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SEGRE, Roberto. Charles Jencks: un critique sans pitié. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 010.03, Vitruvius, out. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.010/3230>.


Na dedicatória de um livro a Leleta, esposa de Lucio Costa, Le Corbusier escreveu em 1952: ”la vie es sans pitié”. Esta é a única referência a um arquiteto brasileiro no recente volume de Jencks, Le Corbusier and the Continual Revolution in Architecture. Tampouco nenhum latino-americano é citado, em que pese ao considerável número de desenhistas, urbanistas, políticos, clientes e artistas, que mantiveram estreitos vínculos com o Maestro dentro e fora do Continente. Pouco afortunada resultou nossa região no panorama ecumênico da arquitetura moderna que o autor iniciou nos setenta com sua evolutionary tree: um sistema ameboidal em branco e preto cuja estrutura volúvel e cambiante, integrava personagens e movimentos que definiram a contemporaneidade. Niemeyer foi o protagonista latino-americano sempre em primeira linha, acompanhado logo pelo Argentina Bank (sem citar nem a obra nem os autores), e atualmente em 2000, por Costa, Legorreta, Villaneuva (talvez tenha imaginado que Villanueva foi um arquiteto francês?). Finalmente, também foi incluída a onipresença de nossa dura realidade: o 3rd. World Ghetto.

Quando no início dos anos setenta, Jencks publicou Le Corbusier and the Tragic View of Architecture, evidenciou algumas facetas pessoais do Maestro que não tinham sido assinaladas até então, e elaborou certas análises filosóficas, sociológicas e psicológicas originais. Posteriormente, ocorreu a avalanche de livros e ensaios a fim de celebrar-se o centenário de seu nascimento (1987), aprofundando-se em temas ainda ignorados de sua trajetória. Surgiram trabalhos rigorosos realizados na Argentina, no Brasil e no Chile, que investigaram a significação de suas visitas ao Continente em 1929 e 1936; tanto pela incidência da América Latina em sua nova visão urbana, como pelo impacto que exerceram suas ideias entre os jovens profissionais da região.

Resulta então inadmissível que um ensaio publicado no ano 2000, esquive totalmente o tema, ao referir-se aos fatores que marcaram a obra do Maestro entre 1928 e 1945: a América Latina, ou melhor, apenas o Rio de Janeiro, é citado em função das relações ( amorosas ou artísticas) sustentadas com Josephine Baker, outorgando grande importância à dinâmica (ou precariedade) sexual de Le Corbusier: seu difícil matrimônio com Yvonne Gallis; a tentativa (fracassada) de sedução da periodista hindu Taya Zinkin; os vínculos com Marguerite Tjader-Harris e Minette da Silva; sua emoção pelas teenagers do Vassar College. Caracterização que pouco, a nosso critério, incidiu em sua personalidade criadora ou nas etapas “estilísticas” de sua vida: até agora por sexo ou erotismo, somente passaram para a história Don Juan, Casanova e o Marquês de Sade.

Hoje, peca por ligeireza e superficialidade desconhecer o impacto exercido sobre Le Corbusier pela visão de La Pampa e a extensão infinita de Buenos Aires; os meandros dos rios Paraná e Uruguai ou a inusitada paisagem de morros, mar, praia e bosques, que a cidade do Rio de Janeiro hospeda. A mudança profunda de suas visões urbanas — consideradas por Manfredo Tafuri como as mais importantes do século XX —, ocorreram no Rio, ao imaginar um edifício de apartamentos que se estendia por quilômetros como uma cinta continua, fluindo livremente entre os morros e a baía de Guanabara. Desta primeira concepção se materializaram logo em 1932, as sequências de projetos do Plan Obús para a cidade de Argel. Seus contatos com a cultura popular se intensificaram nas favelas cariocas, ficando impressionado pela sensualidade e erotismo das mulatas, homólogas à exuberância da paisagem. Percepções anteriores às similares experimentadas com argelinas e espanholas no continente africano.

Por sua vez, Jencks enfatiza a influência do pensamento de Nietzsche em Le Corbusier, através do livro Also Sprach Zarathustra, referindo-se ao vitalismo do “predicador” representado pelo espírito combativo do “super-homem”, voltado a transformar uma realidade estática e obsoleta. Aonde se materializa a metáfora do Anticristo? Pois, na América Latina. O Maestro, frente à pequenez e à mediocridade da Academia (os planos ”clássicos” das capitais locais), desde as alturas dos morros ou dos arranha-céus cartesianos flutuando no Rio da Prata, realiza o gesto demiurgo criando a cidade do futuro. No Rio, abandona a abstração metafísica e realça a espontaneidade da vida ao projetar — parafraseando Tafuri —, “uma imensa máquina biomórfica”, síntese entre arquitetura e natureza, entre homem e paisagem. É então na Latino-américa aonde — além das mudanças ocorridas em sua produção pictórica ao interessar-se pela Natureza, os “objetos de reação poética” e os corpos femininos —, se iniciam as mudanças radicais que, das “caixas brancas”, culminaram em Ronchamp e Chandigarh. É uma história marginalizada por Jencks e é nosso dever esclarecê-la e reafirmá-la.

[publicado originalmente na revista argentina Summa+, n 53, Buenos Aires, fev./mar. 2002, p. 120]

[tradução marina rodrigues amado]

sobre o autor

Roberto Segre, arquiteto e crítico de arquitetura, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde é atual coordenador do PROURB.

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