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projects ISSN 2595-4245


abstracts

português
Uma visita à tradição moderna pela apreciação do edifício Torre Ambassador, projeto de Jorge Gambini e Hans Kenning, recentemente construído em Santa Cruz de la Sierra.

english
A visit to modern tradition by appreciating the Torre Ambassador building, designed by Jorge Gambini and Hans Kenning, recently built in Santa Cruz de la Sierra.

español
Una visita a la tradición moderna apreciando el edificio Torre Ambassador, diseñado por Jorge Gambini y Hans Kenning, de reciente construcción en Santa Cruz de la Sierra.

how to quote

MARAFON FRAU, Fernanda. Torre Ambassador, uma visita à tradição moderna. Projetos, São Paulo, ano 20, n. 238.03, Vitruvius, out. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/20.238/7913>.


Parece importante abordar um edifício de programa comum, sem caráter de exceção e uso singular: representativo, simbólico ou de interesse público, usos que permitem, frequentemente, interpretações de excepcionalidade por parte dos arquitetos. O edifício Torre Ambassador, tratado neste texto, abriga programa ordinário, com unidades para lojas e escritórios, integrando a quantidade de tantos outros exemplos de mesmo caráter que compõem as cidades.

O projeto, desenvolvido pelo arquiteto uruguaio Jorge Gambini, fundador do estúdio Enciam Arquitectura, em parceria com o arquiteto boliviano Hans Kenning com escritório radicado na cidade de Santa Cruz de la Sierra, integrou a seleção de obras da Bienal de Arquitetura de Buenos Aires de 2017 e a lista das vinte obras latino-americanas finalistas das concorrentes ao Prêmio Oscar Niemeyer de 2018. Há de se considerar mérito no projeto, pois surpreende a escolha de uma obra com programa comercial, categoria menos celebrada pela infrequente qualidade dos edifícios e por sua associação à especulação imobiliária. Usualmente edifícios culturais, projetos depositários de inovações, associados às questões ambientais e sociais são privilegiados e, juntamente com residências unifamiliares, protagonizam as premiações de arquitetura das últimas décadas.

Há também nesta obra um particular interesse porque ela parece incorporar características da produção arquitetônica da modernidade artística no que concerne a seus valores e tipologia. O edifício é concebido pela combinação de um volume horizontal, de embasamento, e uma torre a ele articulada. Esta tipologia edilícia, usualmente referida como torre-plataforma foi largamente utilizada nas décadas de 1950 e 1960, nas diversas cidades latino-americanas que sofreram processos de metropolização, por apresentar importantes características urbanas e tem sido valorizada na atualidade ao permitir uma diversidade de usos e configurações adaptadas às características de distintas localidades.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Em ensaio publicado na revista Architecture d`Aujourd´hui n. 33, Josep Lluis Sert ressalta esta tipologia como uma solução para a inserção da verticalização nas cidades latino-americanas. Salienta que a concepção de edifícios pela articulação de blocos horizontais e verticais – torre e embasamento – pode proporcionar uma continuidade do gabarito da morfologia tradicional de edificações baixas e, simultaneamente, atender à nova condição de verticalização que surge com a valorização do solo. Sert emprega a solução reiteradamente em projetos para a Cidade dos Motores, Chimbote, Lima, Medellin e Cali (1). Deve-se considerar que esta solução responde a situações nas quais a demanda construtiva e o valor comercial do térreo definem uma maior ocupação do lote no nível da rua e a utilização do potencial construtivo disponível nos vários pavimentos da torre. Em condições urbanas singulares, quando lotes apresentam frente para mais de um logradouro, os volumes de embasamento podem apresentar passagens internas para ampliar frentes comerciais, como se observa em galerias comerciais construídas desde o século 19, nos países europeus, bem como na produção moderna de edifícios-galerias do século passado. Tais características proporcionam série de vantagens, morfológicas e econômicas, que parecem satisfazer às demandas para o projeto da Torre Ambassador concebido a partir dessa solução arquetípica: a tipologia torre e plataforma.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Santa Cruz de la Sierra

A Torre Ambassador está edificada na Bolívia, em Santa Cruz de la Sierra, cidade que sofre, sobretudo a partir da década de 1960, um intenso processo de urbanização que modifica sua posição periférica na economia do país. A partir deste período, com as mudanças definidas pelos planos governamentais que caracterizam a “Marcha para o Oriente”, preveem e incentivam a substituição da atividade mineradora em declínio na porção ocidental do país, Santa Cruz de la Sierra adquire importância na economia nacional. A tradicional extração de borracha dá lugar à agropecuária, à exploração de petróleo e gás natural, promovendo o crescimento da área urbanizada que abriga, atualmente, um dos maiores contingentes de pessoas do país.

Na morfologia da cidade são reconhecíveis elementos definidos pelos diversos projetos e planos elaborados ao longo da história. A estrutura radial, definida por um sistema de quatro grandes anéis viários se mantém e é articulada às áreas de expansão para além do último anel. A tradicional quadrícula do período colonial permanece como tecido constituído na área central da cidade, circunscrita ao primeiro anel. Pode-se notar ainda, características das unidades de vizinhança que integraram o plano Techint de 1959 com a delimitação de áreas para equipamentos e parques.

O edifício Torre Ambassador localiza-se na Avenida San Martin, via que estabelece ligação entre o segundo, o terceiro e o quarto anéis da estrutura viária da cidade. Pode-se supor que este eixo viário apresenta condição importante no processo de expansão da urbanização e participará da verticalização, adensamento construtivo e valorização imobiliária desta porção da cidade, pois seu prolongamento para além do quarto anel viário promove conexão com áreas urbanizadas mais distantes, na margem oposta do rio Pirai.

Edificar em avenida numa cidade em crescimento significa, na quase totalidade dos casos, utilizar o potencial construtivo permitido pela legislação urbana. A qualidade de projetos consiste em tratar estas variáveis numa proposta formal que responda às escalas urbana e edilícia, desafio enfrentado no edifício Torre Ambassador. O lote situa-se numa quadra de dimensões expressivas, delimitada pela Avenida San Martin e pelas ruas Manuel Guemes, Hugo Wast e Henrique Finot, e recortada por duas vias de penetração, sem saída, que promovem acesso à escola de educação infantil. Estas características resultam das adaptações e transformações acrescentadas às originais unidades de vizinhança previstas pelo referido Plano Techint, nas quais a disposição de equipamentos primários aconteceu nas regiões centrais das áreas situadas entre os anéis que organizam a estrutura viária da cidade. Esta condição peculiar promove a divisão de uma porção do quarteirão em lotes menos profundos, insere grande área para a escola e prevê parcelas de dimensões menores voltados para a rua Manuel Guemes. Desta maneira, o lote conta com a condição não frequente de uma fachada voltada para uma avenida de fluxo importante e outra situada em rua sem saída, o que permite ao projeto promover ligação entre dois logradouros com características distintas.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Torre Ambassador

O projeto corresponde a um conjunto edificado: um bloco horizontal, com apenas dois pavimentos e uma torre para escritórios. No bloco baixo – embasamento – encontra-se uma área comercial, com unidades a serem utilizadas pela diversidade de atividades e serviços que já ocupam outras edificações da avenida San Martin. Dessa forma, o embasamento do edifício configura-se como continuidade do entorno imediato da edificação, pela similaridade de usos de suas áreas e fundamentalmente pelo gabarito equivalente às edificações baixas existentes. A verticalização da área é rara, inicial, a avenida abriga em quase toda a sua extensão edificações de um e dois pavimentos. A torre, com altura correspondente a 25 pavimentos e ocupada por salas comerciais, tem os dois primeiros níveis em condição de intersecção com o volume de embasamento, trecho no qual se situam as áreas de acesso, áreas de convívio e salas de reunião. O terreno com dimensões aproximadas de 60x45 metros apresenta uma pequena deflexão, na divisa esquerda, ampliando ligeiramente a medida da testada na fachada posterior. As maiores dimensões da parcela nas faces dos passeios públicos definem uma área com a largura maior do que a profundidade. Provavelmente por esta característica, dimensões mais generosas nas frentes do lote, os arquitetos incorporam ligação, percurso entre ruas, mas não abrem frentes comerciais no interior da parcela e preferem posicionar a área comercial do embasamento do edifício, nas faces das duas vias.

O bloco de embasamento possui a largura do lote, tem aproximadamente 22 metros de profundidade e está deslocado, ocupando pouco mais da metade da parcela fundiária. Sua disposição prevê recuo generoso na avenida e aproximação ao passeio público na rua de penetração, onde o movimento de veículos é limitado.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Estrutura e ordem são definidas por modulação que conforma dimensões e disposição de elementos construtivos. A malha de 0,60x0,60 metros desenhada nas plantas de pavimentos e implantação ilustra as decisões da configuração do projeto. Dela pode-se apreender a disposição da estrutura e dos corpos da edificação segundo alinhamentos e dimensões previamente definidas. Eixos estruturais delimitam as áreas do pavimento térreo e indicam que o ajuste em relação ao terreno ocorre nas divisas laterais. Múltiplos da malha de modulação organizam três unidades comerciais, com formatos distintos em ambos os lados do corpo de embasamento e, na porção central, deslocada para a direita, estão posicionadas torre e circulação entre logradouros.

Na área do recuo frontal da edificação, junto à avenida, os arquitetos desenham uma praça, com variação de cotas de nível. Primeiramente, uma área de dimensões mais amplas, um pódio elevado aproximadamente um metro do nível do passeio público. Na sequência, desenham uma laje suspensa a meio metro da praça, para definir a área de acesso às unidades comercias e torre. A construção de um pódio é solução empregada, por arquitetos, como recurso para situações nas quais a topografia define cotas distintas entre logradouros. Neste caso, a topografia não é condicionante, a solução de praça em cota elevada é proposta para propiciar uma vista desimpedida, uma vez que as vagas de veículos previstas são empecilho visual para a contemplação da paisagem. Esta praça é delimitada por um banco que divide áreas em cotas de nível distintas, espaços de permanência e rampas de acesso para pedestres e veículos.

A praça é recortada por dois espelhos d´água sobre os quais repousam os pilares da fachada frontal. Entre estes, nos dois pórticos que desenham, estão posicionados um pavilhão e a rampa de suave inclinação que constitui acesso principal à torre do conjunto. No pequeno pavilhão a ortogonalidade é abandonada e o que poderia ser um elemento percebido entre pilares ganha protagonismo. Neste local funciona o balcão de recepção das lajes de escritórios. Assim, a área interna ao perímetro da torre, permanece desimpedida e o balcão é objeto singular dentro da caixa de vidro transparente apreciada das calçadas.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

A torre de base quadrada está apoiada, parcialmente, sobre o volume de embasamento, apresenta um deslocamento em relação ao corpo baixo, com recuo de 18 metros do passeio público desta via. A disposição do bloco vertical em relação aos logradouros opostos é similar, a torre está posicionada de forma equidistante às divisas, na linha média da profundidade do terreno, distando aproximadamente 9 metros de cada uma das ruas. Desta articulação, tem-se a apreensão visual total do corpo da torre desde o térreo até o último pavimento, ela parece lançar-se sobre o recuo frontal na Avenida San Martin, pela localização do embasamento após a primeira linha de pilares.

Com a liberação parcial da torre, a área entre a primeira linha de pilares e o núcleo de circulação ganha pé direito duplo, pois a laje do primeiro pavimento tem área menor, está alinhada com o volume de embasamento, portanto recuada em relação à face frontal do perímetro da torre. Áreas correspondentes aos terraços destes pavimentos são mantidas, embora não possuam acesso, cumprem apenas função visual, possivelmente para garantir continuidade no desenho de todos os pavimentos nesta fachada.

Neste caso, os arquitetos também optam por tratar visualmente a área de junção entre corpos destacando ambos os volumes. Recuam o perímetro do embasamento na intersecção com a torre, interrompem a grelha de vedação para apresentar a transparência das esquadrias e realizam uma fenda nas lajes – correspondente a largura dos pilares – que resulta na separação entre áreas em balanço no perímetro da edificação. Tal separação destaca um plano de fachada contínuo na face frontal da torre e permite que a descontinuidade entre vedações de embasamento e torre sejam menos apreciadas.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Entre as possíveis configurações para edifícios compostos por blocos horizontais e verticais, tipologia torre e plataforma, predomina a solução de justaposição da torre sobre a base e o desenho de um pavimento de transição com tratamento diferenciado para destacar visualmente a união entre os diferentes corpos. Nos casos de sobreposição parcial, disposição da torre com parte de seu perímetro fora da base, faz-se necessário um ajuste nas fachadas ou tratamento diferenciado na porção frontal do bloco vertical. Edifícios como os exemplares nacionais 5ª Avenida de Pedro Paulo de Melo Saraiva e edifício Nestlé, atualmente ed. João Calvino, dos arquitetos Alberto Botti e Marc Rubin, com a mesma articulação entre blocos, prescindem das áreas de lajes dos primeiros pavimentos do corpo vertical, escolhem expor pilares e criam praças com pé-direito expressivo nas áreas de acesso (2).

Da tectônica como critério

Parece certo que o edifício vertical evidencia a simultaneidade que ocorre nos casos em que forma e construção estabelecem relações profícuas. Nele, a técnica comparece como elemento notável e pode-se supor que dela exige-se maior precisão e critério para responder à viabilidade construtiva, seja pela economia de meios, ou pela possibilidade de ampliação de áreas construídas. Esta técnica, na expressão da estrutura resistente, impõe características que podem ser reconhecidas e acatadas ou subestimadas, nos piores exemplos, mas que informam as decisões de arquitetos em relação à questão construtiva.

A tectônica, definida como arte de construir, parece constituir critério quando a modulação é reivindicada para unir técnica e concepção. Assim como em alguns dos melhores exemplos de edifícios verticais, na Torre Ambassador não há transições de cargas, pilares ou vigas alternados nos pavimentos e a modulação é eleita como recurso para distribuir áreas e organizar estrutura.

A torre com dimensões de 26,40x24 metros está estruturada a partir de uma trama de seis pilares e de um núcleo central. As medidas estruturais variam entre eixos longitudinais e transversais. Entre pilares, a distância adotada é de 7,8 metros e entre pilares e núcleo central, 6 metros. A pequena planta, própria a um edifício comercial comum, tem aproximadamente 1/3 da área da laje do pavimento-tipo tomada pelo núcleo central. Este núcleo está dividido em dois conjuntos, distanciados 2,5 metros, medida suficiente para acomodar o hall de acesso aos pavimentos. Cada conjunto reúne escada, dois elevadores e quatro sanitários. Nas extremidades estão posicionadas, simetricamente, áreas de copa que usam o recurso da iluminação natural. Esta organização propõe a continuidade visual entre interior e exterior em todo o perímetro da torre, justifica a utilização de janelas em todos os ambientes e proporciona homogeneidade na vedação por caixilhos na fachada. A concepção de uma laje organizada, a partir de um núcleo rígido, pode ser confirmada pela possibilidade de ligação entre salas comerciais para compor áreas maiores e permitir uma livre circulação entre os diversos quadrantes da edificação.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

A modulação é também acolhida no sistema de vedações e facilita a posterior divisão de ambientes internos. Os caixilhos respeitam estas dimensões e a exceção aparece exclusivamente no trecho que delimita as varandas juntos aos pilares.

A opção escolhida para lidar com as questões climáticas e proteger as fachadas da exposição solar foi a construção de terraços, em área externa aos pilares e em balanço, nas quatro faces da edificação. Nas fachadas frontal e posterior, voltadas para os logradouros públicos, os arquitetos optam por terraços, com acessos por portas posicionadas lateralmente, junto aos pilares. Nas fachadas laterais estas áreas funcionam como galerias técnicas, possibilitam o controle de insolação, permitem ventilação e fácil acesso a áreas envidraçadas para manutenção de esquadrias. As faces laterais, mais expostas aos efeitos da insolação, recebem um tipo de grelha, com função de bloquear a incidência solar que se assemelham às peles contemporâneas. Os arquitetos parecem intuir que o recurso da pele não confere legibilidade, qualidade visual à torre e prescindem da continuidade das grelhas para interromper a colocação deste material pouco antes das lajes dos pavimentos superiores.

Os distintos tratamentos ficam evidenciados pela opção dúbia no desenho das fachadas. Nas faces frontal e posterior parece importante minimizar o grande gabarito da edificação e opta-se por atribuir protagonismo aos elementos horizontais, com a marcação de lajes, frisos de peitoris e guarda-corpos, enquanto nas laterais escolhe-se favorecer a altura da torre. Ao promover grandes fendas verticais nas fachadas, o critério construtivo mais preciso e eficiente dá lugar à uma monumentalização da estrutura, a partir de rasgos nas lajes dos pavimentos, que evidenciam a continuidade dos pilares nas laterais do edifício.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Tradição disciplinar

Pode-se especular a permanência de questões da modernidade artística. Dos dois autores do projeto, Jorge Gambini, assim como outros de uma nova e promissora geração da América Latina, está interessado na produção moderna e parece revisitar, no conjunto de projetos realizados por seu escritório, recursos e soluções de arquitetos deste movimento.

O apreço pela construção visual do objeto pode ser percebido em soluções empregadas pelos arquitetos, como o desenho dos pilares e a marcação de linhas horizontais remetem à melhor tradição latino-americana representada por Mario Roberto Alvarez. Os frisos em elementos estruturais são recurso que Alvarez utiliza recorrentemente para dividir visualmente dimensões dadas por condições construtivas. Nos projetos para os edifícios Panedile e Bank of America de Buenos Aires, pilares aparentam ter menor seção pela utilização de sulcos verticais, enquanto em outras situações, edifícios Tiburon e American Express building, linhas horizontais minimizam alturas de peitoris nos pavimentos das edificações. Alvarez costuma reforçar a horizontalidade de lajes e elementos de vedação em edifícios multipisos, recurso que confere uma apreensão de menor altura às torres edificadas com elevado gabarito em diversas situações urbanas.

Mario Roberto Alvarez (3) também oferece exemplo, em categoria mais importante, ao conceber diversos projetos a partir da mesma tipologia – torre e plataforma – em situações urbanas variadas. Ao utilizar esta tipologia, atua com liberdade, pois parece entender as possibilidades de combinação entre torres e bases, alternando disposições segundo necessidades programáticas e comerciais. Na Galeria Jardim e no Centro Cultural San Martin opta por dois blocos verticais sobre embasamento, afastados das divisas e alinha embasamento ao gabarito de edificações vizinhas. No Edifício Bolsa de Comércio de Buenos Aires torna a justaposição dos blocos alinhada em relação ao logradouro principal, quando torre e base constituem um volume único se observadas frontalmente.

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Na Torre Ambassador, a percepção do bloco vertical também é total, mas diferentemente das configurações experimentadas por Alvarez nas quais torre e embasamento estão alinhados, a torre avança para fora do embasamento e necessita de ajustes distintos na intersecção dos corpos.

O domínio do repertório disciplinar pode ser percebido em outro projeto do escritório Enciam, o Centro Empresarial e financeiro para Santa Cruz de la Sierra. Neste projeto desenvolvido por Jorge Gambini em conjunto com Sebatian Fernandez de Cordoba, diretor do escritório local Sommet arquitectos, se revela o conhecimento e a admiração pela obra de Arne Jacobsen, ao compreender e aplicar a configuração utilizada para o projeto HEW offices em Hamburgo (4). Nas lâminas desenhadas, para abrigar programas de escritórios, qualidades e propriedades são definidas pela adição e deslocamento de blocos retangulares, com circulação e serviços posicionados em áreas centrais. O desenho de lajes pouco profundas, com comprimento bastante superior à largura, proporciona quantidade de iluminação natural nas áreas de trabalho.

Considerando o edifício Torre Ambassador, obras de outros arquitetos modernos parecem informar decisões do projeto, como o edifício Seagram e o conjunto Westmount Square, ambos de autoria de Mies van der Rohe (5). Neles, a construção de um pódio define a cota de implantação das lâminas, oferta área de praça e permite ligação entre os diferentes níveis dos passeios públicos das extremidades dos lotes, onde os projetos estão edificados. Elemento de fácil identificação é o banco desenhado e construído para delimitar áreas de circulação e permanência, utilizado nestes projetos e reivindicado na solução da Torre Ambassador.

Da modernidade artística, os arquitetos reivindicam, também, a noção de universalidade. Ao enfrentar o problema com uma solução arquetípica, consideram a produção anterior, histórica, e assumem a particularidade de sua inserção dadas as condições técnicas disponíveis, as questões ambientais e as exigências programáticas e de viabilidade para a concepção do projeto.

“A torre de escritórios proposta é um artefato técnico, abstrato e não representacional, que busca extrair seu vigor criativo da tendência à universalidade de seu caráter arquetípico. É na busca da proximidade com a origem que o projeto aspira ser original e não na singularidade de suas formas ou meios” (6). 

Torre Ambassador, Santa Cruz de la Sierra, 2017. Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning / Enciam Arquitectura, Hans Kenning arquitectos
Foto Leonardo Finotti

Na literatura crítica contemporânea as análises se aprofundam nas especificidades, valorizam significados, aparência dos edifícios, escolha de materiais que remetam a elementos reconhecíveis em dada cultura e, promovendo associações mais perceptíveis, lidam com o imaginário ou inconsciente coletivo. No entanto, há de se considerar o movimento dialético que existe entre a singularidade e o conhecimento universal.

Salientar especificidades de obras ajuda a explicar a cultura, a forma de viver e construir de cada sociedade, mantendo valores e tradições. Por outro lado, no campo da forma, parece que a universalidade das propostas modernas e o entendimento de certas relações e qualidades espaciais permitem, também, conceber edifícios que se adaptem às características de cada localidade.

Em texto acerca da arquitetura moderna, Helio Piñón elucida o esforço que constitui, no domínio artístico, a resolução de um problema específico a partir de obra em que se reconheça um valor universal:

“A arquitetura moderna, além das considerações estilísticas e simbólicas às quais é frequentemente reduzida, baseia sua formação – ação criativa, em sentido estrito – em um ato específico de concepção formal que, partindo do sujeito, aspira ao universal, condição na qual reside a esperança de que seja reconhecido pelos demais como dominio ordenado” (7).

Há de se reconhecer que, apesar de particularidades, as condições de urbanização das cidades latino-americanas denotam proximidades ainda pouco exploradas na produção dos diversos países da América Latina. Santa Cruz de la Sierra vivencia um processo já experimentado por tantas cidades de nosso continente: grande crescimento populacional, adensamento construtivo e verticalização. Neste aspecto, a Torre Ambassador não escapa da grande altura, aparentemente incompatível com as dinâmicas da localidade, com a inserção de um edifício que se torna marco vertical. Os arquitetos não se furtam a esta constatação. Sabem da necessidade de aplicar o potencial construtivo e recorrem à tipologia para promover a inserção da torre com recuos em ambas as vias e mantendo gabaritos das edificações vizinhas no volume de embasamento.

Parece importante lembrar que edifícios bem concebidos precisam, também, ser bem implantados. A construção da Torre Ambassador faz pensar se a sensibilidade de outros arquitetos será suficiente para garantir qualidade formal e urbanística à cidade.

notas

1
A constatação de Josep Lluis Sert elucida sua opção pelo emprego da tipologia nas propostas realizadas pelo arquiteto e serve para explicar a corrente produção desta tipologia nas diversas cidades latino-americanas que passam pelo processo de verticalização naquelas décadas. MARAFON FRAU, Fernanda. O conjunto Nacional: entre arquitetura e urbanismo modernos. Orientador Manoel Lemes da Silva Neto. Dissertação de Mestrado. Campinas, PUC-Campinas, 2016.

2
A questão formal decorrente das diversas configurações propostas por arquitetos modernos ao conceber com a tipologia torre-plataforma é objeto da pesquisa de doutoramento da autora e deve ser aprofundada oportunamente.

3
O rigor conceptivo de Mario Roberto Alvarez é ilustrado pela pesquisa desenvolvida na tese: OTERO, Ruben. No hay libertad sin norma: continuidad y evolución en la obra de Mario Robeto Alvarez. Tese de doutorado. Barcelona, ETSAB UPC, 2008.

4
SOLAGUREN-BEASCOA, Félix. Arne Jacobsen. 2ª edição. Barcelona, Gustavo Gili, 1991.

5
CARTER, Peter. Mies van der Rohe at work. London, Phaidon, 2003.

6
Do original: “La torre de oficinas propuesta es un artefacto técnico, abstracto y no-representacional, que busca extraer su vigor creativo de la tendencia a la universalidad de su carácter arquetípico. Es en la búsqueda de proximidad al origen en lo que el proyecto aspira a ser original y no en la singularidad de sus formas o medios”. Trecho extraído de material de divulgação do projeto. Torre Ambassador. ENCIAM arquitectura, Hans Kenning arquitectos. Arqa, Buenos Aires, 25 jul. 2017 <https://arqa.com/arquitectura/torre-ambassador.html>.

7
Do original: “La arquitectura moderna, más allá de las consideraciones estilísticas y simbólicas a las que a menudo se reduce, basa su acción formativa – creadora, en sentido estricto – en un acto específico de concepción formal que partiendo del sujeto aspira a lo universal, condición en la que reside la esperanza de que sea reconocido por los demás como dominio ordenado”. PINÕN, Helio. L´humanisme essencial de l´arquitetctura moderna; Barcelona, Real Academia de Doctors-Publications, 2003.

ficha técnica

projeto
Torre Ambassador

local
Santa Cruz de la Sierra, Bolívia

ano
2017

arquitetura
Arquitetos Jorge Gambini e Hans Kenning (autores) / Arquitetos Henry Gonzales, Leidy Rodríguez, Belén Avila, Remberto Bello e Javier Vargas (colaboradores) / Enciam Arquitectura + Hans Kenning Arquitectos

foto
Leonardo Finotti

sobre a autora

Fernanda Marafon é arquiteta e urbanista, docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Francisco, integrante do Núcleo de Estudos do Projeto de Arquitetura da Universidade Federal do Piauí e doutoranda pelo Programa de Pós-graduação da FAU USP.

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238.03 edifício de comércio e serviços
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238

238.01 projeto histórico

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238.02 urbanismo e meio ambiente

Urbanização do Banhado

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