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HIRZMAN, Maria. A origem dos males urbanos de São Paulo. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 010.01, Vitruvius, out. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.010/3232>.


Em Prelúdio da Metrópole - Arquitetura e Urbanismo em São Paulo na Passagem do Século XIX ao XX, lançado pela Ateliê Editorial, Hugo Segawa vai às origens do problema urbano de São Paulo e deixa evidente - a partir de uma pesquisa detalhada e criteriosa - que não é técnica, mas política e econômica a origem dos males urbanos desta megalópole.

Com um olhar aguçado sobre os problemas atuais dessa cidade caótica, Segawa conseguiu traçar um fascinante e perturbador panorama do período em que São Paulo deixava para trás o ranço provinciano e buscava construir as bases para sua expansão futura. Um dos aspectos mais interessantes evidenciados por esse trabalho é que muitos dos diagnósticos feitos hoje sobre a doença urbana paulistana já estavam evidentes no início deste século. Mais ainda, não foram feitas apenas avaliações mas também projetos que, se tivessem sido postos em prática, teriam dado uma outra aparência à cidade.

O fato de ter sido originalmente um trabalho de conclusão de curso escrito em 1979 só faz aumentar a importância de Prelúdio da Metrópole, já que, ao longo desses quase 20 anos, a pesquisa (que só estava representada por um exemplar na bilioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) foi construindo seu caminho, sendo cada vez mais citada por renomados pesquisadores da área. Esse sucesso explica a decisão de Segawa de relançá-la agora, com apenas alguns ajustes. Esse "relançamento", no entanto, poderia ter dado lugar a um aprofundamento dessa pesquisa, levando o autor a mergulhar mais fundo nas causas desse crescimento perverso e desorganizado.

O período abrangido pela pesquisa vai do final do século 19 aos anos 30. O crescimento da cidade, estimulado pela riqueza oriunda do café leva os paulistanos a tentarem ampliar os limites da cidade para além do acanhado triângulo, determinado pelos Conventos de São Francisco, do Carmo e do Mosteiro de São Bento. "Num primeiro momento, a fixação da elite paulistana foi por vencer as depressões: transpor ou urbanizar os vales", escreve ele, acrescentando que em 1877 Jules Martin propõe o Viaduto do Chá (inaugurado em 1892) e transforma em realidade o que parecia impensável, cobrando pedágio para atravessar uma ponte que levava ao nada.

Trata-se de um período de grande atividade. O desejo por reformas não se referia apenas ao centro, mas pululavam também projetos de construção de empreendimentos imobiliários nas periferias, foram idealizados vários projetos comerciais, ansiosos por explorar a importação crescente dos padrões de consumo europeus. Chegou-se inclusive a idealizar uma Exposição Universal, prevista para 1892. Também chegavam à cidade os serviços de infraestrutura oferecidos por empresas estrangeiras, o que lembra - e muito - a atual rodada de inversões multinacionais em serviços públicos, como a telefonia.

"No entanto, a impressão final é de que, comandados sob o signo de inversões imediatas, todos esses empreendimentos careciam de um sentido social claro", afirma Segawa. Essa constatação, que se refere ainda ao final dos oitocentos pode tranqüilamente ser aplicada à grande maioria das iniciativas tomadas em relação à urbe em questão até nossos dias.

Arborizar é sanear - Nosso primeiro urbanista, Adolfo Augusto Pinto já afirmava que o principal problema a ser resolvido era a questão do saneamento público e tinha como máxima o slogan "arborizar é sanear". É de sua autoria o primeiro plano oficial de melhorias para a cidade. O projeto, no entanto, ficou na vontade, com excessão do Viaduto Boa Vista.

Segundo Segawa, a primeira década do século foi marcada pelo surgimento de uma consciência mais madura em relação à cidade, "talvez pela formação de um quadro de engenheiros egressos da Escola Politécnica, talvez pela presença de empresas estrangeiras voltadas à exploração de serviços de transporte e energia."

Havia, no entanto, uma série de empecilhos econômicos e problemas ligados à especulação imobiliária. "Mesmo que houvesse um desejo potencial por parte do poder público de ssumir obras de embelezamento urbano, somente a iniciativa privada arriscava recursos financeiros para tais interesses, oferecendo propostas articuladas segundo os seus interesses", resume Segawa, concluindo que "essa situação tornar-se-ia o paradigma das limitações do poder público e da atuação do empreendimento privados na evolução da cidade de São Paulo até hoje."

Se ela pode agradar todos aqueles que se interessam pelos aspectos sociais relacionados com as políticas urbanas desenvolvidas no País (fato reforçado pela rica iconografia de época, como as saborosas charges de Voltolino), a obra de Segawa tem atrativos a mais para arquitetos e historiadores. As descrições detalhadas sobre três projetos de urbanização distintos apresentados entre novembro de 1910 e janeiro de 1911.

Enquanto um grupo de capitalistas defendia o projeto Alexandre de Albuquerque, inspirado no modelo imposto por Haussmann em Paris, a prefeitura apresentava o projeto Freire-Guilhem e o governo do Estado, por sua vez, defendia o Samuel das Neves. Para solucionar a polêmica recorreu-se ao ilustre arquiteto francês Joseph Antoine Bouvard, que estava de passagem pelo por aqui.

Em seu parecer, ele defende uma série de medidas como a preservação da história da cidade, uma estratégia que permita tirar partido da topografia acidentada da região e o preenchimento entre os clarões que separavam os vários núcleos urbanos. "Em todas essas disposições convém não esquecer a conservação e a criação de espaços livres, de centros de vegetação", receita ele, lembrando que "mais a população aumentará, maior será a densidade de aglomeração, mais crescerá o número de construções, mais alto subirão os edifícios, maior se imporá a urgência de espaços livres", escreve.

Autofagia - Esse plano norteou de certa forma as intervenções urbanas realizadas na cidade durante a década de 20, sendo responsável entre outras coisas pela criação dos Parques do Anhangabaú e D.

Pedro II. Mesmo sendo implementado apenas parcialmente, foi o trabalho dele que permitiu a São Paulo "atingir um equilíbrio saudosamente relembrado" pelas gerações mais velhas. Mas, como bem lembra Segawa, essas intervenções pontuais se tornaram ainda menos eficazes a partir da década de 40, com o acentuamento do processo de "autofagia urbana".

No último capítulo do livro, intitulado A Periferia Saudável e Periferia Remediada, Segawa foca seu olhar, deixando de lado o mapa da cidade e investigando a política habitacional da época, as diferenças crescentes entre os loteamentos para ricos e pobres. Um de seus materiais de pesquisa reproduzidos no livro são os anúncios e artigos de jornais de época. Uma saborosa propaganda publicada no Estado, em 1925, por exemplo, oferece as vantagens do loteamento Nova Manchester louvando a classe média. "A classe média, essa classe laboriosa e heróica, que sofre mas não se queixa, termina agora o seu nobre sacrifício", diz o texto.

Se a propaganda pinta um cenário cor-de-rosa, as charges e estatísticas mostram o lado negro da crise habitacional. "A habitação jamais foi um problema que pudesse ser resolvido com uma porção de casas bem construídas", afirma. "E mesmo que chegassemos a esse ponto, não poderiamos incorrer nos vícios urbanísticos intencionalmente preservados nos códigos de obras; Afinal, como dizia o professor Artigas, `uma casa não acaba na soleira da porta'", conclui Segawa.

[texto originalmente publicado no Jornal O Estado de São Paulo, Caderno 2, Domingo, 15 de outubro de 2000. Reprodução proibida sem autorização da autora]

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Maria Hirzman é jornalista

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