Uma obra com um longo título descritivo – Último escalón alcanzado por la plantación comercial azucarera escravagista (1827-1886) –, mas fundamentada em sucessivas sínteses, que sabiamente mostram ao leitor o essencial de um tema profundamente pesquisado e discutido, com um amplo apoio de ilustrações – mapas, tabelas, quadros sinópticos e esquemas analíticos – é a nova contribuição de Modesto González Sedeño para a bibliografia referente à pesquisa regionalista cubana, que vem crescendo paulatinamente.
O autor é um estudioso da macro-região central da Ilha, de seus grupos de poder, que engendraram ali não só o desenvolvimento da indústria açucareira, mas também projetos econômicos e políticos diferenciados em relação aos habaneros (hegemônicos desde o século XVIII), que resultou numa cultura local que alcançou um alto nível em suas manifestações espirituais e materiais: Cienfuegos é seu exemplo mais completo em urbanismo, sendo que o Teatro La Caridad de Santa Clara enriquece esta tipologia edilícia, de altos vôos tecnológicos, presente na arquitetura ocidental; enquanto que em Trinidad, a arquitetura das casas grandes, no Valle dos Engenhos, ultrapassou o umbral de todo o imaginável em se tratando de arquitetura “rural” do oitocentos.
A obra que tenho o prazer de comentar se divide em duas partes. A primeira trata justamente dos limites temporais e espaciais do avanço da indústria açucareira na ilha de Cuba durante a época colonial. O autor explica as causas e os efeitos desta expansão, cuja última etapa compreendeu as jurisdições de Sagua la Grande, Cienfuegos, Villa Clara e Remedios (não chegou a tratar das regiões de Camagüey e Oriente). Sua borda dianteira fica situada nas jurisdições de Trinidad e Sancti Spiritus, as que ocupam um papel importante como zona de transição entre a plantação açucareira exclusiva e a zona pecuária contígua. Esta primeira parte se divide em onze aspectos, de capítulos breves (enumerados do 1 ao 11), que culminam com um epílogo estatístico (tabelas e gráficos).
Como reflexões importantes neste primeiro bloco de conteúdo se destacam alguns aspectos: a definição da última etapa como um processo socioeconômico e político basicamente recolonizador, as precisões de vários conceitos históricos retomados pelo autor – como o de “fronteira”, nas palavras de Julio Le Riverend, entre as regiões em desenvolvimento ocidental e oriental, diferenciadas por graus, modelos e vias de realização –, suas conseqüências sobre a política colonial espanhola em Cuba e a formação de grupos de poder locais na macro-região central, que tiveram uma duração relativamente longa. Grupos e caudilhos, pertencentes à burguesia escravagista, alcançaram uma posição capital: primeiro como altos oficiais do Exército Libertador nas Guerras de Independência; depois, quando cinco representantes da região ocuparam a presidência da República neocolonial, assumiram a tomada de decisões gerais em vários períodos governamentais (em todos os casos, por mais de seis meses). O autor propõe-se à periodização daquele processo (de 1827 até 1886), tendo em conta suas etapas de surgimento, apogeu e estancamento, além do estudo das dez famílias mais relevantes que conformaram grupos de poder econômico, político e social nesses períodos.
A segunda parte da obra contém primordialmente um estudo ainda mais detalhado e explícito da integração e ação dos grupos de poder, dos caudilhos locais durante a Guerra de 95, de sua participação na formação da República neocolonial e na do Exército nacional, de 1902 a 1940. Esta seção compreende cinco aspectos (capítulos de 12 a 18), a Bibliografia e os Anexos. A análise põe em relevo as contradições, sem solução de continuidade, que a exploração açucareira capitalista periférica coloca à jovem nação, dependente agora do mercado dos Estados Unidos da América. Pequenas biografias de personalidades opositoras ao capitalismo, como é o caso do líder sindical negro Jesús Menéndez e sua família, procedente do regime da plantação açucareira escravagista, esclarecem a unidade do processo histórico de luta pela libertação individual, de classe e nacional, desenvolvido durante os séculos XIX e XX.
A abordagem teórica é marxista. Destaca-se o determinismo econômico dentro desta monografia, que nem por isso renuncia, nem posterga, a pesquisa de aspectos sociais, políticos e até culturais, utilizando paralelamente novos enfoques e ferramentas que proporcionam os dados e conceitos necessários para conseguir uma maior profundidade e riqueza na análise. Estudos de famílias, genealógicos, análises quantitativas (estatísticas) e cartográficas, são introduzidos sem vacilações, conforme o objetivo específico projetado para cada passo da pesquisa. Assim se chega a conclusões aceitáveis sobre questões tão importantes como o limite real da expansão da plantação açucareira e da cultura escravagista erigida por esta no século XIX, ao confirmar a existência de uma zona de transição dentro da macro-estrutura econômica, agrícola, pecuária, florestal, mineira, que permitiu aumentar o valor econômico da ex-colônia espanhola.
O autor reconhece na introdução o lado positivo do movimento de estudos regionais e locais para conseguir um fortalecimento cognoscitivo da história nacional:
“Na concepção desta monografia houve a influência de minhas relações de trabalho com os grupos de historiadores regionais. Estes, cada vez mais capacitados e experientes, constituem uma força que tece e entretece uma rede de conhecimentos que no passar do tempo apresentam novas fontes e novos estudos monográficos, que permitirão, no seu conjunto, uma visão equilibrada e mais compreensiva da História de Cuba”.
Um exame da documentação de arquivo – bibliográfica, hemerográfica, cartográfica, trezentas e quatorze obras no total –, que sustenta este trabalho de pesquisa, nos sugere a magnitude extensa da pesquisa de informação e o intenso trabalho crítico e interpretativo por parte do autor. Além disso, refere, de forma muito organizada em suas citações e Bibliografia à existência de ricas fontes cubanas que ainda podem ser submetidas a novas considerações por parte de outros historiadores. No âmbito historiográfico internacional, o estudo de González Sedeño apresenta a análise de um tema concernente à indústria açucareira cubana, seu enquadramento histórico regional e local no centro da Ilha, uma abordagem que não havia sido feita anteriormente. Ainda que Roland T. Ely, na primeira edição em espanhol de sua obra Cuando reinaba Su Majestad el Azúcar (Argentina, 1963), já houvesse colocado à tona a relação entre o econômico, sociológico e cultural na história da produção açucareira em Cuba, e até certo ponto antecipava as diferenças e diversidade de desenvolvimentos regionais, particularmente no caso dos proprietários nacionais, ou nacionalizados, da indústria, que conformaram a alta burguesia em nosso país.
Os trabalhos prévios do pesquisador González Sedeño (Camagüey, 1930; Licenciado em Ciências Sociais), sobre as famílias e personagens notáveis da região central, tais como Marta Abreu (exaustivamente estudada, tanto em sua vida pessoal como em sua obra), Luis Estévez e Pedro Abreu, entre outros – livros urgentes, mas desafortunadamente inéditos até o momento, ou dispersos em artigos publicados em revistas científicas – lhe permitem manejar um amplo repertório de fatos, redes de parentes e personalidades, que respaldam com solidez suas generalizações no campo da História econômica, política e militar. Especialmente isso se sucede nas matérias vinculadas à indústria açucareira, a escravidão rural (nas plantações de cana-de-açúcar), a organização e o desenvolvimento da guerra de independência nas instâncias locais, e sua projeção até a política neo-colonialista da República até 1940.
Não é possível terminar estas linhas sem ao menos mencionar a admirável precisão, clareza e concisão da linguagem do autor desta obra, que em noventa e sete páginas – incluídas a Bibliografia, Anexos, Mapas e Esquemas – consegue transmitir-nos, de forma amena e manejando argumentos científicos substanciosos, a imagem de uma região histórica submetida a um transcendental processo de mudanças sócio-econômicas, políticas e culturais – processo complexo, contínuo, acelerado e muitas vezes violentos, no qual participam uma grande quantidade de pessoas (sujeitos históricos) de forma individual ou como parte de famílias, grupos ou classes sociais.
Um trabalho editorial de alto profissionalismo, realizado por Emilia Pérez Samper, esposa do autor, transparece na concepção do livro, em sua revisão final e na apresentação de cada elemento ilustrativo que apóia ou esclarece uma idéia, sintetiza para o leitor uma informação fundamental, destacando o fio condutor da obra, especialmente quanto à percepção do que tem lugar em um determinado espaço e tempo aonde a geo-história tem um peso específico de grande valor. E como coadjuvantes, temos os desenhistas Rebeca da Paz e Antonio Figueiras, aos quais também se tributam os acertos obtidos nesta edição.
[resenha publicada originalmente no Portal Cubarte, www.cubarte.cult.cu.]