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Leia a resenha de Maria Lucília Viveiros Araújo sobre o livro "Higienópolis: grandeza de um bairro paulistano" de Maria Cecília Naclério Homem, que teve sua segunda edição revista e ampliada lançada recentemente

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ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Higienópolis: convivendo com a verticalização. Resenhas Online, São Paulo, ano 10, n. 120.01, Vitruvius, dez. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/10.120/4142>.


Em setembro passado deu-se o lançamento da segunda edição, revista e ampliada, de Higienópolis: grandeza de um bairro paulistano. Amigos, estudiosos e moradores do bairro compareceram à noite de autógrafos, na Livraria da Vila do Shopping Pátio de Higienópolis, para cumprimentar a autora.

Maria Cecília Naclério Homem é paulistana, bacharel e licenciada em Letras Neolatinas pela Universidade de São Paulo. A seguir, estudou História, História da Arte e da Arquitetura nas universidades de Madrid e Lisboa, tendo realizado mestrado e doutorado nessas áreas, direcionadas para o conhecimento do patrimônio histórico e arquitetônico paulista e a necessidade de sua preservação. Trabalhou como pesquisadora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e no Instituto de Estudos Brasileiros, ambos da USP. Além de artigos de sua autoria, salientam-se o Catálogo Vila Penteado, 1976; a primeira monografia histórica sobre Higienópolis, premiada em 1979 e publicada pela Prefeitura em 1980; O Prédio Martinelli: a ascensão do imigrante e a verticalização de São Paulo, 1984; O palacete paulistano: outras formas urbanas de morar da elite cafeeira (1867-1918), 2ª ed. 2010. Realizou ainda Cozinha e indústria: São Paulo, 1800-2008, a ser publicado pela Edusp. Atualmente, como pós-doutorado, dedica-se ao estudo das tipologias e usos da habitação paulista durante o império do café com o objetivo de chegar à História do Cotidiano e da Cultura Material.

Esta edição de Higienópolis saiu com acréscimos. Inclui 160 fotos, além de outras ilustrações e um capítulo sobre a revitalização do bairro ocorrida entre 1980-2007, apresentando gráficos indicativos do potencial de renovação da região. Encontram-se num CD as plantas antigas da capital, a das chácaras que existiram na região e as do loteamento do bairro, que foi realizado por dois empresários teuto-brasileiros: Victor Nothmann (s.d.) e Martinho Burchard (1851-1903). Exibe também a legislação específica da prefeitura de São Paulo, as manchas referentes às residências e moradores que ocuparam a Avenida Higienópolis nos inícios do século 20, desenhos e plantas de antigas residências e condomínios exponenciais, e a lista dos bens tombados na região ou que se encontram em vias de tombamento.

O livro nos proporciona um passeio pelo tempo e pelas ruas de Higienópolis. A autora considerou “como Higienópolis”, o conjunto composto pelas dezoito ruas que compuseram o empreendimento original, situado no lado ímpar da avenida homônima, no lado par e nos entornos, sempre que ocupados como os mesmos objetivos do loteamento inicial (p. 23 e anexo 5: planta Boulevards Burchard). Isto é: de bairro exclusivamente residencial, classe A, dotado de todo serviço de infraestrutura urbana. Os lotes grandes, tipo chácaras, eram ocupados por amplas residências, implantadas com recuos fronteiros e laterais, em meio a jardins cercados por gradis de ferro. A monografia pretendeu traçar a história do bairro, as diversas fases de sua ocupação e seus modos de vida, e resgatar a sua tradição ameaçada “de perda pelo esquecimento ou pela sanha da especulação imobiliária” (p. 24).

Numa alusão aos ensinamentos do fundador dos Annales: “compreender o presente pelo passado” (1), a obra apresenta a formação do bairro para problematizar as condições atuais. O estudo utilizou relatos orais inéditos de antigos moradores, memórias publicadas, clássicos da historiografia paulista e farta documentação visual.

Os primeiros capítulos tratam da expansão urbana da capital na passagem para o século XX e o adensamento da população nos arrabaldes. Nessa época, a elite paulistana procurou instalar novas residências nas terras mais altas, na vizinhança do antigo “Triângulo Central”, empreendendo um trajeto pelo espigão da Avenida Paulista, ainda coberto pelas matas do antigo Caaguassu. Aí floresceram os bairros de Higienópolis, na face Norte, e a ocupação daquela Avenida, na sua crista, que se caracterizaram por constituir importantes conjuntos residenciais da arquitetura do ecletismo. Feita com a técnica de tijolos e seu rico potencial de recursos, essa arquitetura era composta de estilos históricos ou regionais importados, tais como: neorrenascentista, neoclássico, neogótico, neorromânico, neobizantino, florentino, chalés alpinos, etc. ou resultava da mescla de vários estilos na mesma obra.

Os Boulevards Burchard, primitivo nome do loteamento, desenvolveram-se em parte das terras pertencentes ao Conselheiro Ramalho, situadas entre a Consolação e o Pacaembu, abaixo das quais havia três importantes chácaras, a de D. Maria Antônia da Silva Ramos, a de D. Veridiana da Silva Prado e a de D. Angélica de Souza Queiroz Aguiar Barros, cujos loteamentos dariam origem, respectivamente, a três redutos urbanos contíguos a Higienópolis: Vila Buarque, Santa Cecília e o antigo bairro das Palmeiras, depois unido ao segundo. No capítulo “A belle époque paulista”, a historiadora descreve o estilo de vida dos moradores de Higienópolis, entre os quais de D. Veridiana da Silva Prado e de sua imensa parentela, como exemplos do “grã-finismo em São Paulo” (p. 167), fase em que a tradicional elite paulistana procurou seguir e adquirir os modelos importados das principais capitais europeias.

Nos capítulos finais, Maria Cecília periodiza em três fases as mudanças ocorridas quanto à ocupação do loteamento: descaracterização (1930-1949), interregno (1950-1979) e revitalização (1980-2007). A descaracterização fora considerada como decadência do bairro na primeira edição, uma vez que muitas famílias ou perderam fortunas com a grande depressão de 1929 ou se mudaram do bairro. Algumas das grandes mansões, com seus jardins e pomares, foram aos poucos parcelados para acomodar residências menores, ou se transformaram em casas de aluguel, pensões, escolas etc., processo que levaria o bairro a se tornar uma área abandonada ou desvalorizada, como ocorrera nos Campos Elíseos.

Contudo, decorridos trinta anos após a primeira edição, a área acabou evoluindo de modo positivo, o que possibilitou avaliar esse período como de revitalização. Após a Primeira Grande Guerra, Higienópolis teria perdido o status de bairro de milionários para a Avenida Paulista, os Jardins e o Pacaembu. Muitas mansões cediam lugar para os primeiros condomínios verticais enquanto a elite preferia mudar-se para regiões mais distantes e tranquilas. Por outro lado, elementos da classe média procuravam instalar-se naquela localidade. O processo de verticalização do bairro iria se intensificar a partir dos anos 1940, consolidando-se com a Lei de Zoneamento de 1972, tanto mais que esta “abriu caminho para os usos não residenciais, em áreas anteriormente definidas como estritamente residenciais” (p. 135).

Áreas livres e arborizadas, boas escolas, hospitais, praças, centros culturais, restaurantes, edifícios glamorosos etc., têm mantido, no bairro e arredores, moradores pertencentes às classes economicamente bem-sucedidas. São eles: profissionais liberais e diversos detentores do poder econômico e de decisão tais como banqueiros, políticos, diplomatas, artistas, além de outros indivíduos formadores de opinião e personalidades pertencentes à mídia. Essa condição vem possibilitando reformas e manutenção apropriadas dos antigos imóveis, enquanto os novos empreendimentos de luxo estão atraindo moradores provenientes de outras áreas, entre os quais se destacam os coreanos, atuais proprietários de confecções no Bom Retiro.

O papel das associações, no que se refere à revitalização do bairro, é abordado nas últimas páginas. Em especial a “Associação de Moradores do Pacaembu, Perdizes e Higienópolis” – Amapph, que envolveu moradores, comerciantes e repartições municipais no projeto de “despoluição” da Avenida Angélica, sob a orientação de professores dos cursos de pós-graduação da FAU USP, situados na Rua Maranhão, 88. Aproveito o ensejo para sugerir um novo estudo, qual seja o aprofundamento da análise do desempenho das entidades de moradores, haja vista que o envolvimento delas na dinâmica do bairro coincidiu com o ciclo de renovação dessa área. As negociações entre as associações locais e os construtores do shopping, fato singular em São Paulo, evidenciam que elas alcançaram considerável força de pressão política.

Por fim, Maria Cecília alerta para a redução do número de habitantes por domicílio no distrito da Consolação e para o aumento do número de edifícios comerciais, em detrimento dos residenciais. O relatório da urbanista Ruth Rutman, apresentado à Associação dos moradores da Vila Buarque/Consolação, insiste na necessidade de predominância residencial dos distritos para garantir a qualidade dos espaços públicos. Quer dizer, as opiniões desses urbanistas diferem radicalmente dos planos diretores do município que pregam a vocação comercial das áreas centrais da capital.

A edição da Edusp aprimorou ainda mais as qualidades da impressão pioneira, no entanto, continuo preferindo a antiga capa que exibia a Avenida Higienópolis dos primeiros tempos, vendo-se os bondes a tração animal e os antigos casarões, ao lado da sua fase moderna, ocupada pelos automóveis e arranha-céus. Além disso, como a obra deve interessar ao público de diversas localidades e profissões, o mapa atual das ruas de Higienópolis, se apresentado no primeiro capítulo, poderia facilitar a leitura da narrativa. As demais plantas ficaram bem enquadradas nos anexos.

Higienópolis tem sido tema de muitos artigos jornalísticos, mas de poucos estudos acadêmicos, por isso a obra, pioneira quanto a desvendar o processo de ocupação do bairro e arredores, continua indispensável para o seu entendimento. Ela interessa tanto aos estudiosos do urbanismo quanto aos moradores dos municípios que necessitem de soluções alternativas para o crescimento desordenado das cidades modernas.

nota

1
BLOCH, Marc. Introdução à História. Tradução M.M. Miguel e R. Grácio. Lisboa, Europa-América, 1965, p. 42.

sobre a autora

Maria Lucília Viveiros Araújo é graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, com doutorado e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo. Publicou Os caminhos da riqueza dos paulistanos na primeira metade do Oitocentos, 2006.

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