A arqueologia é uma ciência social de certa complexidade, já que deve ser manejada simultaneamente na escala temporal e espacial e interagir com o conhecimento produzido por outras ciências, tais como a geologia, a antropologia, a paleontologia, e a paleoecologia. Apresentar a arqueologia como disciplina integral num texto introdutório é ainda muito mais complexo, visto que, além das dificuldades inerentes que supõe reduzir em poucas páginas uma ciência multidisciplinar, o publico não especialista tem, na maioria das vezes, uma visão distorcida da disciplina. Para a maioria dos leigos, a arqueologia é uma prática científica que se reduz à escavação das pirâmides do Egito, ou dos monumentos da Grécia Clássica, ou discorre num mundo de aventuras e explorações ao estilo “Indiana Jones”. Pouca gente crê que as pinturas rupestres, os índios que habitaram as costas de Brasil há milhares de anos, as vasilhas de cerâmica e os artefatos de pedra que são encontradas aos milhões na América do Sul, são projetos sérios de arqueologia. Em geral, se pensa que são temas menores, pouco dignos do trabalho a ser desenvolvido e insignificantes se comparamos ao Partenon, a Esfinge de Gizé ou com algum templo de Camboja.
Neste livro, Pedro Funari se compromete com a colossal tarefa de colocar a arqueologia no plano da realidade, de romper com o mito de que a arqueologia se realiza somente em cima das obras monumentais e objetos exóticos. Neste sentido, Funari se distancia de outros textos introdutórios que tendem a resumir e simplificar a arqueologia e terminam apresentando uma visão uniforme e pré-estabelecida da disciplina, visão errônea que não representa o estado crítico e de permanente reflexão na qual a mesma se desenvolve. Funari transita com singeleza e clareza no delicado caminho que leva para o entendimento de que a arqueologia, apesar de estudar o passado, é uma ciência do presente e que seus produtos – conhecimentos originais – se incorporam à vida cotidiana de nossa sociedade.
A obra tem um eixo muito nítido que o autor expressa logo no início do livro: “a Arqueologia estuda, diretamente, a totalidade material apropriada pelas sociedades humanas, como parte de uma cultura total, material e imaterial, sem limitações de caráter cronológico”. Dito em outras palavras, ainda que a disciplina não se possa escapar da materialidade da cultura, não renega os aspectos imateriais, os que permitem conhecer o profundo e o diferente das sociedades. Ademais, Funari não se limita a um tempo, rompendo com a já anacrônica concepção de que a arqueologia era a forma de abordagem para o estudo dos povos sem escrita.
Para que serve a arqueologia? Que são os “fatos arqueológicos”? Existem limites entre a arqueologia, a antropologia e a história? O quê é um artefato? Por que a arqueologia pode se considerar um tipo especial de leitura? Estas e muitas outras perguntas são desenvolvidas no livro, contribuindo com as possíveis respostas nas mais diferentes visões. Desta maneira, o autor nos dá um panorama atual da ciência, onde o arqueólogo não descobre um passado pré-existente, mais sim, ele constrói um passado, não só se baseando nos dados arqueológicos, mais utilizando também o contexto social e político e pelas demandas e interesses da sociedade estudada.
Por último, neste livro se toca nos principais temas e problemas da arqueologia contemporânea com clareza e atualidade, ilustrando-os com alguns exemplos do Brasil, mas sem esquecer o caráter universal da disciplina. Ao longo desta síntese, Funari deixa uma clara mensagem para todos aqueles que desejem saber de que se trata realmente a disciplina: a arqueologia não é uma ciência dos objetos e das coisas mortas do passado; a arqueologia é, pelo contrário, uma ciência da cultura e de suas infinitas transformações durante o desenvolvimento da humanidade ao longo do tempo.
[resenha publicada originalmente em www.nethistoria.com (ISSN 1679-8252), julho de 2004.]
[tradução de Leonardo Soares]
sobre o autor
Gustavo Politis é pesquisador do Museo Nacional de La Plata, professor da Universidad Nacional del Centro, Argentina, autor de Nukak, organizador de Archaeology in Latin America (Londres e Nova Iorque, Routledge, 1999), autor de dezenas de artigos científicos publicados nos EEUU, Inglaterra, Argentina, Brasil, entre outros.