O livro Arquitetura do lugar: uma visão bioclimática da sustentabilidade em Brasília, publicado pela Nova Técnica Editorial de São Paulo em 2011, é uma obra resultante dos recentes trabalhos da professora Marta Romero, que sintetiza pesquisas realizadas entre 2006 e 2007, por meio do Grupo de Pesquisa “A sustentabilidade na arquitetura e urbanismo” e do “Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e Urbanismo – LaSUS”, ambos sob sua coordenação e vinculados ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação da FAU-UnB. A referida obra traduz conceitos, teorias e métodos aplicados à reabilitação arquitetônica e urbanística e, a partir de exemplos e considerações analíticas em Brasília e na região do Plano Piloto, no Distrito Federal do Brasil, como também por meio de estudos das dinâmicas complexas do sítio e das escalas de análise do espaço construído, subsidia a promoção de espaços públicos abertos qualitativos, exemplificando a visão da autora sobre a arquitetura, o urbanismo e a paisagem sob o foco bioclimático e da sustentabilidade.
O trabalho está dividido em três partes que, por sua vez, foram subdivididas em oito capítulos. A primeira parte trata da “Identidade Urbana”, a segunda da “Sustentabilidade e Seus Efeitos Urbanos” e, por fim, a terceira e última parte sobre a “Avaliação Escalar do Espaço Público Aberto”, na qual se apresenta a metodologia proposta pela autora. A primeira parte do trabalho (Identidade Urbana) se divide em dois capítulos, “O Conceito de Lugar e a Cidade Antiga” e o “Lugar e Forma: O Genius Loci de Brasília”. A segunda parte do trabalho (Sustentabilidade e Seus Efeitos Urbanos) está dividida em quatro capítulos: “Integridade dos Espaços Públicos Aberto: Os Aspectos Normativos”; “Clima e Ambiente”; “Microclimas Urbanos e as Variáveis Relacionadas ao Uso do Solo” e, por último, “Conformação Urbana e Conforto”. A terceira e última parte do trabalho (Avaliação Escalar do Espaço Público Aberto) consiste de dois capítulos: “Condições de Uso e Vivência nos Espaços Públicos Abertos” e “Uma Proposta Interativa para Qualificar o Espaço”. O livro termina oferecendo as considerações finais, no capítulo intitulado “À Guisa de Conclusão: Perspectivas”.
O objetivo do trabalho é atingir uma compreensão do senso de lugar, de pertencimento e da percepção da cidade, com base, por um lado, em uma gama ampla de exemplos de diversas urbes que fornecem estudos de caso interpretados por teóricos de referência no campo do urbanismo e, por outro, no desenvolvimento de uma proposta metodológica para avaliação das condicionantes urbanas abrangendo suas escalas morfológicas, as determinantes bioclimáticas, de conforto ambiental e a eficiência energética capazes de prover espaços construídos mais sustentáveis, aplicadas na análise e interpretação dos espaços públicos da região do Distrito Federal.
Ao longo de 164 páginas, o trabalho retoma uma tese recorrente da autora, relativa à relevância, para fins de sustentabilidade, de tratamento da cidade e a arquitetura como elementos contribuintes e constituintes do lugar, responsáveis pela coesão e sentido de comunidade, cultura e história dos indivíduos que habitam e convivem no urbano.
Em tempos de incertezas e de surgimento de novos (ou reformulados) ideais de cidade, a Arquitetura do lugar: uma visão bioclimática da sustentabilidade em Brasília traz uma articulação de argumentos de diversas ordens sobre a necessidade de se propor um urbanismo e uma arquitetura sustentáveis, que permitam o desenvolvimento de um senso de identidade do lugar considerando as condicionantes do espaço construído e se traduzem em ambiência qualitativa para todos os cidadãos. Conceitos como sustentabilidade na arquitetura e urbanismo, arquitetura da paisagem, bioclimatismo, eficiência energética e conforto ambiental, entre outros, são discutidos por meio de exemplos e numerosos croquis ilustrativos. São também oferecidas aplicações técnicas e teóricas, com base numa extensiva revisão da pesquisa na área, com especial foco nas ferramentas norteadoras para os que “projetam, dirigem e gerenciam a cidade” bem como “aos estudantes e profissionais arquitetos e urbanistas” (p. 11). O eixo norteador desta obra se situa na reflexão sobre as dinâmicas do clima e do meio ambiente e suas interações na constituição de espaços abertos construídos e seus impactos morfológicos sobre a qualidade ambiental. Nessa perspectiva, Marta Romero propõe soluções urbanísticas que podem ser operacionalizadas para uma realidade cada vez mais urbana para a sociedade contemporânea e futura.
A primeira parte que trata da Identidade Urbana se inicia fornecendo elementos para a compreensão do sítio, com a apresentação de cidades antigas e sua relação harmoniosa que decorre do forte sentido de lugar e da coesão social, traduzidos em memória, preservação e identidade. Assim, analisa-se o lugar, adotam-se critérios de escolha e, após a construção e constituição do sítio urbano, percebe-se um processo de acomodação da massa edificada ao longo do tempo e conforme a formação da paisagem cultural. Como estudo desse processo de configuração urbana, a obra apresenta a cidade de Brasília a partir da formação do seu sentido de lugar (genius loci) e das interpretações das condicionantes de projetos urbanos que se transcorreram.
O trabalho adentra, numa segunda parte, os meandros conceituais da sustentabilidade e seus efeitos urbanos característicos, dando ênfase aos espaços públicos que propiciam integridade, acessibilidade, ambiência e coesão social, como a paisagem, o lugar, o ambiente público, as relações comunitárias e os recursos, todos eles considerados aspectos do ambiente que conferem sustentabilidade ao urbano (p. 41). A autora enfatiza a importância da compreensão do clima e do meio ambiente na atuação sobre o espaço urbano e, para tanto, reporta-se a uma avaliação dessas condicionantes em Brasília, demonstrando as características por meio de estudos diversos, croquis e simulações computacionais do conforto térmico nos espaços do Distrito Federal. Mostra ainda que, por sua vez, os microclimas urbanos sofrem intensas alterações relacionadas ao uso do solo e interferências das superfícies edificadas ou pavimentadas, bem como da proporção de áreas verdes e superfícies de água, fato este quase sempre negligenciado pelo planejamento urbano. A presente obra de Marta Romero reforça seu auxílio técnico aos gestores urbanos, permitindo subsídios e ferramentas técnico-teóricas para a compreensão dos efeitos antrópicos atuantes sobre o clima urbano e o conforto ambiental.
Apoiada na análise das condições de uso e vivência nos espaços públicos abertos, a terceira e última parte da obra apresenta uma proposta interativa para qualificar o espaço, decorrente de uma metodologia de avaliação escalar do espaço público aberto proposta pela autora. Mais uma vez, reporta-se aos estudos e medições realizados em Brasília pelos pesquisadores de seu Laboratório para estabelecer parâmetros de dimensões e de vitalidade dos espaços públicos.
O texto prima pela busca da integração conceitual de autores diversos que propõem a análise do urbano conforme suas referências morfológicas, ambientais e de convívio. No capítulo final do livro é ressaltada essa reverberação conceitual, quando a autora apresenta a ideia de se projetar a arquitetura e o urbanismo conforme os preceitos da sustentabilidade e do bioclimatismo, com vistas a estabelecer uma nova ordem ambiental que possa levar em consideração as condições do ambiente, evitando perdas e degradação do entorno, bem como propiciar a integração da cidade à seu ambiente e natureza.
A percepção ambiental por meio de escalas – da cidade, do setor, do lugar e do edifício – é o método analítico apresentado para a compreensão global e parcial (ou local) da cidade, configurando uma leitura urbana mais completa e capaz de interpretar as interações complexas que envolvem a cidade e a sua morfologia edificada.
Nesta obra, Marta Romero traz à público seus recentes estudos sobre a arquitetura e a cidade, determinantes de uma nova percepção sobre a forma de se propor projetos e planejamentos, que nem sempre consideram as questões específicas do lugar. O espaço público, hoje, é um dos elementos negligenciados na cidade, em especial, nas cidades brasileiras. A diminuição dessas áreas, a obsolescência, o abandono ou a substituição de espaços de convívio comunitário por novos espaços privados acabam por segregar as partes da cidade, segmentando em classes uma população já bastante individualizada pela rotina diária entre trabalho e morada. Nas palavras de Romero: “A recente perda e decadência dos espaços públicos abertos, em que se fecha, literalmente, o espaço público e, portanto, elimina-se o clima de convivência cidadã, é um fator que compromete a sustentabilidade do espaço, especialmente de espaços projetados, como Brasília, que são exemplo de patrimônio da humanidade. A contraposição de medidas sustentáveis a esse fechamento exige uma abordagem global do espaço urbano e suas complexas relações, no qual uma visão sistêmica, integrada e inter-relacional deve apoiar a investigação e seus desdobramentos” (p. 153).
O texto de Romero nos oferece subsídios para incentivar a própria participação da coletividade na vida urbana, esta que é característica de uma sociedade que exerce sua cidadania e que pode ser reforçada a partir de um desenho de cidade coeso, compacto e que permita espaços qualitativos à população. Nesta obra atesta-se também o impacto que os projetos urbanos e seu planejamento podem exercer sobre a psique coletiva e comportamental, induzindo a condutas mais ou menos comunitários de acordo com a relação dos indivíduos entre si e com a sua cidade.
A leitura da Arquitetura do lugar é uma referência bibliográfica importante, com resultados inéditos, e vem suprir algumas lacunas de abordagens no processo de ensino, projeto e planejamento de edificações e do urbano. Sua leitura interessa a todos que desejam compreender a cidade e a arquitetura dentro dos novos paradigmas da sustentabilidade, assim, é referência para gestores urbanos, pesquisadores e estudantes de graduação e pós-graduação no campo da arquitetura, do urbanismo e do planejamento.
Para os que conhecem as pesquisas da professora Marta Romero frente ao LaSUS e à FAU-UnB, esta obra se delineia como uma compilação bem acabada de sua abordagem teórico-metodológica das questões urbanísticas. E para os que tiveram menos acesso às suas ideias de sustentabilidade para o habitat humano na cidade, o livro apresenta uma excelente oportunidade para conhecer e confrontar conceitos e críticas sobre o modo de se pensar e construir a arquitetura e a cidade.
sobre o autor
Geovany Jessé Alexandre Silva é doutorando do programa de pesquisa e pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – PPG-FAU-UNB e professor de arquitetura e urbanismo da Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat-MT.