Casa
O experimento se inicia com uma troca: os proprietários do imóvel, abandonado há pelo menos dez anos, o cedem por quatro anos a um coletivo com a promessa de recebê-lo em melhor estado na devolução. Também investem 36.000 reais no projeto-delírio (um décimo do valor suficiente para uma reforma ‘formal’). Para compatibilizar a casa a ser devolvida (espaços neutros para aluguel) à casa cujo uso refletiria os sonhos (infinitamente específicos) da equipe, dois projetos se concebem simultaneamente: ‘Usa-se’ e ‘Aluga-se’.
Hábito
Se constrói enquanto se usa. O que se habita nos primeiros anos ainda é, objetivamente, uma ruína. A meta é enxergar a possibilidade de renovação em uma realidade financeira improvável, para os proprietários e para o coletivo. Através de almoços, cursos, encontros, discussões e festas, a ruína física é transformada em um palácio subjetivo.
Uso
Cada possível uso informa o projeto ‘Usa-se’, alterando programas e espaços. A construção se dá em mutirões; os ‘trabalhadores’ são motivados por possíveis trocas com a casa: músicos encontram no espaço um local para shows, psicólogos uma sala de atendimento, um sociólogo constrói um campo para estudar, professores um espaço para ensinar construção a seus alunos… O uso constrói o espaço – literalmente. A casa experimenta com densidade e acordo entre distintos usos.
Reuso
Uma rede de materiais é constituída através de redes sociais e de outros arquitetos. Esta se soma a uma metodologia de desmontagem – em vez de demolição – da casa. Os materiais se alinham ao projeto de maneira paranoica – “tudo o que se tem ganha a qualidade de tudo o que se precisa”. Piso é porta, porta é janela, janela é parede, parede é piso. A materialidade da intervenção é também o registro de uma cidade em que pouco se recicla.
Conhecimento
O pouco dinheiro disponível é gasto em transporte e mão de obra. Trabalhadores tradicionais tornam-se professores para arquitetos, skatistas, engenheiros, artistas e basicamente qualquer um interessado em construir/aprender. O aprendizado se transforma em novas possibilidades para o projeto e informa, também, um tipo de detalhe.
Material
A madeira representa a intervenção em sua possibilidade de readequação aos novos espaços, sua disponibilidade, e sua capacidade de trazer a memória dos usos antigos. Como o novo se constrói com o velho, o que é ‘preexistente’ e ‘intervenção’ se confundem na casa.
Acaso
A ‘arquitetura’ resultante não é a execução fiel de um desenho, mas um palimpsesto de projetos, materiais, conversas, execuções e sonhos; passados, futuros e futuros de passados que nunca acontecerão. Alinhamentos, paginações e objetos revelam momentos de mudança. Se constrói como um jogo de xadrez: cada ato é uma interpretação do momento imediatamente anterior – novas construções sugerem novos habitantes, novos habitantes sugerem novos usos, novos usos sugerem novas construções.
Laço
Se constrói por necessidade de construir – não existe um objetivo inicial do experimento para além de sua execução. Um coletivo cuida da casa: fotógrafos e arquitetos jovens, um sociólogo, produtores culturais, um advogado. A ausência de experiência é compensada por consultorias com professores da Universidade Federal da Bahia. O laço que une o coletivo não é uma amizade anterior, mas o próprio fazer da casa. O grupo constrói a casa, a casa constrói o Grupo.
Projeto
A Mouraria 53 é um projeto em movimento, mais do que um processo é um arranjo de pessoas e instituições específicas. O diálogo com a população em situação de rua a partir do programa Corra pro Abraço, a série de experimentos musicais – com grupos como Bagum e Underismo – e artísticos – Felipe Rezende, Moacyr Perez e João Oliveira, Fenda – são partes essenciais de sua arquitetura. A partir da experiência da casa outros projetos se tornam possíveis, como o coletivo de fotografia analógica Analog53 e a Arquivo, uma empresa e think-tank dedicada ao desenvolvimento de um mercado de reuso em larga escala.
nota
NE – Este projeto foi publicado na revista Projetos do portal Vitruvius como um subproduto da primeira edição de Comuns, laboratório virtual de arquitetura experimental e participativa, organizado por Marcella Arruda e Marina Frugoli, em colaboração com André Moraes e o centro cultural Marieta, de São Paulo, Brasil. O evento se realizará entre 16 de setembro e 21 de outubro de 2020. As inscrições para o processo seletivo estarão abertas até 16 de agosto. Comuns convidou aos coletivos: Al Borde (Equador), a77 (Argentina), Mouraria 53 (Brasil); Colectivo Arrabal (México), Micrópolis (Brasil), Goma Oficina (Brasil); Terceira Margem (Brasil), Ruta4 (Colômbia), Eleazar Cuadros (Peru); Arquitectura Expandida (Colômbia), Comunal (México), e SePlan Conde (Brasil).
ficha técnica
obra
Mouraria 53
autoria
Coletivo Mouraria 53 / Mouraria 53 / Alan dos Anjos, Dário Sales, Fernando Gomes, Filipe Duarte, Iago Lobo, Pedro Alban e Rodrigo Sena/ membros anteriores: Davi Fernandes, Ivan Depasiri, Jonas Ximenes, Júlia Bittencourt, Milena Abreu e Pedro Teixeira
local
Salvador BA Brasil
data
2017-2020