O livro Oscar Niemeyer: de vidro e concreto, de Frederico de Holanda, deverá interessar leitores da área de arquitetura e urbanismo, mas também todos aqueles que se interessam pelo tema “cidade e espaços urbanos”. O autor inicia o livro esclarecendo que pretende divulgar os resultados das investigações das pesquisas realizadas na área de Dimensões morfológicas do processo de urbanização.
Frederico de Holanda aprofunda o olhar sobre a obra de Niemayer como espaços das arquiteturas. Traz uma análise sobre a relação dos espaços interiores com os espaços exteriores, fazendo um estudo crítico para demonstrar a sabedoria do arquiteto em trabalhar com esta função da arquitetura para usufruto do ser humano. Questiona em que medida as obras de Niemayer contribuíram para a caracterização dos espaços urbanos nos quais foram inseridos. Obras como Pampulha, Catedral de Brasília e o Parque do Ibirapuera são alguns dos exemplos analisados pelo autor para construir o arcabouço reflexivo, com que ele mostra os processos de transformação pelos quais Oscar passou ao longo de sua carreira.
No já clássico artigo “A determinação negativa do movimento moderno” (1), Holanda também afirma que a obra do arquiteto, pouco contribuiu para a consolidação de uma forma particular de cidade. Entretanto, até hoje, para os municípios que tem interesse em adquirir um projeto de grife, a obra de Oscar Niemayer ainda é a mais cotada para valorizar uma cidade com projetos assinados por ele (p. 31). Neste contexto podemos questionar que esta “tradição” é enfatizada pela falta de concursos públicos de arquitetura e urbanismo, que poderiam sim, descobrir novos talentos e trazer obras também significativas. Somente o interesse do mercado imobiliário aliado a um poder político equivocado perpetua este quadro.
Na introdução o autor esclarece que o texto trata das relações internas e externas dos espaços criados por Oscar Niemayer. Holanda pergunta: quais são as formas dominantes e quais as transformações que ocorreram através do tempo? Quais foram as implicações neste aspecto no trabalho de Oscar? O autor coloca que a arquitetura como “pele” do espaço, através de aberturas e fechamentos define o “espaço interno”, determinando as transparências, a temperatura, os ruídos, o movimento, a visibilidade dos espaços construídos que difere no “espaço externo” com o qual o interno se relaciona. Na obra de Niemayer estes limites são vivenciados ao máximo, algo muito próximo da pirâmide de Gizé (p. 38). É interessante perceber os paralelos de ícones arquitetônicos históricos a que o autor se refere, colocando assim, a obra de Niemayer como algo faraônico.
No capítulo Praças e largos (p. 45) descreve que a arquitetura de Niemayer e afirma que ela determina um intervalo de aberturas e fechamentos de transparências e de opacidades, mas pergunta em como variaram os espaços externos ao longo do tempo? Questiona em como as pessoas foram afetadas neste contexto? Para responder, o autor faz uma visita em obras que ele conhece pessoalmente, optando por não seguir uma linha histórica. Esta decisão dificultou um pouco a leitura da obra por leigos ou por pessoas que não conhecem nosso país, nem os locais das obras citadas. Inicia a análise com o projeto do antigo Ministério de Educação e Saúde (atual Palácio Gustavo de Capanema), observou como Oscar teve a sensibilidade de afastar o bloco mais alto para formar uma praça interna. Com o aumento da altura dos pilotis, trazendo transparência ao espaço público transformando-o em uma praça mineral agradável para os pedestres circularem. Afirma que poucas vezes a arquitetura moderna conseguiu tanto equilíbrio entre o espaço interno e o externo como neste exemplo. Com certeza nesta obra, este equilíbrio entre vazios e cheios, luz e sombra trouxeram conforto ambiental para os usuários da praça que podem aproveitar da sombra formada pelos pilotis, qualidade esta imprescindível num país de clima tropical.
No capítulo Natural x construído (p. 55) discorre que as relações espaço interno x externo geram o tema das relações natural versus construído, onde a incorporação dos elementos da natureza no projeto promoveu as dimensões biológicas e sensíveis. Coloca que Niemayer considera que a Pampulha em Belo Horizonte (1940) é a “virada brasileira para a arquitetura moderna”. As curvas e o uso do vidro, para evidenciar a paisagem externa e a iluminação intensa serão retomados depois na catedral de Brasília (p. 59). As marquises desenhadas pelo arquiteto são um filtro sutil pois marca o lugar através de uma pele onde sua obra define as “casas abertas”. Na marquise da Casa de Baile, ela é o espaço definido por um plano horizontal que demonstra o avanço do concreto e abre um novo tipo de arquitetura.
O mesmo desenho com a tecnologia do concreto se repetem no Parque do Ibirapuera, com a marquise interligando diversos edifícios, criando uma fabulosa promenade architecturale que tem uma identidade forte na paisagem. Neste projeto o arquiteto definiu os traços marcantes de seu pensar compositivo e o diálogo entre as formas livres e puras e a incorporação da natureza no projeto, refletem uma arquitetura, que para Holanda é chamado de dionisíaca. Na Casa das Canoas, o autor refletiu que os mesmos signos aconteceram também aqui, onde a inserção da rocha imensa faz parte do projeto e integra a paisagem circundante no interior da residência. Esta mesma estratégia acontece no projeto do Museu de Arte Contemporânea em Niterói (1991), um volume regular em forma de cálice reflete a paisagem circundante do mar e das montanhas no horizonte e demonstra o cume da arquitetura dionisíaca de Niemayer.
No capítulo Atributos da pele (p. 79), Holanda considera que Niemayer manipulou as transições interior/exterior em face dos atributos da pele dos edifícios, sua estrutura de acessibilidade e sua visibilidade. Dando como exemplo o projeto do Instituto Central de Ciências da UnB, mais conhecido como minhocão, o arquiteto experimentou uma mega-estrutura de 720m de comprimento com espaços cheios e vazios para dar visibilidade ao lago Paranoá. Como símbolo do campus universitário, reflete a utopia de integração universitária mesmo que seja apenas em sua forma morfológica. No Palácio da Alvorada (1957) o arquiteto quis evocou a casa da fazenda com seus enormes gramados e as cores da nova capital, verde e branco. Mostra que a sequência espacial é uma das mais surpreendentes já criadas por Niemayer. Na catedral de Brasília (1959) emprega na monumental estrutura o princípio inverso, elevando os espaços externos e rebaixando o interno. O jogo de luz e sombra impressiona desde a entrada, mas torna-se magnífica no seu interior através dos vitrais. Como um panteão romano invertido, o arquiteto abre as 16 pétalas em luzes num desenho único. O jogo de luz e sombra enleva o espírito e dirige o olhar até o divino.
Já no Palácio do Itamaraty (1962) o arquiteto retorna com as arcadas, espelhos d’água, fachadas de vidro e os acessos pela água. Com as condições climáticas do Planalto central, ele e Burle Marx amenizam o calor, trazendo o frescor das quedas d’água para dentro do edifício e evocam a natureza brasileira. Oscar Niemayer projetou a Praça dos Três Poderes, mas a responsabilidade urbanística ficou para o arquiteto Lúcio Costa. O Congresso Nacional (1958) projeto preferido de Niemayer, tratou as escalas de acessibilidade e visibilidade de forma inusitada. O eixo monumental ampliou sua presença no cone visual, refletindo a paisagem muito além. Para obter a total transparência, ele remodelou o terreno da Esplanada ao longe, para fazer com que as duas conchas pousassem no chão, uma ilusão de óptica, pois chegando mais perto, vemos que ambas pousam no bloco-plataforma. A imensa rampa em declive que dá acesso a entrada principal do congresso, descortina o maravilhoso nascer do sol da capital e o poente do lado oposto. Como resultado da imbricação do projeto urbanístico com o arquitetônico levou a Praça dos Três Poderes a ser considerada, como um dos mais belos exemplos da arquitetura moderna do século XX.
Em ...outra vez feto (p. 115) descreveu o projeto do Memorial da América Latina em São Paulo (1986) que foi criado para reconstruir a cultura latino-americana. Sua estética dinâmica, cultural, livre na sua forma, na sua composição e concepção. Niemayer escreveu que se preocupou ao projetá-lo em fazê-lo diferente com uma unidade plástica onde fosse possível criar desde a entrada a surpresa que uma obra de arte deve criar. As cascas de concreto refletem a opacidade e a luz é refletida apenas nas entradas laterais. A oposição dos vidros pretos com a pintura branca no concreto produziu um efeito de ofuscamento. Para Holanda tampouco é um problema do paisagismo ou a “falta” dele, pois a praça mineral foi projetada para lembrar as praças coloniais antigas que não continham vegetação. A inserção de palmeiras não resolveu o problema de insolação e perdeu-se a percepção do vazio do entorno.
O Memorial da América Latina não inaugurou a fase do uso das formas opacas, outros exemplos foram citados pelo autor como o Anexo II do Palácio do Itamaraty (Brasília, 1975), o Panteão da Liberdade e da Democracia (1990) e o Complexo Cultural da Capital Federal (1986-2006), o Museu Nacional Honestino Guimarães e a Biblioteca Nacional Leonel de Moura Brizola. Para o autor os exemplos são importantes porque estão em áreas urbanas. Por mais que se perceba a obra de Niemayer deve-se reconhecer a vertente antiurbana manifestada, desenhada a separação, a opacidade e a impermeabilidade. O porque da mudança de percurso de Niemayer não foi discutido neste texto. Observou-se em suas obras as razões pelas quais algumas delas nos afetam para melhor e outras para pior. Busca assim retomar, recriar, ampliar e reconhecer as qualidades de Oscar.
No Epílogo: A praça do espanto o autor descreve um dos últimos projetos de Niemayer em forma de pomba que dá para o gramado central da Esplanada dos Ministérios em Brasília, obstruindo uma das principais paisagens do Congresso Nacional. Mais recentemente (2009) o autor informou que outro projeto seria construído no local. Quando Niemayer fala que “toda cidade precisa de uma praça para provocar espanto”. Holanda questiona, mas que espanto? Para Holanda infelizmente, os últimos projetos de Niemayer para Brasília não se adequaram às diretrizes urbanísticas e ele considera que o arquiteto perdeu a noção original da cidade. Nesta discussão o autor fala dos diversos tipos de praças, mas que em todas há algo em comum: são espaços públicos abertos definidos pelas edificações que as cercam. Pergunta-se então porque criar outro projeto para competir com a Praça dos Três Poderes? Mesmo que Brasília se ressinta de não ter praças informais, isto é um “outro” problema, mas afirma que agora o melhor seria recuperar outras áreas como o Panteão da Pátria. Concluiu dizendo que “os homens, mesmo os geniais também podem errar – espantosamente”.
notas
1
HOLANDA Frederico de. A determinação negativa do movimento moderno. In HOLANDA Frederico de. Arquitetura e urbanidade. São Paulo, Pro Editores, 2003.
sobre a autora
Márcia da Costa Rodrigues de Camargo é arquiteta e professora-assistente no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Tocantins. Mestre em Ciências do Ambiente e doutoranda do Centro de Desenvolvimento Sustentável CDS/UnB. Áreas de atuação: arquitetura e urbanismo, paisagismo e cidades sustentáveis.