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BITTENCOURT, Luiz Cláudio. Sertão rebelde. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 091.02, Vitruvius, jul. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.091/3031>.


O banqueiro do sertão é uma belíssima obra de Jorge Caldeira, escritor e historiador com larga produção, e bastante conhecido fora dos ambientes especializados pela publicação do livro Mauá, empresário no Império, publicado na metade dos anos noventa. Em O banqueiro do sertão, dois volumes com cerca de mil páginas, apresenta “Mulheres no Caminho da Prata” e “O Padre Guilherme Pompeu de Almeida”, texto e iconografia em layout farto e sutil articulação ao enredo.

Entre vários matizes de abordagens – sociológica, econômica, antropológica, historiográfica e política – o autor apresenta aos leitores de arquitetura e urbanismo algumas possibilidades e vieses que sempre afligiram o domínio do espaço construído no sertão paulista do segundo século. A forma e valores relativos ao desenho do território conhecido e dominado pelo universo da chamada “cultura bandeirista” dos primeiros séculos de colonização até o ouro de Minas Gerais são explorados em texto direto, que evoca linguagem descritiva sem omitir hipóteses e análises sofisticadas.

Este cenário e território ambíguos nos seus limites e população parece produzir repertório aparentemente registrado nas características das formas e soluções espaciais delineadas pela arquitetura dos sítios, aldeias e vilas do período.

Em que pese a conhecida polêmica entre os textos de Luiz Saia (1), Araci Amaral (2) e Carlos Lemos (3), os volumes enriquecem visões divergentes ou não, iluminando o papel da vida tupi-guarani na estruturação da casa a partir da família poligâmica e do papel da mulher, o que ajuda delimitar aspectos da vida privada colocado em relevo no texto inaugural de Luis Saia “A Casa Bandeirista” (4).

Infelizmente estão desaparecidas as ruínas da Casa e Capela do Capitão Guilherme Pompeu de Almeida no Voturuna e a famosa estrutura fortificada com casa e capela do Padre Guilherme Pompeu de Almeida em Araçariguama, que muito enriqueceriam a extensa pesquisa apresentada e a compreensão deste período singular à configuração do caráter da cultura e do território paulista, considerada inclusive sua arquitetura.

Nesta geografia de convergências feudais anacrônicas evidenciadas pelo texto de Jorge Caldeira, como já fora anotada por Luis Saia. é possível anexar ao sistema de aldeamentos, apontado por Pasquale Petrone (5), os sítios bandeiristas e vilas boca de sertão, configurando conjunto coeso e defensivo da região próxima de Piratininga e lembrando o sistema medieval das torres (Mota) em volta do núcleo principal. Talvez não seja coincidência que as principais unidades identificadas por Luis Saia se localizem à margem esquerda das nascentes do Rio Pinheiros e Tiete, incluindo Santana e Araçariguama lugar onde finca moradia pai e filho Pompeu de Almeida.

A obra também evidencia as trocas e proximidades de interesses entre o modo de vida paulista e dos espanhóis do Paraguai e Guairá em relação aos índios e as sobras da prata do Potosi respingada pelos sertões sul americano. As Missões Jesuítas não participam desta vida mesclada pelos costumes adaptados “espânico-garani” e “luso-tupi”, protegidas pelo Estado Espanhol as reduções dos jesuítas guaranis são ilhas isoladas com projeto de vida e espaço próprios, racionalidade visível na sua geometria e projeto imposto aos nativos e à natureza.

No conjunto o texto mostra como o sertão além de populoso é cheio de vida interagida pelos jogos de guerra, conquistas e casamentos poligâmicos, amálgama dos costumes feudais e indígenas. Nestes sertões, a liberdade complacente do Estado português oferecida aos paulistas serve à atividade corsária da prata e de índios, conduz à soluções arquitetônicas e territoriais próprias, moldadas pelo lugar, com trabalho bruto, revelado pela arquitetura de terra e madeira. O mameluco inventado e demonizado pelos jesuítas surge como núcleo do espírito rebelde intuitivo desenhado pelo modo de vida adotado, volta a produção da riqueza para o lugar e seus descendentes e não para a Metrópole. A região cresce mesmo com pouca prata, cresce porque tem muita gente circulando e comerciando entre São Paulo, Santana, Guairá, Vila Rica, Assunção, Tucumán, Córdoba, Buenos Aires, entre outras nas bordas do Potosi impermeável.

O sedentarismo do banqueiro contrastado com a circulação e deslocamentos da população reduzida ou bandeirante reafirmam a importância da casa para onde todos retornam a mulher núcleo da estabilidade da tradição indígena e feudal, fascinam novas interpretações no uso e agenciamento das moradas que restaram como monumentos deste período, mistério ampliado pela ausência feminina da esposa do Padre, apagada pelos registros.

Finalmente vale entender melhor as Capelas paulistas de Santo Antônio e Voturuna tão estudadas por Lúcio Costa (6), Mário de Andrade (7) e Sergio Buarque (8), e seu papel como instituições da esperteza fiscal no ambiente em que a prática do contrabando é legitimada e o valor de um retábulo sofisticado contrasta com a maneira rude de viver.

Os volumes ajudam a perceber a força política e institucional do papel colonizador dos jesuítas, como Estado dentro do Estado, de forma diferente na Espanha e Portugal, mas com estética, ética, leis e estrutura militar próprias.

Por entre as magias e ciências dos sertões de Guimarães Rosa e Euclides da Cunha, surge mais um sertão tão rebelde ou mais, o imenso sertão mameluco de paulistas, paraguaios e jesuítas, merece atenção. Findo com o ouro das Minas Gerais e a centralização do poder metropolitano, constituindo novos modos de vida e novos sertões ainda contaminados de espíritos indomáveis que parecem transcender o tempo e o espaço, mas esta é outra história.

notas

1
SAIA, Luis. A morada paulista. São Paulo, Perspectiva, 1972.

2
AMARAL, Araci Abreu. A hispanidade em São Paulo: da casa rural à capela de Santo Antonio. São Paulo, Edusp/Nobel, 1981

3
LEMOS, Carlos A. C.. Casa paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo, EDUSP, 1999.

4
SAIA, Luiz. “A casa bandeirista – uma interpretação”. São Paulo: Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 195. in Morada paulista, p. 119-145.

5
PETRONE, Pasquale. Aldeamentos paulista. São Paulo, Edusp, 1995

6
Costa, Lúcio. “Arquitetura dos jesuítas no Brasil”. In Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 5, Rio de Janeiro, 1941.

7
ANDRADE, Mário de. A CAPELA DE SANTO ANTONIO. In, Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 1, Rio de Janeiro, 1937.

8
HOLANDA, Sergio Buarque. Capelas antigas de São Paulo. In Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 5, Rio de Janeiro, 1941.

sobre o autor

Luiz Cláudio Bittencourt, é arquiteto, professor doutor Curso de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo da FAAC-UNESP-Bauru. Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas de Ourinhos

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