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ROSAL, Ricardo Galvão. Lembranças do Recife - Planejamento, crítica ao modelo no Brasil. Resenhas Online, São Paulo, ano 09, n. 097.03, Vitruvius, jan. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/09.097/3396>.


Depois de mais de 30 anos chega até nós a reedição de “Elegia para uma re(li)gião” (1), uma obra tida como clássica em sua estréia. O livro é composto por dois ensaios, o “Noiva da revolução”, que é um texto inédito, e o “Elegia para uma re(li)gião”. Na Apresentação escrita por Vilma Áreas prontamente se enfatiza que “trata-se de um livro político antes de mais nada” e o estilo do autor de “anular a diferença entre atores socialmente grandes e pequenos”, continua presente em sua obra.

Causaria até certa estranheza não ser uma obra política, pois dentre as definições de Chico de Oliveira, como é conhecido, está sua origem pernambucana de Recife, sua formação como sociólogo, fundador do Partido dos Trabalhadores, além de sua participação na SUDENE e no CEBRAP.

O primeiro ensaio trata-se de um presente dessa reedição, formado por um escrito memorialístico, onde se demonstra o esforço para desmascarar o que conhece e ama em profundidade, ou seja, trata-se de um livre ensaio histórico-político-sentimental do Recife. E como tal, é um texto corrido, sem notas explicativas, como se o autor estivesse tomado pela necessidade de imprimir rapidamente suas lembranças no papel, antes que elas fugissem, o que resulta, possivelmente, na não compreensão de toda as memórias e comentários feitos pelo autor, até mesmo por parte de moradores do Recife. Mas de maneira alguma isso ofuscará a compreensão do todo. E até que ponto podemos compreender a memória do outro?

O Recife descrito nesse ensaio é mítico, pois “toda cidade é sonhada, é mítica, ou não é cidade”, e como tal, possui sete pragas como as do Egito, e tem o movimento de esquerda como fator determinante em sua constituição.

Nas idas e vindas do autor, que em um parágrafo comenta sobre o Golpe Militar de 64 e noutro já está no ano 2000, fica o anseio do rigor científico e atualizado dos fatos, pois, ao criticar o turismo e o Porto de SUAPE, não aborda a existência do Pólo Tecnológico, representado pelo Porto Digital, uma vez que o Pólo Médico foi contemplado por suas memórias. Mas sua defesa já está escrita nas primeiras páginas: “a história bem contada você encontrará em autores mais competentes, mas bem aparelhados, mas documentados”.

É gratificante ler o que escreve Chico de Oliveira sobre o Recife, pois trata-se de uma percepção plural, que contempla a arquitetura de Borsoi, a arte de Recife e Olinda, a música popular, a religião com Dom Hélder e a Teoria da Libertação, e a educação de Paulo Freire. Soma-se a isso, as várias posturas que o autor parece assumir: como jornalista investigativo, ao escrever sobre relatórios da CIA e o complô contra a Liga Camponesa; como historiador, ao retratar o desenvolvimento da cidade; como cientista político, ao demonstrar seu conhecimento dos arranjos políticos e partidários; como escritor autobiográfico, ao relatar quando estava presente de corpo e alma na ocorrência dos fatos; além de sociólogo e intelectual com uma visão crítica de todo o conjunto.

O segundo ensaio deve-se a sua participação na SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) onde permaneceu desde a sua fundação até 1964. Como descrito “o Recife da Sudene foi provavelmente o lugar central do conflito de classes no Brasil do final dos 1950 e toda a década de 1960” e a figura de Celso Furtado foi uma presença marcante tanto na SUDENE quanto nesta obra.

Não espere encontrar nessa obra a descrição do funcionamento de um órgão feita por um funcionário, assim como, não encontrará uma teoria do planejamento aos moldes tradicionais, pois essa terminaria por desembocar em “modelos”, o que é combatido pelo autor. O objetivo desse segundo ensaio é “oferecer uma versão e uma interpretação da história econômica, social e política do Nordeste e do Brasil dos dias da criação da Sudene”, preenchendo a lacuna formada pela ausência de literatura que contemple tal assunto. A justificativa dessa abordagem decorre de que essa análise pode fornecer “importantes elementos para uma teoria do planejamento regional em países como o Brasil”, com isso, o próprio conceito de “região” é questionado, e colocada em cheque a sua existência.  

Se no primeiro ensaio o entendimento da plutocracia estava concentrado no nordeste, nesse segundo adquire um caráter mais nacional, pois, parte-se dos “coronéis” para os “barões” do café, e a conversão da “região” do café em “região” industrial. Ou seja, “começa a redefinir a própria divisão regional do trabalho em todo o conjunto nacional”, onde o “Centro-Sul” começou a expressar o poder de comando e conduziu a uma “integração nacional”. Estratégia que redefiniu os objetivos e o próprio Plano Diretor da SUDENE, resultando em intervenções planejadas segundo orientações exteriores.

Justamente por não existir o lado neutro do planejamento, faz-se necessária à teorização sobre o caráter do Estado, pois o planejamento é uma forma de sua intervenção. E esse Estado, que “no capitalismo monopolista tem de ser necessariamente parte ativa da reprodução do capital”, encontra-se constantemente capturado pelos mais diversos atores, exceção feita pelas forças populares. 

Isso posto, torna-se necessário compreender as formas de expansão capitalista no Brasil e as várias esferas em que esse projeto exerceu influência, como: o aproveitamento da escravidão; o combate as forças contrárias, como a camponesa e o populismo nordestino; a origem dessa condução que se fez a partir do Centro-Sul; o projeto da “unidade nacional”, e a destruição de “economias regional”; e seu confronto com a teorização marxista.

Como um pergaminho que teve suas primeiras escrituras apagadas para que as novas impressões pudessem ser feitas, mas de alguma forma pode-se perceber a escrita anterior (um palimpsesto), esse livro indica, de distintas maneiras, um vasto repertório de conhecimento para aprofundar a teoria do planejamento. Entre as contribuições claramente demonstradas, destacam-se as teorias econômicas e marxistas; a crítica sobre a formação regional; o fator da localização e a dinâmica econômica; além do livro receber “bicadas” do ornitorrinco e a “Crítica à razão dualista” (2), que de forma complementar colabora com a teoria do planejamento aqui desenvolvida. Suas análises sobre o subdesenvolvimento e o marxismo, que permeiam a “acumulação”, o “consumo”, e o “setor terciário”, presentes nesse outro livro, não devem ser dissociadas do assunto aqui exposto.

Os escritos de Chico de Oliveira vêm contribuir para o preenchimento da lacuna formada pela exígua bibliografia brasileira direcionada à análise crítica do planejamento urbano e o marxismo, concomitante a uma abordagem diversificada cuja finalidade é a compreensão do todo, ou seja, a integração e o entendimento global que o planejamento possui como fator intrínseco da sua existência.

notas

1
Elegia para uma re(li)gião: Sudene, Nordeste. Planejamento e conflito de classes. 3 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
2
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista / O ornitorrinco. São Paulo, Boitempo Editorial, 2003.

sobre o autor

Ricardo Galvão Rosal é arquiteto e mestre em urbanismo pela PUC-Campinas.

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