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CAMARGO, Mônica Junqueira de. Cultura arquitetônica brasileira: evolução ou continuidade? Resenhas Online, São Paulo, ano 02, n. 017.03, Vitruvius, maio 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.017/3211>.


Passando em revista a produção arquitetônica brasileira dos últimos 40 anos, a arquiteta e pesquisadora Maria Alice Junqueira Bastos escreve uma obra de coragem e de referência. Coragem porque vasculha tabus, enfrenta fantasmas, e de referência porque vem preencher um vazio de publicações sobre esse período. Trata-se de uma produção ainda inexplorada. Há muito, estudantes e pesquisadores, esperavam por um trabalho como esse. Garimpando revistas e trabalhos acadêmicos, Maria Alice recolheu as principais idéias, tanto de projetos como de pensamento arquitetônico, construindo uma trama que pioneiramente analisa a arquitetura brasileira do final do século XX.

Nos últimos anos tem se registrado um aumento considerável de publicações sobre a produção brasileira, especialmente a moderna, mas quase sempre avaliando a trajetória de um determinado arquiteto. Sem dúvida excelentes contribuições, mas que nos permitem uma compreensão apenas parcial do processo de desenvolvimento da arquitetura brasileira. Em contrapartida temos poucas obras que buscam analisar a produção sob a ótica da produção nacional, de maneira mais abrangente, percorrendo um panorama arquitetônico mais amplo: Quadro da arquitetura no Brasil; Arquitetura brasileira; Modern architecture in Brazil; Arquitetura contemporânea no Brasil; Arquitetura moderna brasileira; Arquiteturas no Brasil – anos 80; Arquiteturas no Brasil 1900-1990; algumas coletâneas: Arquitetura moderna brasileira: depoimentos de uma geração; O lugar da crítica / ensaios oportunos de arquitetura. Uma bibliografia ainda muito tímida se considerarmos a quantidade e a diversidade das nossas construções. Pós-Brasília os rumos da arquitetura brasileira assume de antemão um valor considerável que ganha mais destaque por tratar de um período deveras conturbado.

A estratégia adotada de confrontar as diversas idéias em função das obras escolhidas permite vislumbrar não apenas o significado das obras selecionadas no panorama da crítica nacional, mas também as idiossincrasias do pensamento arquitetônico, que se aguçam na difícil retomada do debate arquitetônico com a abertura política do início dos anos 1980. Maria Alice dá o destaque necessário a textos que esclarecem idéias que ficaram perdidas ou que não quiseram ser lembradas e que são muito esclarecedoras dos rumos que a nossa arquitetura tomou. Esclarecer que paralelamente à repressão política dos anos de governo militar havia, por parte de alguns arquitetos, uma declarada intenção de romper, sob o ponto de vista da informação, com o mundo exterior traz uma nova luz à compreensão do nosso desenvolvimento arquitetônico. A idéia de que não tínhamos muito a aprender, que sabíamos o suficiente, acabou por se alastrar também internamente e contribuiu ainda mais para o esvaziamento do debate.

Avaliar uma produção consagrada, mais hegemônica, mesmo que seja para discordar, é sempre mais ameno, ou pelo menos mais seguro, do que introduzir obras polêmicas, de tendências variadas que de forma alguma constituem a maioria da produção nacional. Num corajoso esforço de pesquisa e análise, a autora conseguiu identificar um pensamento crítico/teórico nacional através do levantamento de um corpo de idéias dominante, nas apreciações de projeto e no discurso teórico.

A análise abrange a produção realizada entre 1969 e 1990. São obras premiadas e/ou publicadas com destaque pela imprensa especializada que foram agrupadas pela semelhança das características arquitetônicas de tal modo a configurar tendências que indicam que a prática arquitetônica não é tão isolada e que existe, por um lado, uma permanência de idéias herdadas do legado moderno brasileiro e por outro, uma busca de novos caminhos. A seleção da primeira e última obra estudada já são indicadores da perspicácia da autora: Pavilhão de Osaka e Pavilhão de Sevilha, dois projetos de representação nacional. Enquanto o primeiro reflete o discurso ideológico da arquitetura moderna brasileira ainda, naquele momento, dominante: valorização do coletivo por meio de espaços unificados e da ausência de barreiras entre público e privado; e o segundo, uma proposta polêmica, que acabou por não ser executada, sendo um dos pontos de maior contestação a falta de atualização com o momento, dada a sua inspiração no projeto anterior, o que sugere uma dificuldade de superar as heranças modernas e uma falta de ousadia para inovar.

Numa seqüência cronológica, a autora vai avaliando os projetos, cujas análises revelam um grande poder de síntese. Todos os projetos são adequadamente ilustrados com desenhos e fotos que permitem sua fácil compreensão. As primeiras obras ainda corroboram a tradição racionalista, introduzindo algum sentido revisionista como no Pavilhão de Osaka; um certo distanciamento das preocupações construtivas mais rigorosas como na Estação Rodoviária de Jaú; a tentativa de incorporação de novas tendências formais como no Edifício da Petrobrás e a persistente busca de conciliação entre uma forte expressão formal, a pré-fabricação e a racionalização da construção verificada nos edifícios das Secretarias no Novo Centro Administrativo de Salvador.

Os anos da abertura política vão instigar o reatamento com o mundo exterior e conseqüentemente a proliferação de novos conceitos e teorias. Uma mudança de postura do arquiteto, que passa a se colocar no lugar do usuário e que busca uma nova relação com a cidade, é constatada por Maria Alice em projetos de distintos programas: o Centro Cultural São Paulo pela sua concepção balizada não mais pelo desenho, mas por pensar e sentir os espaços; o edifício-sede da Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco pela forte preocupação de sua inserção cultural; o Sesc Pompéia onde é possível verificar uma clara atitude de aceitação da cidade e nos novos projetos urbanísticos: o complexo habitacional de Alfabarra; a cidade planejada de Caraíba; o núcleo habitacional do Inocoop-Cafundá; a relocação da cidade de Itá – Nova Itá – que promovem uma revisão crítica de Brasília, contemplando a contextualização cultural como novo enfoque para o desenho das cidades. Por outro lado o partido de torres isoladas adotado nos edifícios da avenida Berrini, em São Paulo, apresenta quase nenhuma preocupação com a criação dos espaços públicos.

As outras teorias que passam a alimentar o pensamento arquitetônico são baseadas na recuperação das tradições populares e da identidade nacional: a residência Helena Costa, um exercício do que o neocolonial poderia ter feito; a residência dos Padres Claretianos redescobre o saber e o prazer do canteiro; o campus da Universidade da Amazônia evidencia uma sensibilidade e uma abertura para trabalhar a realidade local; o Centro de Proteção Ambiental de Balbina explora a expressividade das formas autóctones; o Externato Santa Ignez em Nova Friburgo valoriza o uso de materiais e técnicas tradicionais, trabalhando as características regionais; a Moradia de Estudantes da Unicamp retoma as discussões da pré-fabricação dentro de uma perspectiva real e não utópica. A preocupação do edifício como constituinte do espaço urbano definiu o partido adotado no Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento Pessoal, Centap Bradesco Seguros S.A. – o projeto segundo o microcosmos de cidade.

A penetração do repertório da arquitetura internacional vai sendo desvendada segundo as diferentes correntes ou teorias de pensamento. Inicialmente as torres de escritórios e os shopping centers – edifício Citibank de São Paulo e Plaza Shopping de Niterói – que ostentam um desenho marcante referenciado na cultura das grandes incorporações internacionais. A mudança de atitude frente à compreensão da cultura popular: para os mestres modernos o popular era visto pelo aspecto da essencialidade, singeleza, despojamento, que passa a ser interpretado sob a ótica da pop arte – um gosto popular corrompido pela televisão que aspira ao luxo e supérfluo. O Palácio Arquiepiscopal de Mariana é representativo de uma expressão arquitetônica que tem a preocupação de ser significativa para a população. A crítica tipológica de origem italiana é apontada no Sesc Nova Iguaçu, que propõe uma tipologia identificável nas estruturas leves da região. O Senac São José dos Campos é considerado como uma obra tributária de boa parte da discussão desenvolvida na década de 1980: a participação do usuário como integrante da totalidade arquitetônica e a participação da obra como determinante do contexto urbano.

As questões funcionais, de conforto ambiental e de espaço humanizado, discutidas sob a ótica revisionista das tradições modernistas, foram identificadas no projeto para o Edifício da Hering do Nordeste S.A. Malhas. Nas análises das obras da Estação Fepasa do Largo 13 de Maio e da Sede Provisória para a Prefeitura de Salvador Maria Alice expõe com clareza a familiaridade dos profissionais com o sistema construtivo: uma dificuldade de adequação às novas tecnologias expressa na estação, cujo projeto desenvolvido em estrutura de aço guarda um certo maneirismo paulista de trabalhar as questões estruturais em concreto aparente; enquanto é possível notar uma clara evolução na utilização da estrutura metálica combinada com painéis de argamassa armada na sede provisória, que explora a versatilidade da tecnologia adotada permitindo a desmontagem da obra e sua reutilização em outro local.

As três últimas obras selecionadas são indicativas da consolidação de uma determinada cultura arquitetônica nacional. O Memorial da América Latina objetivamente analisado é a obra necessária que cumpre o papel reforçar a importância de seu autor para a historiografia arquitetônica brasileira. Seria praticamente impossível traçar um panorama da arquitetura nacional, a partir do projeto Ministério e Educação e Saúde Pública, sem que nele se incluísse uma obra de Oscar Niemeyer, tal a quantidade, a longevidade e a excelência de sua atuação. O Museu Brasileiro da Escultura, longe de qualquer atitude de revisão de pensamento, vem reafirmar a essência da produção paulista dos anos 1950/60. E o Pavilhão Oficial do Brasil na Exposição de Sevilha, já comentado anteriormente, reflete o peso dessa cultura e o papel que a arquitetura assumiu para a imagem do país.

Num balanço final, o conjunto de obras analisado por Maria Alice Junqueira Bastos em Pós-Brasília os rumos da arquitetura brasileira, é muito rico. Não há nenhuma grande surpresa entre as obras escolhidas e também nenhuma revelação profissional, mesmo considerando a diversidade de programas e de tendências apresentadas. Nenhuma obra revolucionária que indique uma mudança de paradigmas com a audácia que outrora tivemos. Pelo contrário a leitura nos deixa a sensação de cautela frente às tentativas de mudanças, de timidez em tentar superar os modelos consagrados e que estamos longe de uma ruptura com o passado ou de um salto frente ao futuro. Sintomas talvez de uma evolução, sem qualquer revolução à vista. Certamente é um panorama representativo da realidade arquitetônica nacional que ainda não havia sido traçado. Os critérios, objetivos e claros, de escolha e análise das várias obras tornam o texto extremamente didático e as inúmeras referências bibliográficas fornecem muitas pistas, abrindo uma ampla frente para novas pesquisas.

sobre o autor

Mônica Junqueira de Camargo, arquiteta, doutora, professora FAU-USP, autora do livro Joaquim Guedes. Editora Cosac&Naify, 2000

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