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PEREIRA, Cláudio Calovi. Princípios, valores e projeto arquitetônico: as lições de Andrea Palladio. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 089.03, Vitruvius, maio 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.089/3038>.


Andrea Palladio é um personagem de fundamental importância no âmbito da arquitetura. Segundo Deborah Howard, não seria exagero afirmar que mais já foi publicado sobre ele do que sobre qualquer outro arquiteto. (1) O grande número de publicações suscita a pergunta: haveria algo mais a ser dito sobre Palladio? De fato, a numerosa literatura palladiana é um atestado da amplitude de valores que sua produção encerra. Ainda que boa parte desses escritos sejam relatos despretensiosos e coberturas fotográficas, existe uma grande quantidade de estudos sérios sobre Palladio, compreendendo documentação e análise de projetos e obras, estudos contextuais e abordagens teóricas e interpretativas. Estes estudos tem ampliado nosso conhecimento de sua arquitetura.

Apesar de sua extensão, o exame da literatura palladiana revela que ainda existem aspectos importantes de sua arquitetura que necessitam ser abordados. Um dos mais importantes é o estudo dos procedimentos de projeto por ele empregados em suas múltiplas encomendas. Tal estudo não enfoca apenas os aspectos operacionais de projeto, mas envolve os parâmetros que governam essas operações e, através delas, o desenvolvimento de um plano para o edifício. Um estudo dessa natureza permite entender os produtos da arquitetura como objetos culturais que refletem valores, os quais podem ser expressão de uma época e lugar ou ter repercussão mais ampla e duradoura. Nesse último caso, as dimensões locais e temporais podem ser importantes, mas os valores intemporais e extra-locais predominam e alcançam reconhecimento generalizado. Entender esses aspectos é de fundamental importância para o aprendizado, a crítica e o ensino da arquitetura. Tal entendimento nos permite discernir porque um determinado edifício é importante, ao invés de aceitá-lo passivamente assim porque outros antes de nós o determinaram. Nossa pergunta passa a ser: o que há nessa obra que a faz singular, além de uma fascinação visual pouco explicável? Como seu autor manipulou as condições existentes segundo princípios compositivos próprios para alcançar tais resultados? Esboçar respostas para estas indagações nos permite entender os propósitos, os meios e os fins da própria arquitetura.

A conexão entre projeto arquitetônico e história da arquitetura ganhou novos contornos desde a publicação de Architectural principles in the age of humanism por Rudolf Wittkower em 1949. Dentre seus quatro capítulos, o livro tem um dedicado aos princípios da arquitetura de Palladio, abordando separadamente villas, palácios e templos. Wittkower examina os edifícios buscando padrões de plantas, sistemas organizativos de fachadas e esquemas de visualização perspectiva em interiores. No capítulo final, Palladio comparece na discussão sobre a aplicação de sistemas harmônicos de proporção na arquitetura. Em relação ao nosso personagem, este tipo de abordagem tem continuidade com Palladio (1966), de James Ackerman, onde um dos capítulos é dedicado aos princípios da arquitetura de Palladio. Este autor ressalta a influência da arquitetura imperial romana na estratégia de composição axial e na escala e concatenação dos espaços internos de Palladio. Em 1975 surge o catálogo Andrea Palladio 1508-1580: the portico and the farmyard, editado por Howard Burns. Nesta obra, o autor procura definir com precisão os contextos nos quais Palladio estava imerso, de modo a entender melhor as respostas que lhe fornecia através de sua arquitetura. Burns aborda ítens como a clientela e sua cultura, a vida diária nos edifícios, o desenvolvimento dos projetos (desde esboços até desenhos formais), os materiais e a execução das obras.

A literatura acima citada demonstra o imenso potencial que a obra de Palladio possui como referencial teórico de projeto. Cabe ilustrar alguns aspectos desse potencial. No caso de suas villas, nota-se a constante repetição de um esquema organizativo de planta, que em geral divide a casa em três faixas longitudinais e três transversais. Longitudinalmente, a faixa central contém o salão principal, ligado a pórticos ou portais de entrada. Nas duas laterais encontram-se salões menores, compondo dependências privadas. No entanto, esse esquema organizativo inicial é logo manipulado de diferentes formas, gerando ambiências muito distintas em cada villa. Palladio joga com a altura dos salões e compartimentos (simples, dupla), com seus forros (planos, abobadados, compostos), com suas aberturas e com seus acessos (pórticos em projeção, varandas escavadas, escadarias retas ou laterais, rampas, janelas termais, serlianas) obtendo grande diversidade de resultados. O tema das entradas é rico em alternativas: ora surgem pórticos colunares simples (Emo, Barbaro, Badoer), em projeção (Chiericati, Capra), sobre pódio alto (Foscari), com ordens superpostas (Cornaro), com semicolunas (Pisani em Montagnana), com pilastras lisas (Gazzotti, Thiene) e rusticadas (Pisani em Bagnolo), com pilares lisos (Saraceno) e rusticados (Caldogno), além de pórticos especiais (como a serliana da Villa Poiana). A sutileza das variantes palladianas pode ser ilustrada pela Villa Cornaro, que tem o mesmo pórtico de dois níveis com ordens superpostas nas fachadas anterior (em projeção desde o volume da casa) e posterior (onde as colunas estão no mesmo plano do volume da casa e a varanda é interiorizada). Quando a villa é sede de fazenda, surgem as alas de serviço, que introduzem novas variantes (alas retas, curvas, em "L", formando pátios fechados, etc.). Nota-se que a diversidade é obtida a partir de um sistema ordenado de base, caracterizado pela simetria bilateral, pelos disposições axiais, pela noção de hierarquia e pelo cuidado com as proporções no dimensionamento.

Os palácios privados de Palladio enfrentam o problema de inserir o esquema simétrico das villas nas situações complexas dos lotes urbanos. Tendo deixado alguns exemplares no estilo romano do grande pátio central porticado (Thiene, Trissino), em outros Palladio reduz suas dimensões laterais (Da Porto-Festa, Angaran) ou mesmo omite duas alas de pórticos (Valmarana). Outros palácios tem apenas pátios posteriores (Barbaran, Capra). Para terrenos largos e pouco profundos, Palladio usa um partido com pórtico como galeria sobre a rua e um pequeno pátio posterior (Civena, Chiericati). Num caso específico em que o terreno é muito profundo e estreito, ele faz do pátio alongado um átrio de acesso trespassado por um pórtico ao centro (Della Torre). Ainda há exemplos de palácios com divisas oblíquas que se aplicam a lotes irregulares. Além disso, existem palácios em escala menor, similares a villas e sem pátios (Antonini, Garzadori). Isso mostra que dentro de seus esquemas compositivos de palácios, Palladio tinha alguns dirigidos a terrenos e orçamentos limitados. Os palácios também apresentam muitas variantes nas fachadas: embora todas sejam organizadas pela trama colunar clássica, há palácios com semicolunas colossais (Porto-Breganze, Loggia del Capitaniato), com pilastras colossais (Valmarana), com ordens superpostas (Barbarano, Chiericati, Basílica) e com ordens sobre um pódio rusticado (Porto-Festa, Civena). As mesmas variações são empregadas nos pórticos dos pátios. Por fim, cabe mencionar que os espaços internos também são um campo investigativo da criatividade palladiana. Isso é percebido com clareza nos átrios de entrada dos palácios, resolvidos de múltiplas formas. O desenho com três alternativas de planta para o Palazzo Barbarano (RIBA XVI/14) é um bom exemplo. O primeiro átrio é um salão longo e interiorizado, com três abóbadas de aresta apoiadas em oito colunas, que suportam o salão superior. O segundo átrio tem planta quadrada e teto plano, com quatro colunas sustentando o vigamento. O terceiro átrio tem planta retangular (menos longa que o primeiro) e se posiciona junto à rua, com três abóbadas de aresta apoiadas em quatro colunas.

Embora Palladio tenha projetado poucas igrejas em comparação com palácios e villas, estes edifícios apresentam a mesma densidade de investigação compositivas verificadas nos anteriores. Seus projetos de templos revelam de forma muito forte a importância dos estudos das ruínas romanas. Palladio estudou exaustivamente a arquitetura clássica, não apenas em termos arqueológicos mas principalmente através de reconstruções projetuais dos grandes edifícios romanos. Isso lhe permitiu entender os aspectos organizativos, espaciais e construtivos das termas, foros e templos imperiais, para então adaptá-los a seus projetos. Dois temas se destacam nos projetos de igrejas: os salões centrais das termas (frigidarium) e o templo de planta circular com cúpula (cujo exemplo supremo é o Pantheon). As grandes igrejas venezianas (San Giorgio Maggiore e Il Redentore) tem naves compostas como um frigidarium, ao qual é articulado um setor com cúpula e espaços adjacentes. O tempietto para a família Barbaro em Maser é um estudo em escala menor do tema do Pantheon. Os desenhos de reconstrução da Basílica de Maxêncio, publicados no tratado, são a provável origem do jogo inventivo com pórticos superpostos nas fachadas das igrejas. Cúpulas, abóbadas de berço e de aresta, janelas termais e óculos conformam o extrato superior dos espaços internos, emulando a arquitetura monumental romana. Abaixo dele, surge o jogo de naves laterais ou nichos entre contrafortes, compondo arcadas emolduradas por uma ordem colossal. Os espaços são modulados e seriais, mas apresentam diferenças de dimensões, direcionalidade e iluminação que criam variedade num contexto de unidade.

Além de edifícios novos, Palladio projetou importantes intervenções em edifícios existentes, num processo similar às modernas reciclagens. O maior exemplo disso é a reconstrução das galerias da Basílica de Vicenza, cujo envelope clássico de ordens superpostas envolve o edifício medieval, emoldurando duas séries de serlianas. Palladio também cria fachadas clássicas no estilo de suas igrejas venezianas para a igreja gótica de São Petrônio (Bolonha) e para a igreja de San Pietro della Vigna (Veneza).

Palladio não apenas deixou uma numerosa obra construída mas também escreveu um tratado ilustrado sobre arquitetura (I Quattro Libri dell'Architettura, 1570). No primeiro livro, ele trata de materiais, de ordens clássicas e de projeto (forma e disposição de compartimentos, pisos, forros, escadarias, aberturas, proporções e ornamentos). No segundo livro, Palladio apresenta sua produção, dividida em casas na cidade (palácios) e casas no campo (villas), introduzindo entre estes temas uma discussão sobre a casa na antiguidade clássica. Ao apresentar seus edifícios em projeções ortogonais medidas, com planta, fachada e corte, ele torna-se o primeiro arquiteto a publicar sua produção, permitindo sua ampla divulgação no mundo ocidental. O terceiro livro se ocupa de estradas e pontes, seguido do tema do forum nas cidades romanas e seus edifícios. Neste contexto é apresentada a Basílica de Vicenza. No quarto livro, Palladio registra em descrições e desenhos detalhados um grande número de templos romanos reconstruídos, dentre os quais se destacam o Pantheon e a Basílica de Maxêncio (na época tida como o Templo da Paz). Neste volume, Palladio presta tributo à Bramante, único autor "moderno" com obra incluída entre os antigos (o Tempietto de San Pietro in Montorio). Os quatro livros do tratado deveriam ser completados por outros volumes que incluiriam temas como as termas imperiais romanas e as igrejas de Palladio. Contudo, mesmo incompleto, o tratado tem conteúdo suficiente para alcançar notável repercussão: oferece auxílio técnico, instrução projetual, numerosos exemplos contemporâneos e uma coleção de obras clássicas de referência. Não é surpresa que tenha sido impresso em muitos idiomas e criado uma numerosa descendência de edifícios palladianos pelo mundo afora.

Desde o catálogo de Burns acima referido, alguns outros estudos tem surgido nesta linha de investigação, incluindo a tese de doutoramento e alguns artigos do autor desta apresentação. (2) Seu intento de estudar o classicismo na arquitetura tem sido acompanhado pelos autores da publicação ora apresentada, na forma de orientação em pós-graduação e participação em grupo de pesquisa. Portanto, este livro participa de um esforço coletivo que visa extrair da história da arquitetura os princípios que permitem sua avaliação crítica e sua transmissão didática. Os resultados de investigações dessa natureza transformam o estudo da história em uma fonte viva de referenciais de projeto. Nesse sentido, a análise dos procedimentos compositivos de Palladio explica porque seu legado permanece tão presente entre nós. Ela não é apenas um testemunho importante do passado, mas também é um repositório de posturas e lições de valor fundamental no presente. Diante destas considerações, recomenda-se a leitura deste livro, tanto pelos interessados em história da arquitetura como por aqueles que buscam entender os valores com os quais ela lida.

notas

1
HOWARD, Deborah. "Four centuries of literature on Palladio" in Journal of the Society of Architectural Historians, vol. XXXIX, nº 3, 1980: p. 224.

2
CALOVI PEREIRA, Cláudio. Architectural practice and the planning of minor palaces in Renaissance Italy: 1510-1570 (tese de doutorado). Cambridge, EUA: Massachusetts Institute of Technology, 1998. Posteriormente, o tema ganhou divulgação em português através dos seguintes artigos do mesmo autor: 1) Critérios de arquitetura e prática de projeto em Leon Battista Alberti" in Kiefer et al. (org.). Crítica na arquitetura. Porto Alegre: Ritter dos Reis, 2001: pp. 93-98; 2) "Prática profissional e projeto de palácios menores no Renascimento italiano" in ArqTexto nº 1. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 2001: pp. 38-47; 3) "Projeto arquitetônico no Renascimento: palácios menores de Sangallo, Peruzzi e Palladio" in Mizoguchi et al. (org.). Palladio e o Neoclassicismo. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2006: pp. 219-246. 4) "Aprendendo a projetar com a antiguidade: Palladio e as termas imperiais romanas" in Comas et al. (org.). Anais do III Seminário Projetar. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 2007 (CD).

sobre o autor

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UniRitter (Porto Alegre, 1985), Mestre em Arquitetura pelo PROPAR-Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, 1993) e Doutor em Arquitetura (Ph.D.) pelo HTC-School of Architecture and Planning - Massachusetts Institute of Technology (Cambridge, EUA, 1998). Atualmente é professor associado do Departamento de Arquitetura, na Faculdade de Arquitetura-UFRGS

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