A obra de Bárbara Ferman nos Estados Unidos se apresenta sob a forma de um relatório de investigação sobre o papel dos bairros urbanos na política municipal de Chicago e de Pittsburgh. Trata-se de um estudo comparativo que a autora, professora de Ciência Política da University Philadelphia, empreendeu sobre estas duas cidades americanas a partir de 1988.
A obra subdivide-se em oito capítulos: o segundo e terceiro capítulo nos fornecem as bases históricas e contextuais para compreender o desenvolvimento dos regimes urbanos específicos a cada cidade e como a implantação destes regimes trará conseqüências para a elaboração de políticas urbanas progressistas. No quarto e quinto capítulo, a autora examina os diferentes fatores que contribuem para criar um clima favorável ou desfavorável à mobilização política dos bairros urbanos. Por fim, os três últimos capítulos propõem um retorno sobre as possibilidades e os limites das políticas municipais progressistas em Chicago e Pittsburgh, além de ampliar a reflexão para as cidades americanas contemporâneas.
Por meio do estudo comparativo das reivindicações políticas empreendidas pelos bairros urbanos em Pittsburgh e Chicago, cidades que apresentam um regime político similar (pro-growth), Ferman procura compreender porque estas reivindicações trouxeram frutos no primeiro caso e fracassaram no outro.
Várias interrogações decorrem desta pergunta principal: Porque alguns governos municipais são mais propensos que outros para incluir os bairros urbanos no processo de decisão, e estariam, por conseguinte mais abertos às iniciativas progressistas? Quais são as modalidades da participação ativa dos bairros urbanos na arena política municipal? Quais são as possibilidades e os limites do progressismo político municipal em relação às forças estruturais supra municipais?
A tese principal da autora é que a consideração dos fatores institucionais e culturais influencia a organização política e o processo de decisão das duas cidades pode servir para explicar os resultados diferenciais obtidos pelos organismos comunitários locais nas suas reivindicações.
Do ponto de vista teórico, a autora se apóia na teoria dos regimes urbanos para analisar a dinâmica política das cidades ao estudo. Um regime urbano define-se, neste contexto, como sendo os acordos informais pelos quais os entes públicos e os interesses privados trabalham conjuntamente a fim de encontrar-se em condições de tomar as decisões e de implantar as decisões de governança. Observa-se que os componentes de análise do regime urbano são, por um lado, a composição do regime e, por outro lado, o processo de acomodação que lhe permite funcionar. Em contrapartida, a teoria dos regimes urbanos, que coloca em evidência os diferentes tipos de regimes de governança, não permite a análise dos fatores culturais e institucionais que permitiria explicar a diferença entre duas coalizões específicas (em duas cidades diferentes, por exemplo) funcionado de acordo com os princípios de um mesmo regime. São, por conseguinte, estes fatores culturais e institucionais que contribuindo para modelar as dinâmicas políticas de Chicago e de Pittsburgh (por meio das coalizões de governança que o dirigem) que a presente obra visa analisar. Para tanto, Ferman se utiliza do conceito de arena política para completar a sua análise. Conceito que se define como uma esfera de atividade caracterizada por um quadro institucional específico e uma cultura política subjacente que dão uma estrutura a esta atividade.
A obra estuda, por um lado, como o quadro institucional possui um papel importante na criação de oportunidades de participação política das comunidades locais, bem como contribui para formar as condições desta participação. Por outro lado, a obra se interessa à cultura política que refere às necessidades coletivas da população concernente ao papel e ao comportamento do seu governo e do sistema político.
De acordo com a autora, cultura política e o quadro institucional estão em interação um com o outro, reforçam-se mutuamente e alimentam a lógica subjacente da arena política que eles caracterizam. Por meio do estudo das reivindicações dos bairros urbanos, Ferman visa fazer emergir o impacto das arenas políticas urbanas e os seus atributos institucionais e culturais na possibilidade de grupos de interesses, que não fazem parte da elite, de participar na gestão política de uma cidade.
A conclusão principal da autora é que, no caso de Chicago e de Pittsburgh, o poder não é repartido igualmente entre a elite política e a elite econômica, o que determina em grande parte a arena política dominante na quais as iniciativas progressistas têm a possibilidade de se inscrever. À Chicago, o predomínio da arena eleitoral teria resultado numa situação onde o pluralismo e a partidarismo dos objetivos políticos coloca sérios problemas à implantação de políticas progressistas. Por outro lado, as condições históricas, demográficas e econômicas também teriam contribuído para a resistência da elite política à mudança política para a tendência progressista. Em oposição, uma priorização dos objetivos econômicos coletivos caracteriza o ambiente político de Pittsburgh, que se exprime, sobretudo por meio da arena cívica. A cooperação entre os organismos comunitários locais bem como a atitude acomodada do regime teria favorecido a priori as iniciativas progressistas. Constata-se também que, no caso de Pittsburgh, as reivindicações comunitárias tinham tendência a ser mais unidimensionais, estando, sobretudo centrada no desenvolvimento econômico local. À Chicago, uma outra dificuldade se coloca pelo fato que as iniciativas progressistas são multidimensionais, visando ao mesmo tempo o desenvolvimento econômico local, a criação de emprego, a participação efetiva dos bairros na vida política, a participação dos cidadãos e das medidas anti-discriminatórias. Este tipo de mudança político é muito mais difícil de implantar e de manter, sobretudo num contexto político de confrontos como o de Chicago. Neste conjunto, a autora interroga-se sobre as linhas futuras da mudança política nas cidades americanas, a saber, se existe um compromisso entre um progressismo unidimensional conservador, mas estável, ao exemplo do de Chicago, e um progressismo multidimensional muito mais difícil de implantar e manter. Ferman acredita que o primeiro modelo prevalecerá a médio prazo.
A análise que nos propõe Barbara Ferman, nesta obra, combina uma abordagem baseada na teoria dos regimes urbanos combinada à das arenas políticas, que nos permitem incorporar a esta análise fatores culturais e institucionais. Esta abordagem parece, com efeito, enriquecer a sua perspectiva sobre a mudança política e a negociação do poder sobre a cena política municipal.
sobre o autor Tomás Moreira é PhD em Estudos Urbanos pela Université du Québec à Montréal – Canadá e Mestre em Ciências Aplicadas pela Université Catholique de Louvain - Bélgica. É Professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana e do Centro de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Curitiba