A vista, a partir da Baía de Todos os Santos, das Cidades Alta e Baixa, separadas pela encosta verde, é a imagem mais recorrente e representativa de Salvador. Para abrigar um museu dedicado ao frontispício de Salvador, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan), através do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC Cidades Históricas, decidiu restaurar e adaptar uma edificação eclética localizada a cavaleiro da encosta, ao lado do Plano Inclinado Gonçalves, um dos ascensores urbanos construídos no século 19 para ligar as Cidades Alta e Baixa. Durante a etapa final de execução das obras, a Prefeitura Municipal de Salvador, a quem o Iphan delegou a gestão do equipamento, decidiu que ele não mais abrigaria o Memorial do Frontispício, e sim a Casa do Carnaval, espaço cultural dedicado à maior e mais conhecida festa popular da cidade.
Embora não seja individualmente tombada, esta edificação é parte fundamental do próprio frontispício de Salvador e compõe o Conjunto Arquitetônico, Paisagístico e Urbanístico do Centro Histórico de Salvador, tombado em nível federal em 1984 e incluído na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco em 1985. Ademais, encontra-se na vizinhança imediata da Catedral Basílica de Salvador (antiga Igreja do Colégio de Jesus), tombada em nível federal 1938, e a menos de 200 metros de distância de edifícios coloniais igualmente tombados em nível federal, como o Palácio Arquiepiscopal e a Santa Casa de Misericórdia.
A edificação encontrava-se abandonada, após ter abrigado, por vários anos, um agrupamento da Polícia Militar. Além da edificação eclética propriamente dita, com dois pavimentos mais subsolo, constava de um acréscimo realizado posteriormente entre esta e o Plano Inclinado Gonçalves, adotando as linhas gerais da edificação principal.
O projeto elaborado a partir de 2015 se baseia nas reflexões de Marco Dezzi Bardeschi, para quem o patrimônio edificado corresponde a um palimpsesto, “uma forma de escritura que não se faz sobre ou às custas do texto existente” e que deve “respeitar estratificações, complexidades, heterogeneidades do construído”. Para Dezzi, portanto, “os arquitetos têm o dever de aportar nova matéria ao contexto da edificação, sem que isso penalize a estratificação e a distinguibilidade das fases construtivas e de uso”, pois é preciso “crer na autonomia – e na possível não conflitualidade com o existente – do projeto do novo” (1).
Assim, os autores do projeto da Casa do Carnaval decidimos conservar quase integralmente a edificação eclética principal: suas fachadas, suas paredes internas (exceto aquela divisórias, de construção recente), as quatro colunas clássicas localizadas no grande salão do pavimento térreo e as lajes de concreto do pavimento térreo e do primeiro pavimento. No acréscimo, por sua vez, a intervenção foi radicalmente transformadora, mantendo-se apenas as medianeiras e parte da laje do primeiro pavimento, transformada em mezanino. O acréscimo pode, assim, ser transformado em uma ampla praça coberta, espaço articulador de todo o equipamento, e recebeu duas novas fachadas envidraçadas: uma mais estreita, na face sudeste, voltada para a fachada posterior da Catedral Basílica, e que abriga o acesso do público, e uma monumental, no lado noroeste, com vista privilegiada para a Baía de Todos os Santos.
Os principais espaços expositivos foram instalados nos grandes salões do pavimento térreo e do primeiro pavimento do edifício eclético. Um balcão contínuo, com estrutura em aço em balanço, é proposto no pavimento térreo, ao longo de toda a fachada noroeste da edificação eclética, visando permitir aos visitantes a apreciação da paisagem da Cidade Baixa e da Baía de Todos os Santos. O subsolo abriga os sanitários e espaços administrativos, enquanto a cobertura, anteriormente em quatro águas, com telhas de fibrocimento e estrutura em concreto armado, foi substituída por uma laje impermeabilizada na qual foi instalado um pequeno café, que também desfrutará de uma vista excepcional.
A Casa do Carnaval foi inaugurada em 5 de fevereiro de 2018 e desde então recebe centenas de visitantes diariamente.
ficha técnica
projeto
Casa do Carnaval
localização
Praça Ramos de Queirós, s/n, Centro Histórico de Salvador, Bahia
autores
Alexandre Prisco e Nivaldo Andrade / A&P Arquitetura e Urbanismo
responsável técnico
Alexandre Prisco
colaboradores
arquitetos Lucas Paes, Rodrigo Motta, Augusto Motta e Diego Serra; estagiárias Alessandra Pittau, Clara Oliveira, Gabriela Lauria, Maiara Gaspar e Vanessa Orrico
contratante
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, Superintendência na Bahia, através do PAC Cidades Históricas
construção
Mehlen Construções Ltda.
área construída
1.340,00 m2
datas
Projeto: 2015-2017
Obra: 2015-2017
Inauguração: 5 de fevereiro de 2018
premiação
Finalista do 4º Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake Akzonobel
nota
NE – O júri do Prêmio Instituto Tomie Ohtake Akzo 2018, formado pelos arquitetos Adriana Benguela, Fábio Mariz Gonçalves, José Lira, Marcos Boldarini e Priscyla Gomes, selecionaram treze finalistas, publicados nos números 211 e 212 da revista Projetos do portal Vitruvius:
01. PRISCO, Alexandre; ANDRADE, Nivaldo. Casa do Carnaval. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.01, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7056>.
02. MANGABEIRA, Daniel; COUTINHO, Henrique; SECO, Matheus. Casa 711H. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.02, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7058>.
03. NITSCHE, Lua; NITSCHE, Pedro. Residência Piracaia. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.03, Vitruvius, jul. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7059>.
04. O’LEARY, Fernando; DOMINGUES, Pedro; FARIA, Pedro. Vila Amélia. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.04, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7060>.
05. TEIXEIRA, Carlos M. Casa no Cerrado. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.05, Vitruvius, jul. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7062>.
06. VAINER, André. Residência em Gonçalves. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.01, Vitruvius, ago. 2018 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7063>.
07. VIGLIECCA, Héctor; QUEL, Luciene; SHIMIZU, Neli; WERNER, Ronald Fiedler. Parque Novo Santo Amaro V - Programa Mananciais. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.03, Vitruvius, ago. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7064>.
08. MACIEL, Carlos Alberto; ITOKAWA, Ulisses Mikhail Jardim. Estúdios Ouro Preto. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.04, Vitruvius, ago. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7065>.
09. CALVINO, Rodrigo; PORTAS, Diego. Hostel Villa 25. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.02, Vitruvius, ago. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7071>.
10. JUNI, Anna; WINKEL, Enk te; DELONERO, Gustavo. Sede de uma Fábrica de Blocos. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.05, Vitruvius, ago. 2018 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7073>.
11. FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo. Cais do Sertão. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 216.02, Vitruvius, dez. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.216/7193>.
12. XAVIER, Cristina. Vila Taguaí. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 205.03, Vitruvius, jan. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.205/6859>.
13. ROCHA, Paulo Mendes; MOREIRA, Marta; BRAGA, Milton; FRANCO, Fernando de Mello. Sesc 24 de Maio. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 206.02, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.206/6886>.
1
DEZZI BARDESCHI, Marco. Nuove risorse: dall’archeologia industriale alla valorizzazione del patrimonio industriale in disuso. In: DEZZI BARDESCHI, Marco. Restauro: due punti e da capo. Milão, FrancoAngeli, 2004, p. 218.