A coleção “Encontros, a arte da entrevista” incorpora ao conjunto de suas publicações o livro Lúcio Costa, organizado pela arquiteta e historiadora Ana Luiza Nobre, contendo uma série de entrevistas com esse notável arquiteto. As edições de livros, textos, entrevistas, projetos e obras de Lúcio Costa sempre serão apreciados como documentos importantes sobre a produção e o pensamento de um dos maiores arquitetos brasileiros do século 20.
Esta publicação resulta de uma pesquisa cuidadosa e de uma organização coerente com a simplicidade formal com que o professor Lúcio Costa pautava os seus pronunciamentos. O livro, nesse sentido, oferece ao leitor uma rara possibilidade de acompanhar, através das entrevistas, o processo evolutivo do pensamento desse importante arquiteto ao longo de sua existência. Sem dúvida, trata-se de um raro testemunho pessoal sobre aspectos relacionados com as diferentes realidades vivenciadas pelo entrevistado durante a sua extensa atividade profissional. As suas colocações a respeito de questões relacionadas com arquitetura e urbanismo fazem dessa viagem pelas entrevistas um momento importante para construir um paralelo reflexivo entre a sua época e o momento atual.
Curiosamente, o livro não apresenta entrevistas entre 1930 e 1961. Na verdade, como esclarece a organizadora Ana Luiza Nobre, não foi um período exclusivo de silêncio. Foram anos em que a produção arquitetônica brasileira obteve o maior reconhecimento internacional e Lúcio Costa se dedicou, nesta época, além das suas atividades profissionais, à produção de ensaios e livros versando sobre diversas particularidades da arquitetura. Dedicou-se, também, a produzir inúmeros pareceres técnicos para o Sphan – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Esses pareceres representam verdadeiras aulas de arquitetura, incorporando conceitos e sugerindo regras para assegurar a preservação e conservação do valioso patrimônio histórico e artístico nacional.
Através da leitura das vinte entrevistas transcritas de publicações em jornais e revistas se identifica traços marcantes da personalidade e do pensamento de Lúcio Costa. Em decorrência da ordem cronológica estabelecida, o conjunto de entrevistas apresenta uma hipotética subdivisão temática em quatro grupos seqüenciais.
O primeiro se inicia com a entrevista “A alma de nossos lares”, publicada no jornal A Noite, em 1924. Nela se conhece o começo da trajetória que levaria Lúcio Costa a assumir a Direção do Curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, com apenas 28 anos de idade. Esse ciclo constituído por quatro entrevistas se encerra com “O novo diretor da Escola de Belas Artes e as diretrizes de uma reforma” (1930) que mostra o rompimento de Lúcio Costa com o modelo acadêmico de ensino e a adesão aos princípios modernistas que tinham na sua raiz o binômio “arquitetura-construção”. Essa posição conceitual é traduzida com clareza no seguinte trecho da entrevista:
“É preciso que os nossos pintores, escultores e arquitetos procurem conhecer, sem parti-pris, todo esse movimento que já vem de longe, compreender o momento profundamente sério que vivemos e que marcará a fase primitiva de uma grande era. O importante é penetrar-lhe o espírito, o verdadeiro sentido, e nada forçar. Que venha de dentro para fora e não de fora para dentro, pois o falso modernismo é mil vezes pior que todos os academicismos.”
O segundo ciclo temático diz respeito ao período imediatamente após a inauguração de Brasília. Na entrevista “Brasília foi feita para o homem com fé num Brasil e num mundo, melhores” (1961) é interessante observar uma carta anexada pela organizadora que mostra Lúcio Costa solicitando ao entrevistador, arquiteto Claudius Ceccon, a retificação de alguns pormenores da entrevista publicada no Jornal do Brasil. O conteúdo da carta demonstra o rigor que Lúcio Costa exige na interpretação de suas palavras.
Um terceiro ciclo, constituído por cinco entrevistas, aborda temas e assuntos diferenciados que se estendem desde a compreensão da obra do Mestre Aleijadinho (1984), da influência causada pela presença de Le Corbusier no Brasil (1987), até as considerações explicativas sobre os conceitos utilizados no plano piloto para urbanização da Barra da Tijuca (1988). Estas entrevistas expressam o valor do pensamento de Lúcio Costa na formação de novas gerações de arquitetos.
No último ciclo de entrevistas, que se estende pela década de noventa, o professor Lúcio Costa nos brinda com uma série de reflexões conceituais a respeito da produção arquitetônica na década de oitenta, da concepção do projeto das superquadras em Brasília, dos procedimentos referenciais para a conservação de bens patrimoniais históricos e artísticos e, por último, uma abordagem reflexiva sobre a arquitetura no século 20.
Trata-se, portanto, de um livro que não pode faltar na coleção de qualquer pessoa – arquiteto ou não – que seja interessada em conhecer o pensamento desse extraordinário arquiteto e urbanista. Há, também, que se destacar a qualidade intelectual e a precisão dos entrevistadores pelas perguntas formuladas e pela construção de um raciocínio facilitador do entendimento.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot é arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ e articulista do jornal O Globo.
notas
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Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Um precioso testemunho. O Globo, Rio de Janeiro, Suplemento "Prosa & Verso", 06 nov. 2010, p. 5.
NE2
A publicação em Vitruvius aconteceu em junho de 2011, em procedimento de acerto da periodicidade da revista Resenhas Online.