Esse pequeno conjunto de textos dirigidos aos alunos da FAU e escritos entre 1998 e 2004 tem como propósito orientar a elaboração e o estudo de trabalhos acadêmicos em Arquitetura. Neles, Júlio Roberto Katinsky desenvolve alguns aspectos pertinentes ao tema continuamente revisitado na sua longa experiência como professor do Departamento de História e da pós-graduação da FAU. Os textos apresentam fundamentos gerais para a elaboração de pesquisas científicas, trazem uma contribuição original a respeito de questões de método e tratam das possibilidades específicas de pesquisa no campo da Arquitetura.
Uma das tônicas dos textos de Pesquisa Acadêmica na FAUUSP é o caráter coletivo do processo de produção do conhecimento. Já no início, defende-se a realização de seminários como "primeiro ato de instalação da pesquisa universitária". Segue-se um roteiro para elaboração de sinopses a serem apresentadas naqueles seminários, partindo de perguntas fundamentais: O quê? Por quê? Onde? Como? Elementos? Tempo?. Em vez de se deter em temas já bem abordados pelos conhecidos manuais de metodologia de pesquisa, como, por exemplo, a realização de fichas bibliográficas, procura-se mostrar como a imaginação disciplinada pode se tornar "ferramenta" de trabalho e como a "conversa jogada fora" pode se converter num treino da memória. Recomenda-se ainda que a curiosidade, o rigor crítico e autocrítico sejam exercitados metodicamente pelo pesquisador, a quem se solicita uma disposição aberta e afetiva em relação ao mundo.
No texto intitulado "o que é uma tese acadêmica", Júlio Katinsky parte da apresentação de casos paradigmáticos em diferentes campos do saber para mostrar posturas e estratégias adotadas em trabalhos científicos. O caráter histórico dos resultados a que chegam as pesquisas é ressaltado, discutindo-se brevemente, para alguns dos momentos tratados, as relações entre inovação técnica, ciência e consolidação dos conhecimentos nas universidades. Para isso, são apresentados os casos da descoberta do peso específico dos corpos por Arquimedes e seu aperfeiçoamento por Galileu Galilei; têm-se também os casos da tese de Santo Tomás de Aquino em O Ser e a Essência; um hilariante debate universitário por meio de mímicas; inovações científicas no trabalho de médicos europeus e mestres fortificadores; o desenvolvimento das técnicas úteis à navegação, etc. Esta erudita apresentação de casos cuidadosamente referenciados acaba tendo autonomia e sabor próprio, o que pode acabar desviando a atenção do leitor da linha de raciocínio principal.
É num segundo momento desse mesmo texto que o autor trata dos problemas da pesquisa em Arquitetura. Um dos aspectos polêmicos desse tema, como se pode ver em seminários e publicações especializadas (1), envolve, por um lado, uma certa linha de pensamento salientando o caráter interdisciplinar dos conteúdos e métodos pertinentes à Arquitetura e ao Urbanismo; e, por outro lado, defende-se o seu específico campo disciplinar e seus próprios procedimentos metodológicos. Embora Júlio Katinsky mostre que a pesquisa em Arquitetura partilha de estratégias gerais aplicáveis às ciências, como se vê, também não deixa de reconhecer a natureza intrínseca do objeto de estudo a ela pertencente. Katinsky distingue três "visadas" fundamentais para o estudo da Arquitetura, relacionadas respectivamente com as áreas de Tecnologia, História e Projeto. Na "visada tecnológica" o objeto de investigação é considerado "como se fosse o objeto real", procurando-se privilegiar "fenômenos que interferem nas obras da cidade, do edifício, dos objetos"; na segunda visada, o objeto é "sujeito da história" e o trabalho de pesquisa se aplica a "um trecho da atividade da arquitetura ou da arte"; a terceira visada "contempla o sujeito e o objeto simultaneamente". Nesse último caso, trata-se da análise da trajetória de um arquiteto ou artista através da sua produção em projeto, considerando-se o "projeto como pesquisa de projeto" – algo que, conforme o autor, há muito se reivindica (2). Júlio Katinsky recupera a idéia da "tese arquitetônica" – a tese "inscrita nas paredes e no espaço do edifício" – e insiste na necessidade de se reconhecê-la e verbalizá-la. Retomando a primeira de suas "Sete Proposições sobre História da Arquitetura” (3), o autor defende que os estudos devam se encaminhar antes de tudo como contribuição para a produção e a atividade do arquiteto.
Em anexo, há um relato do modo como se desenvolveram dois trabalhos acadêmicos da autoria do próprio Júlio Katinsky – um deles sobre as casas bandeiristas e o outro sobre a perspectiva exata. O interesse deste anexo está não apenas na exposição do raciocínio empregado para tratar daqueles assuntos, mas também em trazer à luz os bastidores da pesquisa, mostrando o valor do acesso a documentos, do apoio de um amigo ou de um livro que um dia lhe veio às mãos.
Em seu conjunto, esses textos introduzem bases para o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas na FAU e incentivam a capacidade criadora do pesquisador, cujo trabalho, afinal, é também descobrir o objeto de estudo e conquistar os meios de análise mais apropriados. Lamenta-se apenas que as questões teórico-metodológicas específicas da Arquitetura não tenham tido um tratamento mais extenso. Como se sabe, desde a sua implantação, a FAU sempre foi fértil em reflexões e debates sobre o ensino em sua área. Mas, fora das disciplinas especializadas em metodologia de pesquisa, ainda se dá pouca atenção ao conhecimento mais aprofundado dos modos de trabalhar a pesquisa em Arquitetura e das implicações de determinados métodos, fontes e referenciais teóricos.
[resenha publicada originalmente na Revista Pós – revista do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, n. 20 em dezembro de 2006.]
notas
1
SEMINÁRIO NATUREZA E PRIORIDADES DE PESQUISA EM ARQUITETURA E URBANISMO, 1990, São Paulo. Anais. São Paulo, USP/FAU/Comissão de Pesquisa/ FUPAM/FAPESP, 1990; REVISTA PÓS. Anais do Seminário Nacional: O estudo da história na formação do arquiteto. São Paulo, FAUUSP/FAPESP, nº especial, out. 1994; LAMPARELLI, Celso. “Metodologia de pesquisa aplicada à arquitetura e ao urbanismo: uma experiência pedagógica no programa de mestrado da FAU-USP”. Cadernos de Pesquisa do LAP, n. 15, São Paulo, FAUUSP, set./out. 1996.
2
Nos Anais do Seminário Natureza e Prioridades de Pesquisa (op. cit.), ver em especial: GOMES, José Cláudio. “A pesquisa no projeto de arquitetura e urbanismo: sete paradigmas”, p. 29-35; SANOVICZ, Abrahão Velvu. “A pesquisa na área de projeto”, p. 109-115; JORGE, Wilson Edson. “Arquitetura, pesquisa e crítica”, p. 149-151; GASPERINI, Gian Carlo. “Pesquisa básica, pesquisa aplicada e metodologia em arquitetura e urbanismo”, p. 245-250.
3
KATINSKY, Júlio Roberto. “Sete proposições sobre a história da arquitetura”. Anais do Seminário Nacional: O estudo da história na formação do arquiteto (op. cit.), p. 119-121.
sobre o autor Maria Fernanda Derntl, arquiteta, mestra e doutoranda na área de História da Arquitetura e do Urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.