu a ideia ou iniciativa dos seguintes itens do projeto?: a) delimitação das áreas ajardinadas; b) colocação das esculturas de madeira; c) utilização do elemento água.
JK: As idéias são nossas e envolvem aspectos simbólicos. A empresa contratante estava comemorando 100 anos de existência e o Brasil, seus 500 anos. Buscamos assim desenvolver um “oásis” urbano, em que desenvolvemos desde o início o conceito paisagístico.
Quisemos simbolizar nossos rios através do curso de água que permeia o projeto (não coincidentemente paralelo á “trilha” urbanizada que interliga ruas opostas), e nossa mata através da introdução de 100 exemplares de apenas 3 espécies arbóreas endêmicas brasileiras da família das cisalpinas: o pau ferro, a sibipiruna e o pau-brasil. As esculturas de grandes troncos de Elisa Bracher foram introduzidas como referência complementar e contraponto/ paradoxo entre a força da modernidade urbanizada e a força de nossas raízes, tão distante de uma pequena quadra em pleno tecido urbano paulista.
AG/AA: A participação de Benedito Abbud se restringiu à especificação da vegetação?
JK: Sim. Na especificação das espécimes rasteiras.
Houve um interesse prévio pela ocupação das áreas comerciais no térreo (livraria, cinemas e demais lojas)?
JK: Não. Mas a adesão de interessados foi imediata e até hoje, anos depois, não há praticamente nenhuma rotatividade de inquilinos. Na época, inclusive, advoguei pelo aumento das áreas do mall aberto, mas fui voto vencido.
AG/AA: Surgiu algum imprevisto na hora da execução do projeto?
JK: Não. O projeto foi exaustivamente pensado, detalhado, coordenado e compatibilizado, tendo envolvido mais de trinta times de projetistas, operadores e consultores, e foi desenvolvido ao longo de dois anos, o que não é freqüente no mercado imobiliário.
AG/AA: Há algum item do projeto que não foi executado? Qual o motivo?
JK: O projeto foi perfeitamente executado, tendo sido inaugurado de acordo com o planejado. Posteriormente foram introduzidos acréscimos de tendas, quiosques, etc, o que não deixa de ser irônico e um paralelo ao caos urbanístico supramencionado.
AG/AA: Após este período de implantação, qual o balanço que faz sobre o uso do térreo do Brascan Century Plaza?
JK: O espaço criado vem sendo intensivamente usufruído por diferentes públicos ao longo do ciclo diário. Desde mães com crianças de manhã, até casais e jovens em fins de noites, passando por público profissional durante o dia, a praça mantém-se viva, integrada ao espaço público e integradora dos diferentes usos do complexo, conforme planejado.
Creio que seu principal benefício neste período tenha sido a demonstração mais recente de como espaços privados abertos, disponibilizados ao uso público, podem contribuir para a qualificação urbanística de seu entorno, rompendo as barreiras de preconceito e segregação ainda e sempre presentes na história social brasileira.
ficha técnica
Jorge Konigsberger. Arquiteto (FAU Mackenzie, 1971), sócio da Konigsberger & Vannucchi com Gianfranco Vannucchi desde 1971. Foi professor de projeto da FAAP e Mackenzie, diretor do IAB e presidente da AsBEA – Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura, entidade da qual é atualmente membro do conselho deliberativo. Foi coordenador do Colégio de Presidentes das Entidades do CBA – Colégio Brasileiro de Arquitetos e membro do comitê da construção civil da FIESP – Federação Brasileira das Indústrias do Estado de São Paulo.
Abilio Guerra. Arquiteto, professor da graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.
Aline Alcântara Silva. Arquiteta e mestranda na pós-graduação da FAU Mackenzie.
Entrevista. Realizada por email durante os meses de fevereiro e março de 2011, a presente entrevista é subídio para a dissertação de mestrado em andamento "Paisagismo contemporâneo em São Paulo", de autoria de Aline Alcântara Silva, orientada pelo professor Abilio Guerra.