O Vale do Paraíba Paulista e Fluminense é uma das regiões mais estudadas pelos historiadores, arquitetos, urbanistas entre outros. Essa região, fascinante por sua história, também já foi cenário de muitos romances da literatura Brasileira como os livros Cidades Mortas de Monteiro Lobato e Tronco do Ipê de José de Alencar. Uma das obras de caráter científico recentemente publicada é O Vale do Paraíba e a arquitetura do café de Augusto da Silva Telles onde o autor estuda a região do vale desde a constituição dos caminhos abertos pelos primeiros colonizadores até a introdução da cultura cafeeira no século XIX.
O livro é dividido em quatro capítulos com a seguinte ordem: o primeiro capítulo refere-se à geografia e a ocupação do Vale, demonstrando os caminhos abertos pelos colonizadores tanto àqueles que partiram da Capitania de São Vicente quanto os do Rio de Janeiro. Descreve os primeiros núcleos de povoamento relacionados principalmente ao movimento Bandeirista e o ciclo do ouro nas Minas Gerais.
O segundo capítulo versa sobre o cultivo do café no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba. Descreve o caminho que o café percorreu desde a introdução dessa cultura no norte/ nordeste brasileiro chegando ao Rio de Janeiro e, deste último, seguindo para a região do Vale, revelando as características que proporcionaram à região tornar-se uma das mais ricas do país, no século XIX.
O terceiro capítulo cita resumidamente como ocorreu a formação e o crescimento dos principais núcleos urbanos do Vale do Paraíba como, por exemplo, Taubaté, São José dos Campos, Resende e São João Marcos. Três cidades recebem uma atenção especial do autor, sendo que duas de São Paulo (São Luis do Paraitinga e Bananal) e outra do Rio de Janeiro (Vassouras). Nessas cidades Telles aprofunda ainda mais a questão da ocupação e organização territorial. Esses são exemplos paradigmáticos na formação dos núcleos urbanos com características peculiares. São Luis do Paraitinga é fundado no governo de Morgado de Matheus (1765-1775). Suas vias baseiam-se no traçado e retícula ortogonal, influenciado pelo caráter iluminista das filosofias da Revolução Francesa (p. 56).
A cidade de Bananal tem a formação do núcleo urbano relacionado à abertura do Caminho Novo da Piedade, ao trafego de tropeiros por essa via, e a migração de pessoas vindas das cidades mineiras e fluminenses após o declínio do ciclo do ouro e a ascensão da cultura cafeeira. A cidade de Vassouras tem sua formação vinculada ao Patrimônio Religioso da Nossa Senhora da Conceição da Freguesia de Sacra Família às margens da Estrada da Polícia. Como o próprio autor coloca é a típica formação dos núcleos urbanos brasileiros, com a demarcação do espaço sacro e o desenvolvimento da cidade ao seu redor. Nos três casos, o autor aponta as principais vias e construções, apresentando a estrutura urbana de cada cidade. As três cidades possuem características em comum, pois são fundadas próximas a rios e a caminhos já consolidados que facilitavam o tráfego, possuindo também uma arquitetura onde a técnica construtiva é a taipa de pilão.
O quarto capítulo analisa as fazendas de café, com sua estrutura arquitetônica e a mão de obra escrava. Telles coloca como é feito todo o planejamento para a construção da fazenda de café desde o desmatamento da região, a implantação de cada edificação que compõe as fazendas e o seu respectivo estudo arquitetônico, isto é, analisa separadamente cada um dos elementos das fazendas: a casa grande, a senzala, a tulha e os escravos. Aliás, o autor reserva uma boa parte do capítulo discutindo a questão dos escravos e a importância do seu trabalho para a economia cafeeira. Esses personagens são colocados como “o motor” das ditas fazendas. O quatro capítulo dá subsidio a um Anexo com o estudo da arquitetura das principais fazendas do Vale do Paraíba, apresentando o levantamento histórico e as plantas em croquis de cada uma delas.
Há ainda um Posfácio no qual o autor descreve a situação do Vale do Paraíba nos últimos 120 anos. A assinatura da Lei Áurea, o esgotamento do solo, a Proclamação da República são algumas das razões que levam a região ao ostracismo e diminuição significativa do poder dos Barões de Café. De fato, no início do século XX, o Vale do Paraíba sofre com os acontecimentos históricos brasileiros do fim do século anterior. Somente nos últimos anos a região volta a ter uma atividade econômica significativa com o turismo cultural.
Merecem destaque mais dois pontos dessa obra. O primeiro refere-se a organização e reproduções da iconografia de época, sejam de fotos, desenhos ou pinturas como as de Debret e Rugendas. Estas são importantes fontes para a discussão sobre a paisagem e as transformações urbanas ocorridas no Vale do Paraíba. Outro ponto é a utilização e manipulação sempre precisa e cuidadosa das fontes primárias. De grande contribuição, as fontes primarias – relatos de viajantes, narrativas e descrição de outros historiadores – colocam-se sustentando a argumentação do autor. Em especial o quatro capítulo apresenta a obra Memória sobre a fundação de uma fazenda na província do Rio de Janeiro de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, Barão de Paty do Alferes (1847). O dito Barão elabora essa obra para que seu filho, ao retornar da Europa, pudesse construir sua própria fazenda. É um verdadeiro manual de como se constrói e gerencia uma fazenda no ciclo cafeeiro.
Enfim, um livro que deve ser lido por todos aqueles que se interessam não só pela arquitetura da região, mas por aqueles que acreditam que o Vale do Paraíba ainda é uma região rica para as novas pesquisas, ou seja, um território sempre a explorar.
sobre o autor
Rodrigo Vitorino Assumpção, arquiteto formado pela Universidade Guarulhos UnG 2001; com pós graduação pela Universidade Senac 2007 e atualmente cursa o Mestrado Acadêmico em Urbanismo pela Puc de Campinas, Bolsista Capes