As palavras são os tijolos; as frases seriam as vigas e pilastras; cada estrofe ao final forma uma parede e após 64 páginas, a Arquitetura moderna potiguar de Gustavo Sobral finalmente se transforma em um inteligente monumento de escrituras e análises sobre os espaços urbanos que construíram e constroem o urbanismo da capital potiguar. Uma estrutura moderna literária sucinta e indispensável para quem pretende – ou não – se aprofundar no tema.
Com foco nas residências unifamiliares dos anos 1950 e 1960, o livro ganha o leitor logo de cara quando parte do princípio de descontruir seu principal objeto: a construção. Com uma precisa descrição de como a casa 510 da Rua Mossoró veio abaixo justamente para ceder espaço ao avanço da cidade, o autor transporta imediatamente o leitor para o local dos destroços da casa, um observador das estruturas da escada em “tons pastéis” espalhados pelo chão.
A Arquitetura moderna potiguar também não apresenta uma leitura excludente, até os mais leigos no assunto poderão encontrar referências diretas para o entendimento do novo estilo modernista que com seus panos de vidro e pilastras causava frisson na pacata cidade montada até então sob a ótica neocolonial.
Outro cuidado interessante do livro é o de situar o leitor nos dois tempos, passado e presente. Ao mesmo tempo em que descreve com detalhe as estruturas “cinquentistas”, se preocupa em interligar também os mesmos espaços mais de meio século depois, proporcionando ao leitor uma interpretação completa. “De um lado ficava a casa do advogado Edier Furtado, hoje uma clínica odontológica, Paulident Odontologia, 459, Petrópolis”.
A preocupação com a modernidade não apenas no exterior das casas, como também dentro delas com os objetos que as compõem, é muito bem lembrada pelas observações de Gustavo Sobral que exemplifica a tendência inusitada e igualmente necessária citando como exemplos as ideias de Lina Bo Bardi, que projeto o Masp, e a nível local, Ubirajara Galvão que mesmo com a dificuldade de arranjar materiais investiu com sensatez nesse nicho de mercado.
Aqui vale uma observação da ironia do tempo. O primeiro projeto de Ubirajara Galvão em Natal, a casa 744 da Hermes da Fonseca, por enquanto esta livre do destino que assombra todos os projetos que ainda resistem com o tempo: a verticalização. Hoje, após quase 3 décadas desde que foi erguida, a casa funciona como uma loja de tapetes, no entanto desconfigurada de suas características originais.
Mas se engana quem acha que a Arquitetura moderna potiguar fica apenas no território que o título delimita. Sutilmente, Gustavo também nos transporta à realidade nacional, frisando principalmente como as ideias do arquiteto e artista francês Le Corbusier estavam se espalhando pelo país que por sua vez se tornava ideal para as mudanças: passava por um processo político favorável ao novo estilo de urbanismo. Era o “novo” país de Vargas.
Um personagem chama atenção sempre quando entra nas linhas, aquele que indubitavelmente viria a se tornar o maior nome da arquitetura “Made in Brazil”, Oscar Niemeyer. Em Arquitetura moderna potiguar, o ícone aparece como um jovem arquiteto sem o peso do nome atual preocupado apenas em aproveitar as primeiras oportunidades de uma carreira que nem sabia se daria certo. “Trabalhou com Lúcio Costa de graça porque sabia que este era um arquiteto importante”.
Em 1945 estaria pronto não apenas a obra que lançaria a arquitetura moderna no Brasil como também no mundo, o Ministério da Educação e Saúde, ou o navio azul e branco contra o céu como definiu Vinícius de Moraes, projeto que teve toques certeiros do jovem Niemeyer.
E já que estamos falando em design, não vale deixar de fora da porta também uma observação sobre a estrutura do livro que visualmente agrada e surpreende pelo formato adequado. Mais largo (continuando no campo das comparações, pode-se dizer que lembra um azulejo) para que ao invés de formar uma pilha de informações em baixo da página, apresente referências e algumas fotos ao lado dos textos. A capa bem humorada traz uma arte muito singela da tal casa 510 da Rua Mossoró, o toque certo para o clima agradável da leitura.
O livro também não seria o mesmo sem uma parceria muito bem explorada com o arquiteto Moacyr Gomes que durante a construção do livro cedeu duas entrevistas à Gustavo Sobral. Responsável por um dos maiores símbolos da cidade, o Estádio João Machado, ou Machadão, que em breve vai se tornar apenas uma lembrança assim como a casa 510 da Rua Mossoró (O Estádio será demolido para a Copa de 2014 e em seu lugar será construído o Arena das Dunas). Moacyr se insere bem como uma conexão entre os promissores nomes do modernismo nos anos 50 em Natal, dando um ar certamente mais documental à obra.
Pensar em Arquitetura moderna potiguar é pensar em como principalmente Dr. Paulo e Dona Abigail saem da Casa 510 da Rua Mossoró e se mudam para o Edifício Café Filho, na João Fabrício 662. É pensar em como Natal aos poucos também acompanhou o casal e se mudou da altura do Pilotis para o primeiro, segundo, terceiro e consecutivos andares. Edifícios que se tornaram maiores que as próprias Dunas que cobriam a capital potiguar, andares que revelam o desejo de Natal – que ainda carrega fortemente características da calmaria da era de ouro – em se tornar uma boneca de luxo, maquiada, independente e moderna urbanisticamente.
sobre o autor
Henrique Arruda é jornalista e repórter do Novo Jornal, Natal RN.