Contextualização histórica
A cidade de São Luís, capital do Maranhão, foi fundada na península que avança sobre o estuário dos rios Anil e Bacanga e desenvolveu-se em torno da Praia Grande, considerada historicamente como área central do município. A região da Praia Grande configurava um grande núcleo comercial nos primórdios da colonização, sendo o ponto de carga e descarga do fluxo mercadológico de importação e exportação. Sua consolidação comercial ocorreu em 1789, com a ampliação das atividades portuárias da cidade em virtude dos investimentos gerados pela grande produção de algodão para exportação. Grandes empresas comerciais se estabeleceram no bairro para usufruir dos benefícios portuários, fazendo com que a área se transformasse no centro econômico mais importante do Maranhão. Data desta época o conjunto arquitetônico e urbanístico que compõe o Centro Histórico de capital maranhense, um dos mais representativos do traçado urbano e da tipologia arquitetônica produzidos pela colonização portuguesa no Brasil.
Na primeira metade do século 20, as atividades econômicas do bairro foram reduzidas em consequência da recessão econômica que se abateu sobre o Estado e da decadência do transporte marítimo. Com a estagnação econômica, as firmas comerciais fecharam e os velhos sobrados, onde estavam localizadas, deterioraram-se, alguns chegaram à completa ruína. As atividades comerciais deslocaram-se para a parte alta do Centro Histórico e o bairro da Praia Grande, que no passado foi a frente da cidade e única porta de entrada, passou a ser sua “porta dos fundos”. Na segunda metade do século 20, com a elaboração dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, foram realizadas ações governamentais destinadas à diversas áreas da região Nordeste, incluindo a cidade de São Luís. O aumento das importações e exportações realizadas pelo estado do Maranhão, resultado da implantação das rodovias BR 010 e BR 135, fez com que São Luís se transformasse num polo de convergência, concentrando os fluxos migratórios do interior do estado.
Em 1958, foi publicado o Plano de Expansão da Cidade de São Luís, elaborado pelo engenheiro Ruy Ribeiro de Mesquita, que propôs a construção de pontes sobre os rios Anil e Bacanga, permitindo o deslocamento de pessoas da área central para a parte norte e sul da ilha, ocupando as áreas entre a orla marítima e o rio Anil e diminuindo a pressão imobiliária sobre o casario do centro histórico. O plano foi executado de forma gradativa, em 1970, foram concretizadas as obras da barragem e das pontes sobre o rio Bacanga, o que possibilitou a conexão da parte central com a parte Sul e Sudoeste da Ilha, onde mais tarde seriam implantados o porto do Itaqui e um distrito industrial, além da conexão com a parte Norte com os bairros São Francisco e São Marcos.
Em 1972, o arquiteto português Viana de Lima visitou São Luís, a serviço da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura — Unesco, com objetivo de elaborar um diagnóstico do centro antigo e seu patrimônio cultural. O documento entregue pelo arquiteto em 1973 representa o primeiro estudo técnico aprofundado sobre o acervo arquitetônico e urbanístico da cidade. Destacou o valor histórico e cultural do centro histórico como conjunto urbano e alertou sobre a necessidade de integrá-lo de forma adequada ao processo de expansão da cidade, destacando a importância da construção de um anel viário circundando o núcleo histórico.
Em 1974, o acervo arquitetônico e paisagístico do Centro Histórico de São Luís foi tombado pelo Governo Federal através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Iphan e, em 1975, foi aprovado o Plano Diretor para o município e o zoneamento correspondente a este. O zoneamento já incorporava o perímetro de tombamento federal como Zona Tombada — ZT e, entre as medidas de valorização e preservação do Centro Histórico fora do perímetro de tombamento, o zoneamento definiu as Zonas Especiais: Zona de Interesse Histórico com Uso Residencial Predominante — ZE–3 e Zona de Interesse Histórico com Uso Comercial Predominante — ZE–4.
Em 1979, foi inaugurado o anel viário que desviou o trânsito das estreitas ruas do centro. No mesmo ano foi iniciado o Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís — PPRCHSL— e, a partir da sua implementação, importantes projetos e obras de infraestrutura e restauros foram realizados no centro histórico de São Luís, contribuindo para que o bairro da Praia Grande assumisse uma nova função: áreas de lazer com espaços para manifestações artístico-culturais e atividades turísticas.
Em 1986, dois novos marcos históricos para a cidade de São Luís: a aprovação do tombamento do Centro Histórico de São Luís pelo Governo do Estado no entorno do tombamento federal, englobando uma área com 160 hectares e, aproximadamente, 2.500 imóveis; e a inauguração do terminal de ônibus do Anel Viário de São Luís, posteriormente chamado de Terminal da Fonte do Bispo, em área adjacente ao perímetro de tombamento estadual.
Em 1997, foi conferido ao Centro Histórico de São Luís do Maranhão o título de Patrimônio Mundial pela Unesco. A partir de então, o PPRCHSL passa por uma reformulação: pela primeira vez, as obras foram custeadas com recursos obtidos através de financiamentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento — BID pelo Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste — Prodetur, correspondendo a investimentos da ordem de 90 milhões de reais. É nesta fase do PPRCHSL que está inserido a proposta de revitalização do Terminal Rodoviário da Avenida Vitorino Freire. O Terminal Rodoviário e o entorno da avenida Vitorino Freire (anel viário) estão inseridos no conjunto de obras de revitalização do Centro Histórico denominado Pró-Cidade São Luís. Trata-se de uma parceria firmada entre a Prefeitura Municipal e o BID para a realização de diversas obras no perímetro do Centro Histórico, englobando as áreas de tombamento federal e estadual.
Análise social e territorial da área do projeto
O Terminal Rodoviário, também conhecido como Terminal da Fonte do Bispo, é considerado o terminal mais antigo de São Luís, inaugurado em 1986 com objetivo de disciplinar o serviço de transporte público urbano da área central. A avenida Senador Vitorino Freire faz parte do anel viário que circunda a região central de São Luís, junto com as avenidas Beira Mar e Camboa. Apesar destas estabelecerem um importante eixo de conexão da cidade, verificou-se que configuravam barreiras físicas entre o Centro Histórico e o Rio Bacanga e entre os vários pontos turísticos localizados no entorno. A área ainda concentra grandes vazios urbanos, resultando numa configuração esparsa do território, uma vez que grande parte dos espaços ao longo da margem do rio se tornam isolados e inacessíveis pela quebra do fluxo dos pedestres.
O termo Terminal Fonte dos Bispos, segundo Antônio Torres Froés (1), surge de uma nascente de água doce, limpa e límpida que ficava próximo do bairro de São Pantaleão. Nesse lugar, deu origem a uma casa de retiro onde os bispos refugiavam-se para orações e descanso. O autor ainda descreve o local como fonte com água abundante para usos diversos, com vegetação nativa e árvores frutíferas proporcionando um ambiente de paz. Atualmente a fonte não existe em virtude do crescimento desordenado da cidade e da devastação do local. Acredita-se que o local da antiga fonte fica por traz do atual Tribunal de Justiça Eleitoral. Hoje encontra-se descaracterizada e abandonada.
A área do Terminal da Fonte do Bispo era dividida em três espaços sem integração e com infraestruturas precárias: praça do Trabalhador, Plataformas de embarque e desembarque e praça Fonte do Bispo. Na época da inauguração do terminal, o local contava com seis plataformas para ônibus, três quiosques, um banheiro e os espaços livres das praças. Com o passar dos anos, foram incorporados novos usos, como o transporte intermunicipal, realizado por vans, e o transporte individual de passageiros, por meio de táxis e moto táxis. A implantação de novas construções, inseridas de maneira desordenada e irregular por comerciantes e empreendedores informais, colaboraram para a transformação radical dos aspectos originais da área.
O local passou a ser frequentado por ambulantes que vendiam seus produtos de maneira informal e, na época do início do desenvolvimento do projeto, a área era conhecida por seus conflitos sociais e violência. Há anos o terminal está degradado e a ocupação desordenada ao longo do tempo resultou em problemas na infraestrutura, higiene e falta de segurança, configurando-se como ponto de prostituição e consumo de drogas no período noturno.
Uma das atuações iniciais da Natureza Urbana, que contava com uma equipe de assistentes sociais, foi a realização de três tipos de questionários socioeconômicos na área. O primeiro destinado aos comerciantes que atuavam na área do terminal, e teve como objetivo recolher dados pessoais dos trabalhadores, renda média familiar, caráter das atividades comerciais e impressões sobre o espaço livre e a infraestrutura existente no local. O segundo questionário foi aplicado aos ocupantes da área, que atuavam com atividades de transporte, tais como taxistas e moto taxistas. Por último, foram aplicados questionários na vizinhança, com objetivo de identificar as principais demandas dos moradores e comerciantes do entorno mais próximo.
A compilação dos dados dos questionários aplicados foi apresentada à população e às secretarias municipais envolvidas no projeto por meio das oficinas participativas realizadas ao longo do projeto. Os levantamentos possibilitaram a leitura socioeconômica da área, balizaram ações de projeto, tais como a tomada de decisões sobre o número de quiosques que seriam projetados e construídos, serviram como base para o Projeto de Trabalho Técnico e Social apresentado para o local e determinaram o tipo de compensação com a qual cada comerciante seria contemplado ao final da obra.
Projeto para o novo Terminal Urbano de São Luís — processo participativo com a sociedade e poder público
A estratégia utilizada na concepção do projeto buscou promover maior conexão com importantes equipamentos culturais e serviços do entorno, criando uma visão urbana coerente, um espaço público mais rico e um desenho urbano mais acolhedor e agregador para as pessoas. Priorizar o transporte ativo e coletivo e potencializar a vocação cultural, de lazer e esportiva da área caracterizaram as principais premissas do projeto. Durante o desenvolvimento do projeto, foram elaboradas estratégias de reestruturação do sistema de mobilidade da área e seu contexto imediato, com diretrizes de ocupação para os vazios urbanos existentes na região para além da área de projeto. Além disso, foram incorporados novos usos aos espaços projetados, com o objetivo de atrair públicos mais diversos ao local e ocupa-lo com atividades de lazer, esporte e estar.
Com a assessoria de um especialista em mobilidade, concluiu-se que era possível a retirada da rotatória existente, além da redução da quantidade das plataformas do terminal, o que permitiu não só o redimensionamento do sistema viário da avenida, mas também trouxe a possibilidade da expansão do espaço público adjacente ao terminal rodoviário. O redimensionamento do sistema viário abrangeu todos os modos de transporte com conforto e segurança, promovendo tratamento das calçadas e novas travessias para conexões físicas e visuais entre os espaços públicos e equipamentos urbanos, implementação de ciclovia e proposta de faixa exclusiva de ônibus, priorizando um sistema voltado ao transporte ativo e coletivo.
Buscou-se criar uma identidade única ao longo da avenida, da área do terminal e do parque urbano, apresentando um traçado marcante de piso como elemento principal. O traçado do piso busca uma conexão simbólica entre rio e Aterro do Bacanga através de linhas paralelas, alternando entre cores terrosas.
Na área do parque urbano, a proposição mais significativa foi a criação das ilhas, como canteiros desenhados a partir dos possíveis percursos convidativos para passagem ou permanência. As ilhas com seus diversos usos foram desenhadas a partir de uma geometria fractal, e em alguns pontos estratégicos surgem topografias de ocupação que dinamizam a paisagem, reordenam o comércio e abarca os usos de lazer, esportivos e culturais.
O desenho supera o caráter puramente estético ou funcional e aparece como necessidade de ocupação de forma estratégica para as necessidades do lugar, reordena o espaço público, recupera espaços esquecidos, valoriza aspectos históricos, o prioriza o pedestre e o encontro do meio urbano com o natural.
Ao longo de todo o desenvolvimento do projeto, a sociedade e organizações públicas foram envolvidas, por meio dos processos participativos e oficinas. Nas oficinas de projeto, desenvolvidas com os comerciantes e as secretarias municipais envolvidas com o projeto, foi consolidado o programa de necessidades do terminal rodoviário e entorno da avenida, sobretudo no que diz respeito aos usos pretendidos, como a prática de esportes, áreas de permanência, espaços de alimentação, parques infantis, entre outros. A reordenação do terminal rodoviário e a proposta de implantação da praça promoveram melhor distribuição dos pontos comerciais e eliminação das barreiras físicas e visuais existentes. Para os comerciantes, alguns atuando em barracas muitas vezes precárias e outros ambulantes, foram concebidos quiosques e carrinhos ou triciclos, já equipados de acordo com a atividade comercial.
O redesenho do espaço criou o conceito de “ilhas de usos” com variados equipamentos de mobiliário urbano, promovendo condições ideais para um espaço público ser apropriado pela população. A distinção de áreas de passagem e permanência, além de seus diferentes usos, se deu através de tipos e cores de pisos, mobiliário urbano e vegetação, e a criação de elevações de terra sobre os pisos planos, como paisagem construída. A ideia foi delimitar áreas funcionais sem criar barreiras visuais ou frentes e fundos, em uma implantação com distribuição orgânica, mas estruturada conforme as conveniências de disposição das atividades. Os morrotes permitem o convívio e comunicação entre área esportiva, infantil, jogos, pista de skate, parede para escaladas e horta comunitária, dando suporte ao paisagismo e criando espaços de estar e convívio, a partir da integração com bancos e arquibancadas.
nota
1
FROÉS, Antônio Torres. Histórias que a história não conta. São Luís, Ponto a Ponto Gráfica Digital, 2017.