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Leia a resenha de Claudia dos Reis e Cunha do livro "Taipa, canela-preta e concreto. Estudo sobre o restauro de casa bandeiristas" de Lia Mayumi, uma das poucas publicações brasileiras que trata da restauração de monumentos no país

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CUNHA, Claudia dos Reis e. Patrimônio bandeirista paulistano: métodos e critérios de preservação. Resenhas Online, São Paulo, ano 10, n. 119.01, Vitruvius, nov. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/10.119/4100>.


Patrimônio bandeirista paulistano

Métodos e critérios de preservação

A publicação de livros que tratem dos procedimentos e critérios para a restauração de monumentos no Brasil ainda são raros em nosso mercado editorial, mesmo sendo hoje em dia este tema, partícipe do campo geral da preservação da memória coletiva, alvo de crescente interesse, tanto nos meios especializados, quanto em relação ao público leigo. A problemática da proteção do acervo cultural brasileiro está na ordem do dia em muitos campos disciplinares e se consolidou efetivamente como questão. As pesquisas acadêmicas assim o demonstram. E é dessa fonte – o ambiente das pesquisas universitárias – que provém quase todos os trabalhos publicados.

Exatamente esse é o caso do livro Taipa, canela-preta e concreto, originado da tese de doutorado desenvolvida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) pela arquiteta Lia Mayumi.

A despeito da efetiva preocupação com a preservação do patrimônio brasileiro, quer seja entre um público amplo, quer se refira aos meios especializados, pouca atenção tem sido dispensada aos métodos de intervenção aplicados sobre esses bens escolhidos como memória a ser preservada. Percebe-se um grande descompasso entre as recorrentes discussões a respeito da necessidade de se preservar a memória em suas diferentes formas e manifestações frente à quase inexistência de debates sobre os meios operacionais que deveriam ser utilizados para o cumprimento de tal tarefa. E quando se fala aqui em debater os meios operacionais para a preservação, não se está pensando exclusivamente nas questões técnicas, na escolha de materiais ou de procedimentos, mas, sobretudo, nos princípios teóricos que embasam (ou deveriam embasar) a escolha deste ou daquele procedimento, desta ou daquela técnica aplicada sobre um determinado bem cultural. Poucos são os trabalhos cujo enfoque seja a restauração do patrimônio (1), aqui entendida como ação cultural que reafirma valores e estabelece formas de ver o bem cultural, na medida em que o produto final da intervenção será quase sempre a imagem cristalizada nas memórias da comunidade que deve se (re)apropriar do bem restaurado.

Justamente por se debruçar sobre assunto tão importante e ainda pouco explorado, o trabalho de Lia Mayumi é extremamente relevante para aqueles que se dedicam ao estudo da preservação dos bens culturais. A extensa pesquisa documental, embasada por sólidos referenciais teóricos, trazem diversos pontos de reflexão sobre a ação institucional de seleção, salvaguarda, restauração, ambientação e atribuição de novos usos a uma tipologia específica de bens culturais: as conhecidas casas bandeiristas.

O primeiro ponto a ser destacado das análises de Mayumi trata exatamente de como tal tipologia – casa bandeirista – passou a existir, configurando-se como uma forma de morar específica do planalto paulista, diferente das habitações rurais do mesmo período de outras regiões do Brasil, tal como as casas-grande do Nordeste.

A autora nos mostra que paralelamente à ascensão da figura do bandeirante – construção historiográfica mitificadora do paulista – paulatinamente as pesquisas sobre a produção arquitetônica dos primeiros séculos de ocupação do planalto de Pitatininga vai dando consistência à delimitação de uma forma de morar condizente com o caráter de seu morador, assim, passa-se da nomenclatura “casas velhas”, presente nos primeiros relatórios do Sphan (2), para consagrar a expressão “casa bandeirista”, surgida durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo, momento de afirmação e exaltação do caráter empreendedor e desbravador do paulista. Assim, “a idéia mesma da casa bandeirista adquiriu forte conotação simbólica, como se o tipo bandeirista fosse o primeiro indivíduo de uma linhagem hereditária, o primeiro fenômeno arquitetônico de uma linhagem arquitetônica. Era o berço do povo paulista, concebido e edificado pelo próprio paulista” (p. 40).

Um dos responsáveis por forjar a noção de casa bandeirista é Luiz Saia, substituto de Mario de Andrade na chefia da regional paulista do Sphan, que dirige de 1939 até sua morte, em 1975. A arquitetura paulista era verdadeira desconhecida nas primeiras décadas de atuação do órgão federal de preservação e, se comparada à riqueza e opulência de Minas ou Bahia, era igualmente indigna de maiores esforços de estudo em razão de sua pobre expressão plástica. Portanto, os primeiros inventários davam conta de algumas casa velhas, as quais deveriam ser preservadas em nome da História, por terem sido palco de célebres acontecimentos ou por terem abrigado moradores ilustres. Saia estuda com afinco a produção arquitetônica local, especialmente a arquitetura residencial rural, abrindo caminho para uma valorização dessa produção, não apenas do ponto de vista histórico, como também estético. Desenvolve sua tese da perfeita adaptação do paulista a uma estrutura social, que se desdobra no partido arquitetônico da casa, perfeita adaptação de modelos europeus às condições técnicas e econômicas locais, que perdura enquanto se mantêm as condições sociais e históricas do período das bandeiras. Uma noção de apogeu, seguida pela decadência estava explicitamente colocada. Daí descende a invenção de um tipo idealizado e a valorização dos exemplares “reais” tinha a exata medida da aproximação ou do afastamento desse ideal.

O processo de estudo e conhecimento dos exemplares arquitetônicos herdados do passado, a escolha de quais seriam dignos do tombamento federal e o próprio ato da restauração desses bens estavam, nos anos 1940, absolutamente imbricados. As teses levantadas em estudos eram confirmadas pela análise das obras nas intervenções de restauro e vice-versa, tal como registrado não apenas neste livro de Lia Mayumi, como também nos outros trabalhos aos quais se fez referência. Esse fato torna mais clara a compreensão das escolhas e dos procedimentos adotados nas restaurações, que geralmente tinham como meta restabelecer uma perfeição estilística, mesmo que isto implicasse na anulação da historicidade do bem cultural.

Como afirma Mauymi, “As restaurações orientadas pela tese de Luiz Saia nortearam-se pela idéia de promover a remoção de qualquer traço de ‘decadência’ do símbolo arquitetônico bandeirista, fosse ela decadência material ou simbólica” (p. 61).

A intervenção restauradora reescrevia a História, geralmente expurgando-a de aspectos negativos ou contraditórios. Fato que pode ser exemplificado pela demolição de todas as estruturas de apoio à casa, tais como paióis, barracões, hortas ou qualquer outra estrutura de uso cotidiano empreendida nas casas do Butantã e do Caxingui, oportunidades em que os paradigmas de intervenção desenvolvidos em experiências anteriores foram consolidados (p. 133). A casa é considerada como único elemento digno de preservação e é imersa em uma nova ambiência, tornando-a não mais um documento histórico ligado ao seu contexto, mas quase uma entidade extratemporal, que paira num imenso jardim escrupulosamente planejado pelo restaurador.

“A ação do Iphan pautava-se, sobretudo, pela idéia de construção da modernidade (cultural e arquitetônica) da nação. O resgate e a preservação dos edifícios históricos e artísticos submetiam-se a essa lei maior e, por isso, nada seria mais natural nessa tarefa edificadora do que estender o exercício da arquitetura – moderna – ao campo da restauração dos monumentos. Assim, no Brasil, o patrimônio e a restauração nasceram como instâncias subordinadas aos valores estilísticos de um projeto mais amplo de implantação do modernismo” (p. 136).

O ideário modernista que está na gênese de nossas práticas patrimoniais brasileiras perdurou entre as gerações seguintes de preservacionistas (e, em certo sentido, perdura ainda hoje). Este é outro ponto importante que a pesquisa de Lia Mayumi nos revela. Mesmo quando os pioneiros técnicos do Patrimônio estavam já afastados de suas lides, a tradição por eles estabelecida era reproduzida nos procedimentos de seleção e, principalmente, de restauração de bens culturais. O que não significa que não tenha havido mudanças em nossos órgãos de preservação, agora não mais circunscritos à esfera federal, ao contrário, as formas tradicionais ou canônicas de intervenção passaram por uma série de críticas e revisões a partir dos anos 1970. Se antes bastava, como afirmava Saia, ser bom conhecedor das arquiteturas tradicionais e da arquitetura moderna, dispensando o conhecimento especializado das técnicas e teorias da restauração (3), a partir dos anos 1970 esse conhecimento não era mais suficiente. O conhecimento empírico e a própria história da arquitetura brasileira construída por esses pioneiros continuam a ser a base de estudos e compreensão dessa produção. Porém, agora confrontados com orientações teóricas e princípios metodológicos de intervenção que passam a fazer parte do universo daqueles que atuam nessa esfera. Desse modo, percebe-se nas restaurações mais recentes apresentadas no livro uma constante tensão entre a orientação canônica e os conhecimentos teórico-metodológicos oferecidos pela teoria do restauro.

Alguns traços, no entanto, insistem em perdurar e são destacados nas conclusões do trabalho de Lia Mayumi (p. 300-301): 1) a “limpeza” da edificação, que é descarnada de todos os revestimentos, pisos, forros, paredes divisórias internas e outros elementos, em nome da busca por vestígios da configuração original do monumento; 2) a consolidação das paredes maciças de taipa com o uso do concreto armado; 3) remoção completa e sucessiva execução de novo reboco, entendido como “superfície de sacrifício” e fatalmente fadado à substituição periódica; 4) com a renovação completa do reboco, chega-se a uma aparência homogeneamente nova da construção, suprimindo irregularidades e as marcas do tempo (pátina) estratificadas naquelas superfícies definitivamente perdidas.

Desses quatro pontos, surgem alguns questionamentos sobre a verdadeira distância que nos separa daquele momento inaugural das práticas de preservação no Brasil. Métodos de pesquisa estratigráfica não-invasivos já são utilizados em diversos países e a manutenção da “limpeza” tal como é feita há mais de sete décadas no Brasil não representa um desejo velado de continuar identificando restauro com pureza estilística? Pureza essa reforçada por um tratamento das paredes homogêneo, com extensas superfícies eternamente brancas, conseguidas à custa de freqüentes repinturas à cal, o que acaba comprometendo um princípio elementar da restauração que é a distinguibilidade entre a estrutura antiga e as intervenções contemporâneas. De nada adianta adotar o concreto para reforçar as taipas (material moderno e distinto do original – em pleno acordo com as recomendações da Carta de Atenas), se esse concreto é camuflado pelo reboco novo. Como adverte Beatriz Kühl: “Sinais de transcurso do tempo são cada vez menos apreciados em nossa sociedade. Com essa tendência atual à renovação e à pasteurização de superfícies, muito se perde da riqueza e da vibração resultantes dos próprios métodos de execução tradicionais de argamassas e de pinturas e dos ‘acidentes’ da vida de uma obra” (4).

A persistência dessas formas de intervenção insinuam que a despeito das transformações nos conceitos de patrimônio e de seu valor na sociedade contemporânea, mantém-se uma concepção de patrimônio atemporal, distante das vicissitudes históricas. A leitura dos monumentos, apesar do discurso mais amplo de patrimônio que se propala, continua a ser feita a partir de suas características estéticas. Mas a leitura estética que se faz agora é ainda mais rasa do que aquela da fase heróica, resumida à aparência exterior do monumento, que deve ostentar cores chamativas e alegres, num quadro de apropriação consumista e vazio daquilo que deveria ser a materialização da memória coletiva.

notas

NE
Publicação original do texto: CUNHA, Claudia dos Reis e. Patrimônio bandeirista paulistano: métodos e critérios de preservação. Projeto História. Revista do Programa de Estudos de Pós-Graduação em História, PUC-SP, vol. 40, jul. 2011, p. 533-539. Disponível em <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/6154/4469>.

1
Ao trabalho pioneiro de Janjão – ANDRADE, Antonio Luiz Dias de. Um Estado completo que pode jamais ter existido. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 1993 – vem agora se somar outros, dente os quais se destaca: ROMAN, Tâmara. Igreja Nossa Senhora do Rosário e residência anexa, Embu-SP. Análise da documentação do restauro de 1939-1940. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2003. GONÇALVES, Cristiane Souza. Metodologia para a restauração arquitetônica: a experiência do Sphan em São Paulo, 1937-1975. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2004.

2
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão federal de preservação, criado em 1938 e que hoje recebe a nomeação de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan.

3
Cf.: SAIA, Luís. Até os 35 anos, a Fase Heróica. CJ Arquitetura, São Paulo, n. 14, 1977, p. 16.

4
KÜHL, Beatriz Mugayar. O tratamento das superfícies arquitetônicas como problema teórico da restauração. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 12, jan./dez. 2004, p. 322.

sobre a autora

Claudia dos Reis e Cunha é doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) na área de concentração História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo. Docente na Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia (FAUeD-UFU).

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resenha do livro

Taipa, canela-preta e concreto. Estudo sobre o restauro de casas bandeirista

Taipa, canela-preta e concreto. Estudo sobre o restauro de casas bandeirista

Lia Mayumi

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