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ROCHA, Ricardo. Arquitetura nova: um olhar periférico. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 010.02, Vitruvius, out. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.010/3231>.


"Por melhores que sejam os teus pensamentos, por mais dignos e generosos que eles possam ser, eles são sempre a expressão da classe dominante". Lenin

"Arquiteto devia ser o homem que construísse a sua própria obra, se possível com suas próprias mãos". Vilanova Artigas

Na esteira da avalanche de publicações sobre arquitetura à disposição no mercado editorial brasileiro na última década, o recém lançado Arquitetura Nova de Pedro Fiori Arantes traz novo alento à reflexão sobre arquitetura no país, ao propor reconstituir o fio da meada, supostamente "decapitado" com o golpe de 64, da aproximação dos arquitetos ao "povo".

Como sugere o subtítulo - Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões - o livro (re)conta na forma de ensaios em seqüência cronológica (mas não linear, embora padecendo de um certo evolucionismo) a história concisa daquilo que Roberto Schwarz chama na argüição/ posfácio do "impasse da arquitetura brasileira, de esquerda e moderna, diante das questões da habitação popular". Centrando-se em São Paulo, a Arquitetura Nova de Ferro, Império e Lefèvre com sua pedagogia do canteiro é usada como alavanca (teórica), numa crítica às posições (históricas) de Artigas junto ao PCB resumidas em sua pedagogia do desenho, para se atingir a "vanguarda" da atuação dos arquitetos junto aos movimentos de moradia dos mutirões autogeridos.

Como nas palavras de Carlos Marighela, ao qual Ferro e Lefèvre seguiram em 67 no rompimento com o PCB, "o que nos fez crescer foi a ação: única e exclusivamente a ação revolucionária. Trabalhando com o princípio de que a ação cria a vanguarda, nos lançamos à guerra de guerrilha urbana sem termos ainda dado um nome a ela", os novos arquitetos, sem necessariamente ter consciência da "continuidade histórica" alinhavada pelo autor, inverteram os desígnios da arquitetura moderna progressista brasileira e foram ver o que os movimentos populares organizados (1) (em oposição a indefinição da palavra "povo") podem ensinar aos arquitetos.

Mas pegando carona no posfácio/ argüição do texto, ainda que a cisão trabalho/ capital, reverberando outras como técnica/ arte, canteiro/ desenho, etc, desapareça no mutirão autogerido - e é bom não esquecer o papel do Estado no financiamento dessas iniciativas - "não seria razoável imaginar que no caso a cisão apenas mudou de lugar, e que ela agora está na distância ente o movimento de moradia e o conjunto dos meios técnicos da civilização contemporânea?"

Voltando a um dos pontos altos do livro, o potencial crítico (e de emancipação) da casa Elza Berquó é mais complexo, contraditório e dialético (brasileiro?) do que parece: se é a estrutura arcaica dos troncos que sustenta a modernidade da cobertura em concreto - numa convivência moderno/ arcaico que poderia ser mais perversa do que irônica se lembrarmos de Capitlismo e Escravidão no Brasil Meridional de Fernando Henrique Cardoso(!) - é a presença do neoprene, um material "moderno", que permite que a carga da cobertura se distribua pela "coluna" chegando às fundações. Como se pode conjeturar a partir desse viés, nem na dúvida Artigas deixa de acreditar na técnica - na técnica não na Tecnologia, como frisa meu amigo Fábio Müller em relação à Paulo Mendes da Rocha - como que mostrando, alternativamente, que o impossível é possível.

Artigas dizia que havia assimilado soluções dessa ordem depois de uma visita à China. E é interessante retomar algumas colocações de Julio Katinsky sobre as barragens chinesas, uma vez que a expansão do canteiro autogerido para além da produção habitacional é problemática. Comparando a experiência no Brasil e na China, os únicos países que possuem uma "tecnologia" de barragem de terra, que, não sendo muito confiável em termos de segurança, é vantajosa e perigosamente barata, ele lembra que embora cuidem da mecânica do solo do mesmo jeito que nós aqui, lá eles "fizeram as barragens na cacunda do chinês". Um brutal investimento (a expressão, se a observação não for exageradamente cruel, não podia ser mais exata) de trabalho humano, que nós "poupamos" comprando máquinas dos Estados Unidos. O que é melhor então, explorar a população em mutirão segundo o modo asiático de produção? Importar máquinas a um custo econômico e social altíssimo? Ou desenvolver tecnologias (quem sabe alternativas para não cair numa contradição nos termos) em solo nacional?

A "cooptação" de Artigas (e Lefèvre) - e o que dizer das pinturas de Sérgio Ferro em galerias e eventos como o 1o São Paulo Arte? - tomam, assim, outra dimensão. Isto na medida em que, talvez, o projeto do Mestre visasse não só educar a burguesia mas também preparar as massas, através da qualidade de seus prédios escolares, rodoviárias, hospitais, etc. Como enfatiza Pierre Bourdier, é bom não esquecer a capacidade persuasiva da ordem ordinária das coisas, principalmente numa sociedade de cultura visual de massas, onde a recepção de uma obra não pode ser colocada em segundo plano nem mesmo em relação a sua produção: mesmo imaginando que as relações de produção no canteiro em tais construções não fossem as melhores (e pelo que o próprio autor nos conta não havia muita diferença entre os canteiros das obras de Artigas e da Arquitetura Nova) não seriam - ainda (dialeticamente, quem sabe) que o cliente fosse o regime militar - meios de antecipação para a realização de uma sociedade mais justa?

nota

1
E é preciso não descuidar da proximidade entre organização, corporativismo e militarização. Ver M, O Vampiro de Dusseldorf de Fritz Lang, o qual mostra que na Alemanha pré-nazista até os mendigos eram organizados.

sobre o autor

Ricardo Rocha é arquiteto e urbanista pela UFES (Vitória - ES) e professor do Departamento de Arquitetura da UFSM, Santa Maria RS

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