No bojo das transformações geradas pelo capitalismo, ou mais precisamente pela globalização, os seres humanos estão sendo deixados do “lado de fora”, ou melhor, excluídos do mundo social.
Em um espetacular livro que versa tanto sobre as conseqüências do processo de globalização, como também sobre o cenário sombrio em que se encontra a vida humana, Zygmunt Bauman reflete de modo bastante simples sobre o banimento da maioria dos indivíduos do progresso da modernidade.
Em Vidas desperdiçadas, Bauman classifica os seres humanos que não conseguiram permanecer no carro da modernidade e que não conseguem se inserir no processo de globalização de “refugo humano”. A globalização é excludente, traiçoeira, eliminadora. Ela causa morte, fome, desemprego e caos para milhões de seres humanos, afirma Bauman.
Produz dejetos, sujeiras e lixo humano que são jogados longe dos grandes centros urbanos e são colocados em grandes depósitos em terras inabitadas, sem qualquer tipo de organização, de política de reciclagem. Nosso planeta está cheio, afirma Bauman, está cheio porque a modernização se globalizou chegando a terras longínquas, penetrando nos costumes, na organização do modo de vida de povos que não se interessavam pela corrida ao progresso.
Como o processo de produção de refugo humano é inquebrantável, ou seja, não pára um só instante, as áreas do globo estão cada vez mais lotadas, saturadas. Onde colocar o lixo, então? Essa questão é a que é mais debatida neste novo ensaio de Zygmunt Bauman sobre o processo de globalização e suas conseqüências.
“O mundo está seguro?” – pergunta Bauman. Como podemos perceber um mundo seguro onde existem milhares de refugiados, de asilados e de guetos almejando somente uma chance para pular no carro do progresso. Não estamos seguros pelo motivo de estarmos pisando em terreno minado, onde a qualquer momento soa o alarme de combate às ações terroristas, aos refugiados e ao refugo humano.
Essa é a expressão da vida contemporânea, carregada de uma ideologia consumista que prega a individualização do individuo e, conseqüentemente, a negação do sentido humano de solidariedade. Neste caminho segue a produção de refugo humano e de lixo em maiores quantidades, haja vista que a sociedade de consumidores se sobrepôs à sociedade de produtores. Quem não consume torna-se refugo humano e o que é consumido transforma-se em lixo, dejeto ou sujeira.
Este excêntrico livro está dividido em quatro grandes capítulos capazes de esclarecer o leitor no que diz respeito aos males da pós-modernidade como também às maléficas conseqüências da globalização. Ademais, todos os capítulos ressaltam aspectos importantes para entendermos a vida humana, ou melhor, a vida contemporânea no torvelinho dos acontecimentos sociais.
No primeiro capítulo, Bauman terce uma análise dos projetos que os indivíduos pós-modernos batalharam para criar. Tudo aconteceu a partir da chamada geração X, com o surgimento de uma nova doença tão pouco existente nas gerações anteriores: a depressão. As causas desta estavam diretamente relacionadas às dificuldades enfrentadas pela geração X, como o aumento do desemprego.
A globalização mudou a trajetória de vida desta geração, acabou com sonhos e projetos, criou dicotomias, rompeu com tradições e acelerou suas vidas. A globalizante modernidade líquida deixou pra trás a sociedade de produtores por uma sociedade de consumidores onde o que impera é a produção de refugos e de lixo. Ela fez com que os projetos humanos causassem a desordem e o caos no “admirável mundo líquido”.
Este capítulo trata também da internet, essa potente ferramenta da modernidade. A tecnologia com seus ciberespaços transformaram a internet em mais um deposito de refugo de informação. O ciberespaço concentra milhões de informações descartáveis e inúteis. Por outro lado, os sites contabilizam números recorde de informações sobre refugo (lixo). Digitando no buscador google a palavra refugo (lixo) encontraremos 11.500.000 sites referente ao tema. Este fato reforça a idéia de que o lixo está se tornando um dos problemas mais angustiante de nossos dias.
O refugo humano (as pessoas) está excluído de tudo, a lei não o contempla, os governos não se responsabilizam por eles. Vivemos no caos e na ordem. Os humilhados e excluídos do sistema, correspondem à maioria dos seres humanos existente na terra.
Bauman salienta no segundo capítulo deste livro que o mundo está super populoso e que não existem mais terras para a enorme produção de refugo humano O debate em torno das questões demográficas ganha sentido quando, afirma Bauman, que existem países bastante povoados e países pouco povoados. A questão central deste capítulo gira em torno de um paradoxo: os órgãos governamentais afirmam que a população de 6,5 bilhões de habitantes existente na terra cresce rapidamente e que não haverá comida suficiente para todos. No entanto, a distribuição desta superpopulação é irregular, desordenada e caótica. O território europeu concentra uma grande quantidade de pessoas por kilometro quadrado. Já a população da África é insuficiente para o seu território. A questão são os recursos financeiros que cada país dispõe para sua população.
Superpopulação gera refugiados e asilados, um dos grandes problemas das nações ricas. O medo surge como marca de nações como os Estados Unidos, a Inglaterra e França. Atentados como o 11 de setembro mudaram os programas governamentais para refugiados e asilados. Agora estes são visto em muitos casos, como potenciais terroristas. A mídia incita os cidadãos e o próprio governo a xenofobia. Nasce, dessa maneira, uma genealogia do medo baseada no receio ao terror e ao estranho (imigrantes, refugiados e asilados).
Os estranhos (imigrantes, refugiados e asilados) têm como função receber toda a descarga de raiva e as ansiedades dos indivíduos, sobretudo por representarem um perigo para a segurança dos cidadãos. Daí, eles se tornam alvos fáceis de tema de campanhas xenofóbicas tanto pelos governos como pela população.
Os imigrantes e os asilados são considerados o refugo da globalização, lixo humano que vaga em busca de um lugar na sociedade do progresso. Mas, o outro lixo, aquele tradicional que é produzido por “nós” também não existe mais lugar onde depositá-lo, guardá-lo. Os consumidores estão produzindo toneladas de lixo, alias, sem contar com o novo tipo de lixo produzido pela modernidade líquida: o lixo industrial, eletrônico. Estes têm vida longa, demoram milhares de anos para se decompor, poluem e estão destruindo nosso planeta.
Globalizaram o medo, globalizaram o crime, os governos preferem prender imigrante a acabar com o crime organizado. No terceiro capítulo o autor terce um panorama sobre as políticas governamentais no que concerne a mudança do Estado social para o Estado excludente.
O mundo globalizado prega por uma política de exclusão, de retirada de refugo. Cada país cuida de seu “lixo”, de sua população redundante retirando-a do convívio com os outros indivíduos úteis. A população redundante é a parte inútil, imprestável, que deve ser retirada de circulação, jogada em campos de refugiados. Para que isso aconteça, os países ignoram as leis internacionais, perpetram limpeza étnica e genocídios.
O Estado de tolerância zero é acionado, os guetos são isolados, os bairros de imigrantes são vigiados dia e noite. Há uma produção de um Estado de emergência baseado no medo do “outro” (o estrangeiro). Tudo isso ocorre porque o mundo líquido destituiu o Estado de seus programas sociais, de seu dever para com sua população. O Estado social transformou-se em um Estado de guarnição, no qual o que impera é a proteção dos interesses das corporações globais e das transnacionais.
No último capítulo Bauman, explora as conseqüências da modernidade líquida, sua função e sua cultura: do lixo. A cultura do lixo predominante da era líquida representa os novos modos de viver no mundo. O consumir soa ressonante nos ouvidos dos indivíduos de maneira a tornarem escravos dos cartões de créditos, do luxo e da beleza/estética. Sem falar que o consumismo cria a difícil batalha para permanecer dentro do mercado de trabalho, paradoxalmente cria-se a cultura do não emprego permanente, do fim dos compromissos com o “emprego para sempre”.
Os relacionamentos tão pouco exigem compromisso, fidelidade. Namorar não requer mais todo um ritual de conquista, de galanteio e de sedução. Agora, namora-se à distância, temos diversos tipos de relacionamento, você escolhe: relacionamento de bolso, relacionamento à longa distância, relacionamento cool, encontro veloz e outros.
Mudamos nossos comportamentos, porque a sociedade está em constante transformação. Nossos ideais transformaram-se em sonhos, por vivermos num mundo de permanente incerteza, onde tudo que agora é novo daqui há alguns minutos torna-se velho, lixo.
Estamos na era da insegurança, na qual o medo predomina mais precisamente nos grandes centros urbanos. Na modernidade líquida os indivíduos não se olham tête-à-tête, preferem a tecnologia do telefone celular para se comunicar, pois é mais seguro não sair de casa. Preferem os reality show da televisão, como o Big Brother, é mais emocionante do que ir ao parque, ao cinema.
Em suma, tal pensamento expressado pelo autor neste livro reflete a preocupação surgida nos últimos anos em relação às conseqüências da globalização no mundo: o aumento da produção de lixo (refugo humano, lixo tradicional e industrial), o aumento da população mundial e o aumento das desigualdades continentais. Ele reflete ainda sobre a separação entre os ricos e os pobres, os europeus e os não-europeus, os países subdesenvolvidos (sul) e os desenvolvidos (norte). Ademais, faz com que pensemos nas relações sociais re-configuradas a partir da Era Líquida, onde o mundo todo está em constante transformação.
sobre o autorAntonio Marcos de Sousa Silva é bacharel e licenciando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará. É bolsista de Iniciação Cientificado (CNPq) pelo Laboratório de Estudos da Violência.