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CAVALCANTI, Lauro; EL-DAHDAH, Farès . A permanência do instável. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 095.01, Vitruvius, nov. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.095/3017>.


Catálogos meramente ilustrativos e demasiadamente colados às exposições estabelecem com estas uma relação pautada pela lembrança de uma perda. Correm o risco de se transformar em nostálgicos objetos que renunciam a uma vida autônoma e à possibilidade de oferecer novos ângulos e leituras sobre o tema da mostra que lhes originou.  Uma das tradições do Paço Imperial é a de aproveitar as mostras que produz para editar livros que, partindo delas, as ultrapassem. É este o caso do alentado volume Roberto Burle Marx 100 Anos, que traz como subtítulo a epígrafe da exposição que lhe deu origem: a permanência do instável.

A multiplicidade da produção de Roberto Burle Marx – paisagista, pintor, escultor, cenógrafo, desenhista e gravador – e a quantidade de questões que levantou nos campos do modernismo, paisagismo, urbanismo, ecologia e botânica aplicada indicavam a necessidade de aprofundar o exame de sua obra com múltiplos ensaios que abordassem facetas específicas.

Outra decisão dos organizadores foi, após a introdução de sua trajetória e do exame do tema recorrente da instabilidade em paisagismo, estruturar o livro em três unidades que se originam de questões levantadas por textos do próprio Burle Marx: os princípios de composição dos jardins, vistos, já na  segunda parte como expressão artística, para terminar com um exame aprofundado do papel que desempenham na humanização do urbanismo das grandes cidades.

No primeiro módulo, Jacques Leenhardt faz uma avaliação crítica da trajetória profissional de Roberto Burle Marx, começando com um investimento em modernidade artística e terminando em ecologia. Há, na evolução da obra de Roberto Burle Marx, uma prise de conscience ecológica, que o levou a compreender a associação de espécies diversas como um artifício pedagógico visando a um repensar de nosso relacionamento com um ambiente natural estragado por práticas agrícolas e industriais incompatíveis com os mais simples princípios de conservação. O que de início foi associado às suas atividades como pintor acabou se tornando uma forma de ativismo contra os violentos processos de alteração ambiental. É uma trajetória que compreende profundamente o caráter transitório da atividade humana em contraposição à permanência da natureza. Lars Lerup vê na obra de Burle Marx uma espécie de arca de Noé cosmopolita capaz de vencer o abismo entre natureza e artifício. Ponte ou integração, as duas coisas podem por conseguinte significar a nossa salvação e um jardim de Burle Marx portanto funciona como uma “zona desmilitarizada” entre nós e a floresta.

José Tabacow descarta dois mitos que têm sido sistematicamente usados nas biografias e que ignoram a própria evolução das várias identidades de Burle Marx, sejam elas como arquiteto paisagista, pintor ou colecionador de plantas. O primeiro mito tem a ver com a história contada com frequência sobre Burle Marx ter descoberto a flora tropical num jardim botânico de Berlim – Dahlem, mesmo que tal achado fosse de fato um processo em andamento durante toda a sua vida e que pode ter começado nos passeios que ele fazia  com a mãe, saindo de manhã cedo do Leme e subindo até o Corcovado. O segundo mito ignora um dos mais surpreendentes talentos de Burle Marx ao reduzir a sua arquitetura paisagista ao espaço bidimensional das suas telas, como se dizendo que os seus jardins não passassem de uma tradução das suas pinturas. O cosmopolitismo, sem dúvida, teve o seu papel na vida de Burle Marx, assim como a pintura, mas isso era parte de um complexo e sempre variado processo de pesquisa e criação que Lúcio Costa certa vez descreveu como pertencente a um contínuo ir e vir entre botânica, jardinagem, arquitetura paisagista e belas artes, desenho e pintura.

Na segunda parte, Lélia Coelho Frota, descreve Roberto Burle Marx como um “fenômeno antropológico” que deve ser lembrado como tendo sido simultaneamente desenhista, grande conhecedor de botânica, cenógrafo, músico, escultor e arquiteto paisagista. Ele foi na verdade uma tribo por si mesmo e sua produção, como urbanista, designer de jóias, tapeceiro, ativista ecológico, cidadão, entre outras identidades, mapeia um novo território para o futuro da arte no Brasil. Paulo Venancio Filho encontra na arquitetura paisagista de Burle Marx uma resposta civilizadora à ampla utilização do concreto na arquitetura moderna brasileira. Os jardins de Burle Marx não apenas fazem a ponte entre natureza e arquitetura, eles facilitam a transição entre natureza e concreto. O que basicamente é produzido por esta arquitetura paisagista moderna e abstrata é uma arte eminentemente urbana, mesmo que ela ocorra no campo. Rossana Vaccarino e André Corrêa do Lago analisam jardins muito diferentes, alguns bem conhecidos e outros raramente fotografados. Vaccarino usa tempo e instabilidade como tropos inevitáveis ao estudar os jardins das Fazendas Marambaia e Vargem Grande, ambos exemplos de um processo evolucionário em aberto, comportando-se em parcial independência das ações do próprio Burle Marx. Corrêa do Lago focaliza os jardins que foram projetados em relação a três arquiteturas muito diferentes: a palaciana, mas modernista, residência de Walter Moreira Salles, projetada por Olavo Redig de Campos, a casa de campo de Nininha Magalhães Lins e a antiga casa de fazenda e residência de Patrícia Cisneros projetada por Jimmy Alcock, em Caracas.

Na terceira seção, Dorothée Imbert situa os jardins suspensos de Burle Marx no prédio do antigo Ministério da Educação e Saúde dentro de um histórico. Esse “novo” jardim era, não obstante, paradoxal nas muitas formas, como tentava demonstrar uma nova ideologia espacial, ao mesmo tempo em que procurava recriar o que ficava por baixo. Valerie Frazer baseia-se nos mesmos jardins suspensos para mostrar até que ponto o projeto de Burle Marx foi uma crítica direta ao racionalismo de Le Corbusier ou, num sentido ao estilo de Oswald de Andrade, um banquete com a carne do homem branco europeu. Anita Berrizbeitia analisa o Parque del Este em Caracas, como uma espécie de “paisagem intermediária” entre a paisagem urbana europeizada e uma natureza tropical agreste encontrada na Venezuela. Não só Burle Marx foi capaz de traduzir a imagem da mata tropical numa linguagem ecológica legível, como também realizou uma obra extraordinária de profundo conteúdo social.

Os ensaios que compõem o volume adensam o exame das questões do paisagismo moderno e contemporâneo, a partir da estupenda e atualíssima contribuição de Roberto Burle Marx, cujas múltiplas faces refletem-se nos diferentes ângulos sob os quais os colaboradores dessa obra revelam seus conceitos e expressam suas análises.

[opresente texto é o prefácio do livro.]

sobre os autoresLauro Cavalcanti é arquiteto, escritor e doutor em Antropologia Social. Entre suas principais obras os livros "When Brazil was Modern: a guide to architecture 1928-1960", "Encore Moderne? Architecture contémporaine au Brésil" e "Sergio Bernardes: o herói de uma tragédia moderna"

Farès el-Dahdah é doutor em Design e Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Graduate School of Design da Harvard University. Atualmente é Associate Professor de Arquitetura na Rice University, Texas (EUA), onde coordena o programa de Pós-graduação e dirige o projeto arkheBrasil, uma base de dados visual sobre a arquitetura moderna no Brasil. Publicou o livro "Brasilia´s Superquadra: Lucio Costa" (2005), tendo ainda colaborado nas obras "A doce revolução de Oscar Niemeyer" (2007) e "Brasilia: l'épanouissement d'une capitale" (2006). Recentemente, concluiu uma monografia sobre Lucio Costa, a ser publicada pela editora suíça Infolio

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