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XAVIER, Alberto. O ostracismo deliberado de Arnaldo Gladosch. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 089.04, Vitruvius, maio 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.089/3037>.


No final dos anos 50, quando cheguei a Porto Alegre para cursar arquitetura, o ponto central da cidade já era a Rua dos Andradas, conhecida como Rua da Praia e, em especial, seu cruzamento com a Avenida Borges de Medeiros, ou seja, uma via antiga, reduto do pedestre, e uma artéria concluída nos anos 40, balizada por prédios altaneiros, portal da modernidade e domínio do veículo. Um edifício ganhava destaque. Todos o identificavam pelo nome – Sulacap. Quanto ao autor, poucos tinham dele conhecimento, sendo sua trajetória ignorada. Quem era ele? Qual sua formação? Que influências recebera? Que obras outras realizara na cidade ou alhures?

Chamava-se Arnaldo Gladosch, paulistano de ascendência alemã, nascido em 1903, educado na Europa desde os 11 anos até formar-se arquiteto, em 1926, na cidade de Dresden. Estabeleceu-se no ano seguinte no Rio de Janeiro, onde, além da realização de projetos de algum interesse, participou da equipe de Alfred Agache, que, entre os anos 1927 e 1930, elaborou o Plano Diretor da cidade.

Contratado em 1938 pela municipalidade de Porto Alegre, seu Plano Diretor cuidou dos zoneamentos e de alguns espaços específicos importantes, mas a falta de recursos do município inviabilizou sua implantação. No entanto, seu trabalho paralelo com o projeto de edifícios contribuiu de modo decisivo na definição da fisionomia da Av. Borges de Medeiros, onde, no curto espaço de seis anos, edificou também o Sul América, o União e o IAPI, além do Chaves e do conjunto Mesbla, dispostos em outra área da cidade.

Era esse, portanto, o artífice da metrópole, arquiteto que unia o edifício à cidade, a cidade ao edifício. Nada mais desafiador, portanto, que recuperar e esclarecer o perfil de um homem estranho ao meio porto-alegrense, jogar luzes sobre uma figura disputada pelas autoridades do Município, mas rechaçada por seus colegas locais.

Eis que, às vésperas de serem comemorados os 70 anos da presença desse arquiteto em Porto Alegre, nos chega às mãos este belo, minucioso e importante livro – Arnaldo Gladosch: o edifício e a metrópole. Originalmente tese de doutorado defendida junto à Faculdade de Arquitetura da UFRGS e aprovada com nota máxima, nele é abordado pela primeira vez o conjunto de suas proposições arquitetônicas e urbanísticas de Arnaldo Gladosch. Iniciativa importante como resgate necessário, mas tarefa complexa, dada a natureza polêmica da obra que o arquiteto legou à cidade.

A esse desafio, se propôs Anna Paula Canez, que reunia, sem dúvida, todos os títulos para levar a bom termo essa empreitada. Afinal, contavam a seu crédito trabalhos similares, como sua dissertação de mestrado – o livro Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre, publicado em 1998 – onde documentou a produção desse arquiteto autodidata que firmou nome como escultor e professor, tendo sido um dos grandes incentivadores da arquitetura em Porto Alegre. Mais tarde, brindou-nos com outro livro – Arquiteturas cisplatinas –, registro cuidadoso de trabalhos de dois uruguaios – Eládio Diesde e Fresnedo Siri – que deixaram marcas importantes no cenário porto-alegrense: a Central de Abastecimento e Hipódromo do Cristal, respectivamente.

A abordagem desenvolvida pela autora foge de uma tendência freqüente e arriscada: a de atribuir à obra do biografado um significado extraordinário. Pelo contrário, é na correta dimensão do valor atribuído à obra de Gladosch que reside o mérito de sua análise, porquanto exige um esforço de interpretação maior que aquele trabalho voltado para arquitetos consagrados, ou seja, considera que não foi ele “o realizador de obras excepcionais, mas de exemplares que fazem parte de uma mesma família de obras que se podia encontrar nas publicações da arquitetura européia, sobretudo alemãs e francesas”. Anna Paula Canez apresenta a contextualização necessária das referências de Gladosch, especialmente daquelas forjadas no período de formação acadêmica, ao qual dedica atento e circunstanciado capítulo, rico em dados e ilustrações.

A análise é tanto mais difícil de ser empreendida quando consideramos as reações adversas a que sua produção esteve sujeita nesse período. Seu contrato com a municipalidade para elaborar o Plano Diretor provocou severas reservas dentre os profissionais do meio – inclusive descrédito e boicote, no juízo da autora –, inconformados com a contratação de um forasteiro, em detrimento de técnicos locais. Reação compreensível, mas que tem como contraponto o fato de Gladosch não ser um estranho à prática urbanística. Pelo contrário, ostentava em seu currículo – numa época de poucos profissionais experientes na lide com as cidades –, a participação na equipe de Alfred Agache, quando do Plano Diretor do Rio de Janeiro (1927-1930). Attílio Corrêa Lima e Affonso Eduardo Reidy também integraram esse grupo e suas atuações ulteriores à frente das questões urbanas muito devem a essa experiência de início de carreira.

A investida de Gladosch no território dos edifícios provocou idêntico rechaço. Tratava-se de demandas excepcionais por parte de grandes empresas: projetos incomuns, envolvendo lotes de esquina, com generosas dimensões e invejável localização. O fundamento dessa reação residia na natureza das concepções arquitetônicas de Gladosch, consideradas retrógradas, se comparadas àquelas que advogavam os jovens profissionais do meio; formados nas primeiras turmas de arquitetos, eram adeptos da corrente carioca liderada por Oscar Niemeyer.

A contrapartida – típica desse período de lutas que caracterizou a “fase heróica” da arquitetura brasileira – veio da forte resistência de engenheiros do meio, quando oportunidades similares e contemporâneas em Porto Alegre foram confiadas a arquitetos da antiga capital federal. Os projetos das sedes do Instituto de Previdência do Estado, de Oscar Niemeyer e a da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, de Affonso Eduardo Reidy e Jorge Moreira, foram soterrados, invocando-se “princípios estéticos e de respeito às tradições, questões climáticas e outros argumentos”, como bem observou Demétrio Ribeiro.

Ao largo desses sessenta anos da conclusão da principal obra de Gladosch na cidade, o Sulacap passou por uma lenta e crucial reavaliação. Foi marginalizado, sendo tanto objeto de zombaria quanto de críticas ácidas, rotulado de “nazista”. Passou a ser visto como de “um ecletismo simplificado, orientado a expressar durabilidade e solidez econômica”. Ganhou um olhar benevolente, avaliado como “um paradigma de boa qualidade da arquitetura para fins comerciais desse período”. Foi redimido no clima efervescente dos anos 80, quando do debate moderno x pós-moderno – período em que a autora cursou a Faculdade –, sendo tomado como exemplar representativo da arquitetura da cidade, reconhecimento reafirmado com sua inclusão no livro Arquitetura moderna em Porto Alegre, que publiquei em 1987, em parceria com Ivan Mizoguchi.

Se, conforme a autora, “estariam já lançadas, quando da contratação de Gladosch pela municipalidade, as bases de sua ausência na historiografia da arquitetura brasileira” – fato que denominou de “ostracismo deliberado” –, Arnaldo Gladosch: o edifício e a metrópole é o balanço consistente e equilibrado, capaz de colocar a obra desse arquiteto na sua correta e oportuna perspectiva.

notas

1
O presente texto é prefácio do livro comentado.

sobre o autor

Alberto Xavier é arquiteto, professor e historiador da arquitetura

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