O livro Éolo Maia – complexidade e contradição na arquitetura brasileira traz bem-vinda contribuição ao estudo e à crítica de arquitetura. Além de cumprir suas duas promessas conteudísticas – a de fazer um panorama sobre a obra do arquiteto mineiro, morto em 2002, e a de aprofundar-se com rigor sobre o período compreendido entre 1976 e 1984, época em que o projeto pós-moderno se declara mais acentuadamente na obra de Maia – o livro de Bruno Santa Cecília, resultante de tese de mestrado defendida na UFMG em 2004, constrói-se sobre bem estruturada metodologia.
Santa Cecília, também arquiteto e professor, conviveu com Maia e foi convidado por ele para lecionar Projeto Arquitetônico no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade FUMEC, em 2002, em Belo Horizonte. Apesar da relativa proximidade, esclarece, na introdução de seu estudo, que não pretende desvendar os processos criativos de Maia, que julga terem sido bastante particulares, intuitivos, mas “discorrer sobre a prática projetual a partir de dados objetivos colhidos de análise e uso-fruição de sua arquitetura”.
E é justamente por se distanciar de interpretações impressionistas sobre o processo criativo e se dedicar à coleta de dados e à análise sistematizada de projetos e construções que o livro resulta num didático mapa de leitura da obra de Maia e, por possuir transparência de método, tem potência para além de seu objeto primeiro.
O mapeamento do “DNA” da obra de Maia começa no capítulo “Anos de Formação e os Ideais Modernos (1963-1980)”, onde Santa Cecília indica, detalhe a detalhe, com fotos –e, com este procedimento, vai didaticamente “ensinando” a ver – a influência em Maia dos arcos de Louis Khan, usados como elementos de linguagem, dissociados do projetual, e a volumetria e os pontos de apoio de Villanova Artigas. O mapeamento prossegue já nas páginas de conclusão do estudo, quando Santa Cecília trata da influência do barroco na obra de Maia e na singular absorção desta influência. “Se Lucio (Costa) buscou apreender os procedimentos técnicos e construtivos da arquitetura colonial, a arquitetura de Éolo herdou, do período barroco, mais do que suas formas e detalhes típicos, a relação do edifício com a paisagem. (...) De maneira similar às igrejas barrocas, Éolo buscava destacar seus edifícios na paisagem através da composição com torres e elementos proeminentes nos arremates superiores, fazendo com que superassem seus vizinhos em altura e expressividade”.
Com esta chave, o autor dá todos os elementos para a compreensão do pós-modernismo particular de Maia:
“Em lugar da forma arquitetônica inédita, Éolo muitas vezes privilegiava a utilização de formas já experimentadas por outros arquitetos, adaptando-as ao contexto tecnológico, construtivo e econômico brasileiro, de maneira análoga ao apelo de Venturi ao ‘elemento convencional’, referindo-se à possibilidade de se fazer uma arquitetura significativa valendo-se de elementos ordinários. [...] Éolo Maia se apropriava de elementos e conceitos de outras arquiteturas, notadamente produzidas por arquitetos do main stream internacional, para então empregá-los em novos contextos em uma atitude tipicamente pós-moderna. A importação e a ressemantização desses elementos conferem, ainda, o lastro de modernidade nacional à obra do arquiteto mineiro”.
Nos textos de conclusão do volume, o autor analisa também a modificação do caráter escultórico na obra de Maia. Se, num primeiro momento, o emprego de volumes escultóricos resultava de trabalho plástico intencional sobre elementos como reservatórios e condutores de água, “já nos projetos do último período, Éolo partiu para experimentações plásticas, composições volumétricas mais livres e integradas à própria concepção espacial dos edifícios”, como atestam a academia Wanda Bambirra e o Centro de Arte Corpo.
“O Centro de Arte Corpo marca o fim da evolução das experimentações plásticas na obra de Éolo e constitui por si só grande fonte de pesquisa. Mais do que qualquer um outro, esse projeto pode obter um casamento profícuo entre arte e arquitetura por superar a sua mera representação e garantir integridade de ambas através da aproximação de suas lógicas operativas internas”, finaliza.
Santa Cecília se dedica com mais detalhamento sobre o período em que se concentram os edifícios mais representativos da fase em que Maia “abandona as matrizes formais vinculadas ao modernismo tardio em favor da liberdade de experimentação arquitetônica”. É a época da construção do Hotel Verdes Mares, do Condomínio Barca do Sol, da Capela de Santana do Pé do Morro e do Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves.
É este o período em que, juntamente com Jô Vasconcelos e Sylvio de Podestá, Maia inaugura o pós-modernismo arquitetônico no Brasil, segundo a visão de Santa Cecília. Santa Cecília avalisa proposição lançada em catálogo de 1983, do trio Maia, Vasconcelos e Podestá, em que aparecem alinhados a Residência Helio/Joana (do trio), a Igreja de São Francisco de Assis, de Ouro Preto, de Aleijadinho, e a Pampulha, de Niemeyer. “Em apenas outros dois momentos (a arquitetura mineira) adquiriu relevância nacional: com o virtuosismo de sua arquitetura barroca e com o caráter excepcional do modernismo da Pampulha de Oscar Niemeyer.”
[resenha publicada originalmente no Portal UOL com o título “Bruno Santa Cecília mapeia “DNA” da obra de Éolo Maia com método e clareza” <http://diversao.uol.com.br/arte/ultnot/2006/07/26/ult988u690.jhtm>]
[leia também "A arquitetura de síntese de Éolo Maia", de Maria Lúcia Malard, sobre o livro de Bruno Santa Cecília]
sobre o autor
Mara Gama, jornalista e editora, é formada pela PUC e tem especialização em Design Gráfico. É Gerente geral de Entretenimento do UOL.