Adoro ver jogos de futebol. Mas o prazer acaba quando é hora de encarar as ruas ao redor do estádio.
Na chegada, você se depara com filas homéricas em guichês minúsculos, policiais a cavalo que comprimem a multidão, cambistas e falta de calçadas e acessos decentes.
Na saída, a massa se aperta entre os carros e as towners dos vendedores de cachorro-quente. andando quilômetros por ruas mal-iluminadas até achar algum transporte.
De um modo geral, nossos estádios não conversam com a cidade.
Em São Paulo, temos o Pacaembu, o estádio mais bonito do mundo. Mas que obriga as torcidas a andarem em meio aos carros para chegar ou sair, é confuso e burocrático para vender ingressos e ignora o bairro em que está.
O Morumbi, onde joga o São Paulo, time pelo qual eu torço desde a época do Gerson e Pedro Rocha, é lindo quando está cheio. Mas o estádio não se comunica com a cidade e oprime as casas em torno. A torcida se aglomera em meio aos carros. O transporte público é errático e lotado apesar de o governo ter fingido que ia fazer uma estação do metrô na época da copa.
As novas arenas trouxeram algumas mudanças muito bem-vindas.
A Arena Corinthians é linda, dá para ver o jogo muito bem e oferece conforto na hora do intervalo. O acesso pelo metrô é ótimo e há uma enorme área em volta que desafoga o movimento. Para dar conta dessa logística de transporte, porém, o estádio fica isolado, sozinho num platô, quase se isolando do resto do bairro de Itaquera.
O Allianz Park, onde joga o Palmeiras é lindo e permite que se veja o jogo com enorme conforto e visão. É bacana ver a relação do estádio com Perdizes. Ao contrário dos outros, o estádio está encravado no meio do bairro , cercado por bares, prédios de apartamento, shoppings, etc. Mas em dias de jogo, essa relação fica difícil. A torcida fecha a rua e agora a polícia resolveu não deixar o pessoal ficar lá se não tiver ingresso.
Nem sempre os estádios são um problema para a cidade. Basta ver os pequenos estádios espalhados por aí, como o do Juventus, na Mooca, bom de entrar e sair e ainda serve os famosos canoli. Fora do Brasil, há os antigos estádios na Inglaterra, cada um integrado ao bairro em que está. Nos Estados Unidos, o estádio do time de beisebol Red Sox é especialmente charmoso, uma presença discreta que transforma a rua em volta numa festa bonita em dias de jogos.
A Arena da Baixada
Pois bem, no Brasil, há um estádio que se destaca: a Arena da Baixada, do Atlético Paranaense. Dentro, tudo é moderno: o teto é retrátil, o piso é bom, apesar de alguns estranharem a grama sintética, há cadeiras confortáveis, banheiros dignos, lanchonetes decentes e corredores espaçosos.
Mas fora dele, há uma surpresa: o estádio conversa com a cidade.
Os acessos são amplos, bem feitos, a rua em frente é calma e parece não sentir a presença do gigante ao lado.
Parece que o arquiteto pensou na cidade ao planejar o estádio. Os predinhos ao lado do estádio não sofrem com a arrogância do vizinho, ao contrário, por exemplo, das casas perto do concreto do Morumbi. Há alguns poucos cafés e bares no perímetro, mas eles parecem viver do dia a dia do bairro e não dos dias de jogos. Existe até uma bonita praça em frente.
É claro que em jogos com até 40 mil espectadores, a situação não é tão tranquila, mas a enorme área ao redor e na frente do estádio ajuda a garantir um acesso digno pelas ótimas calçadas para quem tem que andar os poucos quarteirões até a linha dos ônibus bi-articulados que cruza a cidade.
Dá para combinar futebol e urbanidade.
nota
NE – Publicação original do artigo: CALLIARI, Mauro. Arena da Baixada. O melhor estádio do Brasil combina futebol e urbanidade. Blog Caminhadas Urbanas, São Paulo, 12 mar. 2017 <http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/caminhadas-urbanas/arena-da-baixada-o-melhor-estadio-do-brasil-combina-futebol-e-urbanidade>.
sobre o autor
Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo pela FAU Mackenzie, doutorando pela FAU USP e autor do livro Espaço Público e Urbanidade em São Paulo.