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BARBOSA, Antônio Agenor. A civilização de Corbusier. Resenhas Online, São Paulo, ano 03, n. 032.02, Vitruvius, ago. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/03.032/3182>.


''Instalou-se sob nossas barbas, sorrateiramente, clandestinamente, uma civilização maquinista, mas sem que a distingamos com clareza. Ela nos jogou e nos mantém em uma existência hoje discutível. Surgem sintomas de transtorno na saúde dos indivíduos, transformações econômicas, sociais, religiosas etc. Começou uma civilização maquinista. Alguns não a percebem, outros a ela se submetem.'' Escrito em Paris por Le Corbusier (1887-1965), em 4 de junho de 1960, o fragmento acima é parte do prefácio para a reedição francesa de Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo, cuja publicação original ocorreu em 1930. Escrito por um arquiteto que, aos 73 anos, já era consagrado internacionalmente por suas idéias e por seus feitos, demonstra uma impressionante coerência em relação às formulações da juventude.

Voltemos ao mês de outubro do ano de 1929. Aos 42 anos, Le Corbusier vem à América do Sul para um ciclo de 10 conferências em Buenos Aires. Tais conferências tinham como objetivos fazer uma análise da arquitetura moderna, como também apontar os rumos para o futuro da arquitetura e do urbanismo da então nascente civilização maquinista, objeto de reflexões éticas e estéticas ao longo de toda a sua trajetória intelectual.

Fundador dos Ciam (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna), Le Corbusier fez a opção paradoxal de não participar da segunda edição do evento para empreender o seu périplo sul-americano.

Num texto crítico, escrito especialmente para esta primeira edição em língua portuguesa, Carlos Ferreira Martins destaca que não se tratava da viagem de um aprendiz mas, sim, de um dos protagonistas do movimento internacional de renovação da arquitetura. Desta forma, a opção pelas conferências na América do Sul era também oriunda de um distanciamento já anunciado entre o grupo de jovens radicais arquitetos da ''ala alemã'' no que se referia, sobretudo, ao papel social do arquiteto.

Mas, a despeito da veia doutrinária de um arquiteto já maduro, há que se entender também a sua viagem à América do Sul como uma viagem de formação e da percepção de um Novo Mundo tão distante e aberto às novas possibilidades. Em conferências improvisadas, mas nem por isto desprovidas de um texto de grande valor estilístico e até literário, pode-se assim dizer, Le Corbusier ia produzindo croquis geniais na medida em que achava oportuno ilustrar com desenhos as idéias que apresentava, para deixar claro o fato de que as suas construções teóricas estavam sempre em sintonia com a sua prática projetual.

Le Corbusier tinha plena convicção de que a sua conquista da América em 1929 era facilitada pela atração que a cultura francesa exercia sobre as elites destas jovens nações. E utilizava um pouco desta percepção para provocar: ''Como ainda somos velhos no Novo Mundo!'', escreveu no prólogo americano que abre a publicação.

Na viagem, ele começou a perceber que os grandes problemas urbanos não poderiam jamais estar dissociados do entendimento das questões fomentadas pela nascente ''civilização maquinista''. A viagem teve passagens por cidades como Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo e Rio de Janeiro. E uma preocupação recorrente de Le Corbusier era dar visibilidade a suas idéias além do restrito universo dos ''amigos dos amigos''. Fazer com que o Estado e as autoridades de cada um destes lugares tomassem conhecimento de suas idéia, certamente com o intuito de vê-las em execução. Tanto no Rio como em São Paulo, Le Corbusier travou diálogos com importantes autoridades locais.

Segundo o urbanista Alfred Agache (autor do Plano de ocupação da esplanada do Castelo no Rio de Janeiro), Le Corbusier era um homem que ''arrebenta vidraças e cria correntes de ar''. E, na direção desses ventos rumavam fileiras de seguidores. Era também um homem de visão aguçada, que conseguiu antever em São Paulo, que visitou a convite do intelectual Paulo Prado (um dos protagonistas da Semana de 22), os graves problemas de circulação que a cidade enfrenta nos dias de hoje.

''Ao desembarcar (...) em São Paulo e vendo na parede do gabinete do Prefeito essa imagem de ruas emaranhadas, que algumas vezes passam umas sobre as outras e medindo o imenso diâmetro da cidade, pude declarar: ' Os senhores enfrentam uma crise de circulação, não é possível fazer escoar rapidamente o trânsito numa cidade que tem 45 quilômetros de diâmetro, cujas ruas mais parecem dédalos e estão sempre entupidas'.''

No Rio de Janeiro, ao tomar conhecimento da paisagem e da geografia, Corbusier conferiu um rumo até então imprevisível para um cartesiano. Concebeu um plano de ocupação urbana para o Rio de Janeiro que, a um só tempo, contemplava o maior ícone da tão falada civilização maquinista (o automóvel) como também incorpora ao seu traço todos os acidentes geográficos tão característicos da Cidade Maravilhosa. Projetou um grupo de auto-estradas a 100 metros acima do solo e que contornaria todos os acidentes geográficos da cidade desde o Pão de Açúcar até Niterói.

''Aqui, urbanizar é o mesmo que pretender encher o tonel das Danaides! Tudo seria absorvido por esta paisagem violenta e sublime. Ao homem só resta inclinar-se e explorar hotéis de turismo. Rio? É uma cidade de vilegiatura.''

Aqui cabe retornar ao ensaio crítico de Martins que nos revela que, nos desenhos para o Rio de Janeiro, Le Corbusier estava muito mais interessado em oferecer à cidade um gesto estético da sua potência criadora de composição urbanística ''contra e com a paisagem'' que fazer um estudo e uma análise mais aprofundada das ''tendências de crescimento ou dos pontos de congestão da estrutura urbana da cidade'' . Foi, portanto, um ''diagnóstico muito mais sensível do que técnico'' que Corbusier elaborou nas suas duas semanas em terras cariocas.

Le Corbusier retornou, depois desta viagem em 1929, outras duas vezes ao Brasil e o seu legado ainda é visível em construções paradigmáticas da nossa arquitetura moderna, como nos Projetos de Affonso Eduardo Reidy para o Pedregulho, em 1947, e os de Jorge Moreira para a Cidade Universitária, em 1949, como também pela sua contribuição direta na elaboração do Projeto do edifício do Ministério da Educação e Saúde, em 1936.

[resenha publicada originalmente no Jornal do Brasil, Caderno Idéias, 14 ago. 2004.]

sobre o autor

Antônio Agenor de Melo Barbosa é Doutorando em Arquitetura e mestre em Urbanismo pela FAU-UFRJ e professor da UGF, UVA e UNIPLI

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