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TEIXEIRA, Denise Mendonça. Utopia como solução. Resenhas Online, São Paulo, ano 07, n. 073.02, Vitruvius, jan. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/07.073/3091>.


Sugerir um Projeto Utópico como proposta de intervenção na cidade de São Paulo pode parecer idéia de lunático. Mas, o que é a utopia se não o “não-lugar” – o qual não existe –, ou uma sociedade ideal desejada por todos nós? Falar de utopia na atualidade parece discutir o impossível, aquilo que está distante e não trata da realidade. Mas, vive-se hoje num mundo cada vez mais individualista, e os problemas das cidades, qualquer que seja seu tamanho só se avolumam, quando deveria ser tratado por todos. Questões como más condições de habitação, transporte e meio ambiente degradado, marginalidade, violência, baixa escolaridade, precário atendimento à saúde, entre outros, são comuns a maioria dessas concentrações humanas, especialmente nos países do terceiro mundo. Ou seja, as reflexões não estão sendo suficientes para solucionar os problemas urbanos crescentes e o que se constata são inúmeras produções acadêmicas descritivas da problemática, com nenhuma ou sumárias indicações do que possa amenizar o estado caótico crescente das cidades.

Utopia e cidades: proposições de Denise Falcão Pessoa é uma ousada proposta para pensar possíveis caminhos e enfrentar as dificuldades que assistimos. E não sem razão ela trilha um caminho de muitos arquitetos considerados utópicos ao longo da história, sempre atentos à qualidade de vida na terra, pensando a cidade e sua relação com a natureza, a habitação, a tecnologia, esboçando um sonho de cidade ideal.

Existia um rio chamado Tietê com leito sinuoso, profundo onde habitavam índios nos seus arredores. Alguns homens acamparam na sua proximidade e deram início a uma vila em 1554. Três séculos se passaram e esse pequeno lugarejo começou a expandir, conseqüência de uma lavoura próspera, o café. O Rio além de abastecedor de água abriga portos de areia, importante atividade econômica,. A vila cresceu, se transformou em cidade e trechos das margens dele foram ocupados por espaços de lazer com clubes recreativos, onde se praticava regatas e funcionavam inúmeros campos de futebol. Ao longo dos anos, as grandes áreas de várzea, susceptíveis a inundações, foram ocupadas pela população mais pobre que assistia suas casas serem alagadas nos períodos de enchentes. Com as águas vinham também sujeiras, que instauravam mau cheiro e disseminação de doenças, acarretando sérias epidemias. Essas regiões precisavam ser saneadas, pois passavam também a fazer parte da expansão da cidade.

São Paulo já via desde 1842, as retificações dos seus principais rios – Pinheiros, Tamanduateí e Tietê – como solução para os problemas das enchentes freqüentes na cidade que crescia galopante. Porém, a retificação do Rio Tietê só acontecerá nas décadas de 1950 e 1960, tentando resolver esta questão, mas também gerando grandes lucros dos investidores nas áreas novas criadas na antiga várzea. A Light (The São Paulo Tramway Light and Power Company Limited) é o bom exemplo das vantagens obtidas durante anos, resultado, inicialmente, do monopólio da produção e distribuição de energia, como também dos lucros advindos da posse das terras adquiridas, conseqüência da sua atuação nas retificações dos rios Tietê e Pinheiros, o que comprova como determinados interesses obrigam a execução de obras, nem sempre tidas como necessárias.

Com as mudanças, o rio se descaracteriza. Ao longo dele, avenidas marginais são implantadas, isolando-o da cidade. Problemas como o assoreamento e o desassoreamento para retirar o material que se acumula no seu trecho urbano, degradação ambiental e a persistência das enchentes, entre outros fatores, levaram a questionar a retificação do rio.

A partir da aproximação e conhecimento da história do Tietê, Denise Pessoa relata de que forma o rio chegou ao estado deplorável em que se encontra. Como solução para o enorme desastre ecológico e portanto perverso para os habitantes de São Paulo ela propõe um projeto utópico para o rio Tietê, considerando que “a abordagem baseada em tecnologia, em custos, estatísticas etc., não está dando conta de transformar o ambiente urbano, é necessário mudar esse olhar, tirar o foco de um ponto próximo e voltá-lo para longe” (p. 186). Projeto utópico, ousado, portanto idealizado e difícil de ser alcançado, mas a autora argumenta que sendo a situação tão caótica, sem possíveis soluções até então “há que se recorrer a utopia para que se possa vislumbrar uma perspectiva que norteie o pensamento e a ação” (p. 173).

Para chegar ao seu projeto, ela investiga conceitos e pensadores visionários que, diante das necessidades humanas, propuseram soluções ao longo dos séculos que trariam aos homens melhores condições de vida, com uma sociedade mais harmônica, onde o valor máximo seria a sabedoria, a cultura, o conhecimento e a inteligência – como é o caso da Cidade do Sol idealizada por Tommaso Campanella. O texto faz um breve histórico sobre a origem da palavra utopia, referências a Platão (Crítias é uma ilha Atlântida localizada entre a Líbia e a Ásia, onde uma sociedade vive em harmonia, onde todos têm um mesmo padrão de vida), aos renascentistas, como Thomas More (Utopia descreve Amaurot, uma cidade do sonho, cidade nas nuvens, castelo no ar, onde tudo é pensado chegando a detalhes de materiais e dimensões), a Francis Bacon (Nova Atlântida) e Johann Valentin Andreae (Cristianópolis – sociedade e cidade ideal, baseada em religião, justiça e aprendizado).

A autora transita também pelas utopias urbanas do século XVIII, destacando os visionário Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), Etienne-Louis Boulée (1728-1799) e Claude-Nicolas Ledoux (1736-1778), os quais tem como pressuposto que “a cidade faz parte de um todo, e esse todo engloba não só o sistema solar, mas todo o universo” (p. 34).

Referências são feitas aos primeiros socialistas utópicos modernos, com suas construções-modelos, como Robert Owen (1771-1858), propositor do primeiro plano urbanístico moderno, desenvolvido no plano político, econômico e financeiro, Saint Simon (1760-1825), elaborador de uma teoria que propõe uma sociedade voltada para a classe trabalhadora, e Charles Fourier (1772-1837) criador do falanstério (grande edifício onde seriam realizadas todas as funções da cidade).

As cidades Jardins, de Ebenezer Howard (1850-1928), a Ville Radieuse, de Le Corbusier (1887-1965) e Brasília, de Lúcio Costa(1902-1998) como representantes da idéia de um país utópico, são referenciados e discutidos.

Ela trata também do Manifesto Metabolista de 1960, uma proposta recente para um Novo Urbanismo, tentativa de encontrar soluções para os problemas decorrentes do crescimento da industrialização, considerando questões de mobilidade, crescimento populacional, habitat, individualidade, universalidade, comunicação e tecnologia. Este grupo, formado por Kenzo Tange, Kiyonori Kikutake, Noriaki Kurokawa, Masato-Otaka, Kiyoshi Awazu entre outros, considerava as grandes estruturas urbanas preexistentes para reformular as cidades e não seus grandes vazios. Com esse panorama das grandes metrópoles sugeriram projetos arrojados, muitas vezes utópicos que vão de construções sobre o mar até ocupações no espaço aéreo.

Após percorrer os diversos projetos utópicos ao longo da história, ela chega até a situação desastrosa em que vive o rio Tietê e comenta a diversidade dos treze projetos propostos para sua recuperação. O primeiro deles foi proposto por Jorge Wilheim (1967), seguido de Cândido Malta Campos Filho (1973), Ruy Othake (1977), Paulo Mendes da Rocha (1980), Oscar Niemeyer (1986), Décio Tozzi (1988), Alexandre Delijaicov (1998), Marcos Acayaba (1990), Roberto Loeb (1990), sendo o último de Bruno Padovano (1996). Contudo, o que a autora avalia com muita propriedade é o fato da maioria não tocar no cerne da questão, “que é o isolamento do rio, provocado pelas avenidas marginais que secionam o espaço da várzea. Essa fragmentação do espaço impede o uso das águas e margens como área de lazer, impossibilitando o contato das pessoas com a natureza” (p.125). Faz exceção ao Projeto de Niemeyer que suprime a Avenida Marginal em um dos lados, próxima ao centro.

A autora constata que a partir da década de 1970, os projetos utópicos escasseiam, apesar dos problemas nas grandes metrópoles se agravarem, e coloca uma questão: que utopia deve ser formulada hoje? A partir desta pergunta, ela propõe a utopia como metodologia de projeto, “como diretriz para orientar o desenvolvimento e as transformações da cidade” (p.154). Considera o projeto utópico como o melhor, porque inicia o trabalho de forma ideal deixando o pensamento livre. Tendo como pressuposto teórico a utopia ela aponta um projeto utópico: “O Retorno do Rio Tietê ao seu Desenho Original” para que se possa recuperar a natureza perdida para dentro da cidade, melhorando a qualidade de vida dos seus habitantes, resgatando o percurso do rio, fazendo com que ele volte a ser fonte de vida, de água potável, saúde e lazer e envolver toda a população da cidade, levando-a a compreender e participar de toda a proposta.

Essa proposta é baseada em três níveis de críticas: primeiro, aponta a manipulação do solo urbano; segundo, mostra o descaso dos elementos naturais do sítio urbano, como “os rios as várzeas, morros e matas apagados da cidade para dar lugar a ruas, avenidas, edifícios, estacionamentos” (p.179) que poderiam estar convivendo em harmonia com eles; e a terceira crítica é quanto ao transporte urbano, que privilegia o veículo particular em detrimento do coletivo, onde mostra a estreita relação entre o uso do automóvel e a degradação da cidade.

A recomposição do traçado original do rio, e assim sua recuperação e utilização, parte da idéia de que com a retirada das avenidas marginais, as áreas de várzea formarão um grande parque, e trarão a cidade para conviver com o rio. Além disso, a autora sugere criar diques e canais no encontro dos rios afluentes com o Tietê para conter as águas das cheias e manter o nível do rio constante, recuperar os campos de futebol de outrora, construir um sistema viário local, ampliar a rede de metrô subterrâneo e de superfície, criar uma rede cicloviária integrada ao metrô, implantação de edifícios-torre residenciais, comerciais e institucionais, manter algumas indústrias que empregam muita mão-de-obra na área do parque, criar um sistema de segurança e, por último, construir um coletor tronco para captar o esgoto da cidade e levá-lo para uma estação de tratamento adequada.

Utopias surgem em períodos de grandes incertezas e são sempre proposições para melhorar uma perversa realidade. Segundo a autora “é a utopia que torna o mundo suportável”. Ela recorre ao conceito de sonho, como a expressão do desejo aflorado do inconsciente, na interpretação de Freud, e faz uma analogia com o sonho coletivo, que seria a utopia de uma cidade ideal. Nesse trabalho tão bem ilustrado, Denise Pessoa recupera a utopia como possibilidades de solução não só para o Rio Tietê, mas para os grandes problemas que vivemos nas cidades brasileiras e no mundo.

sobre o autorDenise Mendonça Teixeira, arquiteta, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie com a dissertação “Plano Diretor do Município de Ipiaú – BA: limitações e possibilidades”.

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Utopia e Cidades: Proposições

Utopia e Cidades: Proposições

Denise Falcão Pessoa

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