O Elevado da Perimetral foi criado para tornar mais eficiente o fluxo de entrada e saída do município. Esta via expressa conectava o Aterro do Flamengo, a Avenida Brasil, a Ponte Rio-Niterói, os aeroportos e a Linha Vermelha sem que fosse preciso penetrar no denso tecido urbano do Centro da cidade. Esta grande infraestrutura viária, que teve seu primeiro trecho construído na década de 1960, começou a ser desmobilizada em outubro de 2013.
Sua construção, enraizada na ideia de progresso - paradigma modernista –, foi uma ruptura radical naquele espaço urbano, apagando edifícios preexistentes, como o Mercado Municipal. Este novo elemento estranho percorria o Centro pelo alto e foi sendo incorporado às dinâmicas da micro à macroescala. Tornou-se uma artéria estruturante para a mobilidade da metrópole.
Seu final é irreversível e justificado por uma grande reforma na Zona Portuária, que tem como objetivo anunciado reaproximar a cidade da Baía de Guanabara. Com isto, a Prefeitura visa revalorizar a área que estava em abandono por décadas. O novo marco reestrutura o transporte da região a partir da Via Binário, da criação de um VLT e de um grande “boulevard de pedestres”.
De acordo com o projeto Porto Maravilha, em poucos anos o gabarito desta região aumentará consideravelmente. No lugar onde hoje existem galpões industriais abandonados ou subutilizados também surgirão torres com até cinquenta pavimentos.
Enquanto se retira a Perimetral em nome de uma “cidade para pedestres”, os prédios construídos no local seguirão padrões convencionais de 2 vagas para cada unidade comercial, ou seja, um prédio de 50 andares demandará cerca de seis andares de garagem. Ainda sem uma cota para habitação, o Porto Maravilha se tornará um grande centro empresarial, uma vez que edifícios corporativos são muito mais lucrativos para as construtoras do que os de uso residencial ou misto. É difícil imaginar uma cidade para pedestres neste local sem vida noturna e com alguns pavimentos de garagem no térreo.
Contexto
A cidade do Rio de Janeiro vive frenéticas transformações impulsionadas pelos grandes eventos esportivos que se aproximam: Copa do Mundo FIFA 2014 e Jogos Olímpicos Rio 2016.
A legibilidade de um planejamento urbano é nebulosa para a maioria dos habitantes. Falho, desorganizado e inconsistente do ponto de vista urbanístico, este processo é regido por forçaspolíticas e econômicas concretas, como as parcerias público-privadas (PPPs) que associam as três esferas de governo às grandes construtoras. O exemplo do consórcio Rio Mais, criado para o Parque Olímpico da Barra, demonstra que o poder público se encontra mais alinhado aos interesses privados do que aos coletivos. Grandes empreendimentos são estimulados em detrimento da manutenção da comunidade preexistente da Vila Autódromo.
Por trás de termos aparentemente neutros, como revitalização, reurbanização e reforma, o Rio segue um padrão de cidade-empresa, atraindo investimentos pontuais ao invés de operar na cidade como uma rede.
Condição Psicológica
A cidade cresce baseada num modelo urbano descontínuo. As atuais reformas são fadadas à obsolescência: uma autodestruição programada. Assim, o futuro segue negando o passado e o momento presente se torna uma grande lacuna.
Com o fim da Perimetral, a cidade processa um novo trauma. Nos deparamos com a fragilidade de nosso tecido urbano e seu planejamento precário: deslocamentos, remoções, desapropriações, demolições e grandes congestionamentos geram uma atmosfera caótica.
O atual momento de transição produz uma condição psicológica específica no Rio de Janeiro, que é tomado por sentimentos de ansiedade, revolta, perplexidade, euforia, apreensão, incerteza e insegurança. Estas sensações fragmentadas estão mais latentes desde a onda de manifestações iniciada no Brasil, em junho de2013, acompanhada de grande repressão policial.
O estado de inquietação e aceleração psíquica global é potencializado pelos novos meios de comunicação virtuais e pelos incessantes deslocamentos cotidianos na metrópole. Os espaços de privacidade e liberdade são cada vez mais restritos num mundo hiperconectado em que os indivíduos são constantemente observados e atravessados por diversos estímulos.
Sobrecarregados por esta conjuntura de patologias urbanas, os indivíduos precisam de alternativas para se suspenderem deste circuito em colapso.