Reativação de um território urbano
O ímpio afirma que o contra-senso é normal na Biblioteca, e que o razoável (ou mesmo a humilde e pura coerência) é uma miraculosa exceção.
Jorge Luis Borges, A biblioteca de Babel
A formação de um cluster urbano – expressão essa que não tem nenhuma referência a um tipo de formalismo vazio. Ao contrário, o solo urbano que este projeto propõe, com sua multiplicidade de rampas, intersecções, passagens públicas e elevadores, pretende a potencialização do território com um sentido claro aos usos de uma biblioteca pública e a outros diversos que permitam, motivem e induzam relações de intercambio intelectuais e sociais.
Em uma escala mais ampla, nosso objetivo é criar um polo de regeneração urbana que integre este equipamento junto a uma clara infraestrutura de mobilidade – como o VLT sobre a Via Binário – e que esteja, inclusive, em sintonia com a legislação da área de operação urbana da região Gamboa do Porto Maravilha.
Adotou-se a estratégia de dividir os núcleos de funções em três blocos, como “famílias” independentes: os dois blocos laterais e o bloco central. Assim, cada um terá condições espaciais, estruturais e de infraestrutura específicas, mesmo que ao final formem um corpo único.
Esses dois blocos Leste e Oeste, se interrelacionam através de um espaço integrador central no térreo, como um cuore, por onde se instalam as suas principais comunicações e os seus fluxos, sobretudo o de pedestres: na vertical, através de rampas, escadas mecânicas e elevadores; e na horizontal, através de passarelas. No nível do mezanino, se estabelecerá também a interconexão de funcionários e de serviços entre as três torres dos elevadores, dos setores Leste, Central e Oeste.
Nossa concepção determina percursos claros e legíveis, no entanto, não são eles fixos ou únicos, como nas bibliotecas estáticas convencionais. Aqui os caminhos sempre abrem possibilidades para outros percursos, mas com clareza e legibilidade de destinos, uma flexibilidade para seu funcionamento, um deleite para o flaneur.
Está nesse projeto uma biblioteca a favor de uma dinâmica gestáltica: não há apenas uma soma literal de elementos isolados, senão o estabelecimento de uma solidariedade interna, onde cada elemento depende da relação com o conjunto. Temos, no entanto, a possibilidade de construção em setores autônomos sem descuidar para que, ao final, seja agregada forma a cidade.
Assim, dos múltiplos objetivos descritos acima que desencadeiam o processo projetual, foi levado em consideração também a matéria e sua relação com a paisagem, como sua forma final irá se manifestar e, principalmente, o modo em que ela ao mesmo tempo qualifica e delineia os novos espaços públicos, mas também transforma os já existentes.
No fim sempre teremos uma matéria solida, fixa e ativa, que deve manifestar-se como um símbolo urbano, identificado e adotado pela população da cidade.
O sítio estabelece a hipótese de uma arquitetura
Nosso modelo de trabalho nega a transferência literal de um programa ao afirmar o valor da interpretação do mesmo.
Estabelecemos uma análise em vista do lugar e da leitura do edital do concurso.
Valores de urbanidade: o compromisso de uma primeira ação neste território renovado é estabelecido através da biblioteca horizontal, ponderada em relação à geografia e à paisagem.
Relação urbana na escala do processo: a estratégia de construção por etapas estabelecerá, em cada uma, ações adequadas e proporcionais em relação ao entorno existente e ao próprio edifício.
Forte consistência funcional, através de integração de todos os setores da biblioteca internamente, e também um diálogo com os espaços públicos circundantes.
Desagregar os estacionamentos: separados da construção principal, proporcionam maior segurança à biblioteca; além de racionalizar sua construção e sua viabilidade econômica, como a possível terceirização.
Estabelecer valor arquitetônico referencial. Não buscamos o impacto visual de um objeto ostentoso, vinculado à arrogância de um individualismo exacerbado. Partimos da ideia de um suporte ativo em espaços de convivência com alta conectividade.
Agregar forma ao futuro: Dentro dos múltiplos objetivos que desencadeiam o processo de projeto está a manifestação material como forma final. Sendo essa fundamental, pode qualificar e desvendar novos espaços públicos e induzir a forma do entorno no futuro.
A estratégia de indução. A proposta pretende estabelecer junto com o Plano Diretor do Porto Maravilha, no setor da Gamboa, uma reflexão de projeto numa frente de privilégio e de diálogo com a cidade. A proposta, em sua implantação e em suas áreas livres, sugere diretrizes para posterior desenvolvimento imobiliário do entorno.
Para gerar essa imagem identificadora, pensamos que o edifício não tem que responder apenas uma questão, senão tem que manifestar e provocar outras.
ficha técnica
projeto
Anexo da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
escritório
Vigliecca & Associados
autor
Héctor Vigliecca
coautores
Luciene Quel, Ronald Werner Fiedler e Neli Yumi Shimizu
colaboradores
Marina Piccolo, Leandro Leão, Paula Romagnoli, Natália Harumi Tanaka, Carlos Collet e Bhakta Kpra
consultor
Flávio D'Alambert – estrutura