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Análise sobre o ato de resenhar o livro "Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942"

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Book review of Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942

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Reseña del libro Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942

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ROCHA, Ricardo. Resenhar Brazil Builds. Resenhas Online, São Paulo, ano 12, n. 142.05, Vitruvius, out. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/12.142/4923>.


Resenhar Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942 (de agora em diante denominado BB) é tarefa ingrata. Depois do extenso trabalho de Zilah Quezado Deckker (1) ou das contribuições de importantes pesquisadores estrangeiros como Jorge Liernur (2), uma estratégia possível é fazer algo como uma marginalia intertextual comparada: a “técnica” de nome pomposo pode ser traduzida por notas marginais a partir de uns poucos textos, sem nenhuma pretensão de exaurir o assunto.

Um aspecto curioso apontado por Liernur é que Philip Goodwin deve ter se sentido à vontade para montar o “catálogo”, porque haveria de sua parte uma dupla afinidade com o tema abordado:

1) eram apresentadas obras de qualidade monumental – um de seus interesses, segundo o pensador argentino (3) – realizadas por (para?) uma elite de bases sociais semelhantes a sua;

2) era abordada a relação antigo/ novo. Na medida em que, enquanto arquitecto, Goodwin não era propriamente um moderno, BB exemplificaria, assim, não uma  simples transposição direta de fórmulas europeias em moda, mas a fusão de princípios modernos gerais com a condição americana (4), isto é, sua História e Clima (com maiúsculas no original) – este último, com efeito, um aspecto que o obsecava (5).

Um ponto cego neste esquema pode ser observado se discutirmos com um pouco de atenção dois dos três “grupos” de obras (modernas) identificados por Liernur em BB. Em suas palavras, além de Oscar Niemeyer, havia o grupo das obras de escassa importância e média qualidade, que não deveriam fazer parte nem do catálogo nem da exposição; e o grupo representado por projetos de Henrique Mindlin, Álvaro Vital Brasil, Irmãos Roberto, Atílio Correa Lima, Rino Levi e Bernard Rudofsky, que, apesar de sua qualidade, não possuíam traços de brasilidade (brises, biomorfismo, azulejos e telhas cerâmicas). Indo direto ao ponto: onde estaria a qualidade monumental de obras classificadas como sem importância? E qual seria a relação antigo/ novo, lastreada na história e no clima, de edifícios afastados do “cânone da brasilidade”? E, de quebra, sem para-sóis...

Ou bem a seleção de BB era um tanto aleatória ou Goodwin, não sendo ele mesmo um arquiteto de “primeira linha”, tinha o senso exato de atribuir a devida importância à existência de uma arquitetura de qualidade média como ponto de equilíbrio de uma produção de exceção.

De qualquer forma, uma questão de fundo acaba emergindo das colocações de Liernur e poderia merecer exame mais cuidadoso: como um arquiteto afastado do cânon modernista pôde produzir uma obra canônica do modernismo? (6)

No final dos anos vinte, pode-se verificar nas páginas de The Architectural Forum que enquanto Goodwin projetava casas (neo)georgianas, começavam a aparecer com mais frequência projetos modernos (em sentido lato) de nomes como Robert Mallet-Stevens, Raymond Hood, Willem Dudok, Michael de Klerk,  Lloyd Wright (filho) e Albert Chase McArthur (pupilo de Lloyd Wright pai), entre outros. Se depois do projeto do Museum of Modern Art e do Food Building na Feria Mundial de Nova Iorque, em 1939, ambos com Wallace K. Harrison (projetista do Radio City Music Hall e, posteriormente, chefe da equipe para a construção do prédio da Organização das Nações Unidas) Goodwin adotou um idioma mais racional em seus projetos, não abandonou, de todo, certo historicismo. (7)

No fim das contas, talvez seja necessário concluir que Goodwin estabeleceu um cânone não canônico – e em duplo sentido:

“it remains to consider the work of the last years in relation to a movement which now extends to all parts of the world. First, it has the character of the country itself and the man there who designed it. Second, it fits the climate and the materials for which it is intended” (p. 103).

Colocando em xeque até mesmo a tradição portuguesa (p. 102), o “esquema” de Goodwin, que Liernur chama de falta de homogeneidade, pode ser entendido como heterodoxia, até mesmo em relação ao esquema costiano, uma enorme ausência parda no catálogo. (8)

Mudando da crítica de fundo historiográfico para uma comparação historiográfica de textos, é interessante colocar lado a lado BB com o número especial de The Studio, de outubro do mesmo ano (9). Com uma contribuição significativa durante o movimento Arts and Crafts, a reconhecida revista de artes inglesa dividiu as seções de seu número especial entre pintura (quinze páginas), arquitetura colonial (seis páginas), arqueologia, arquitetura moderna (nove páginas), dança, bonecos, escultura, rendas e cidades (uma página com fotos do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e Ouro Preto). Além do fato de que a pintura recebeu tanto destaque quanto a arquitetura, o esquema antigo/ novo ficou diluído em meio a uma visão mais abrangente, embora sintética (quarenta páginas no total versus as quase duzentas páginas de BB), da cultura brasileira.

As páginas de arquitetura colonial foram escritas por Joaquim de Souza-Leão, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e começam com uma foto da Igreja de São Cosme e Damião em Igaraçu, Pernambuco – objeto posterior de uma polêmica intervenção do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. As dedicadas à arquitetura moderna têm como autor Paulo Teixeira Boavista, graduado na Escola Nacional de Engenharia, no Rio de Janeiro. As fotos são as mesmas de BB e Boavista chega a citar textualmente Goodwin, quando fala da escola primária de Vital Brazil em Niterói, mas introduz nota pessoal e a compara com a escola de André Lurçat em Villejuif (1933). (10)

Entretanto, o que parece significativo é que o Brasil, enquanto tema da revista, visto através de sua produção artística e de seu artesanato, é apresentado de maneira mais abrangente. Ver fotos de rendas nordestinas ao lado de esculturas de Victor Brecheret é algo que, por exemplo, deliciaria Lina Bo Bardi...

Finalmente, uma dica para quem pesquisa as relações arquitetônicas entre Brasil e Portugal no século XX. Existe algo como um BB português. Trata-se do catálogo “Aspectos da arquitectura portuguesa 1550-1950” que, ao que tudo indica, acompanhou exposição homônima no Palácio da Cultura (MES), durante as comemorações do 4º Centenário do Rio de Janeiro, entre 1965-1966.

Organizada pelo prof. Mário Tavares Chicó, contou com o apoio do arquiteto Viana de Lima, “que estudou a circulação e a montagem” – e também executou o Hotel-Cassino do Funchal, projeto de Oscar Niemeyer, na ilha da Madeira – e teve como fotógrafos José Pereira e José de Macedo Nunes Claro.

O contraste da apresentação da Calçada Marquês de Abrantes em Lisboa (século XIX) ao lado do elegante purismo da Residência da Rua Honório Lima, de Viana de Lima (1939); ou da Pousada de Sidroz (1948), que lembra a obra de Lucio Costa – ou de Oswaldo Bratke (11) – ladeando a planta da Catedral de Portalegre, talvez possa suscitar interpretações sobre as razões de tais escolhas tão interessantes quanto os debates sobre BB.

Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro
Foto Nelson Kon

notas

NA1
Agradeço a pesquisadora Luciane Scottá pela fértil troca de ideias sobre Brazil Builds na origem desta resenha.

NA2
Em 1948, o Serviço de Documentação do Ministério da Viação e Obras Públicas iniciou a publicação da revista Brasil Constrói. A referência é explícita, dispensando digressões – lá está, na página onze, o onipresente Ministério da Educação ao lado de um mapa com o Plano Nacional de Viação. Como no caso de The Studio o paralelo ajuda a iluminar o mito: a alusão clara e a referência ao monumento-mór ocorrem em meio a um conjunto de reportagens fotográficas (”explanação visual”), como em um catálogo de uma exposição, sobre rodovias, pontes, açudes, portos, etc. A pujança arquitetônica do Ministério é apresentada como ponta de iceberg de um processo de construção nacional, lado a lado com obras distantes da ortodoxia: a segunda Estação Pedro II (comparada com a de 1858), a estação “déco” de Petrópolis (com a Julio Prestes à sua direita), a curiosa maquete para o edifício do Departamento de Correios e Telégrafos (misto de Ministério e arquitetura centro-europeia, “subliminarmente” comparado com a Casa dos Contos, então agência dos correios, abaixo) e o próprio prédio do Ministério da Viação.

1
Brazil Built: the architecture of the Modern Movement in Brazil. London: Spon Press, 2001.

2
The South American Way, Block n. 4, dez, 1999. Buenos Aires: Universidad Torcuato di Tella.

3
Embora Goodwin escreva “the Avenida Rio Branco in Rio has its libray, its museum, its theater, and its Monroe Palace. Perhaps the less said about them the better. Imposing they are, or mean to be, like the many clumps of monumental statuary which surround them” (p. 25). Liernur, entratanto, talvez se refira à nova monumentalidade, expressa pelo Ministério da Educação e Saúde (MES). Mesmo assim, surpreende flagrar Goodwin elogiando um engenho de açúcar em Pernambuco: “folk architecture usually answers the elementary demands of use, site, climate and materials more directly than buildings of greater architectural pretension” (p. 73).

4
Tema que, sintomaticamente, obsedou grande parte da crítica de arquitetura latino-americana, inclusive na Argentina.

5
Deckker, op. cit.

6
E, ainda, como assinala o autor “es curioso que el libro que fue por muchos años una pieza canônica de la arquitectura moderna no está exclusivamente dedicado a la arquitectura moderna” (p. 30). Talvez fosse o caso de concordar com Carlos Eduardo Comas quando afirma que a formulação da arquitetura moderna brasileira, dialógica e inclusiva, em sua vertente costiana (extraindo o “melhor” das lições corbusianas), era mais sofisticada naquele momento do que o rótulo International Style – ainda que tal aspecto não seja exclusivo do Brasil. Resta saber o papel de Goodwin neste “esquema”.

7
Idem.

8
Levando em conta suas próprias declarações em relação ao desenvolvimento do projeto do MES, de cuja equipe se afasta, e do Pavilhão de Nova Iorque, que atribui a Niemeyer, o único projeto de Lucio Costa em BB, o Museu das Missões, além de aparecer de forma “ambígua” na primeira parte (Early buildings) do catálogo, na verdade constitui um diálogo, na melhor das hipóteses, com a tradição castelhana, pois as Missões, como se sabe, não faziam parte da América Portuguesa.

9
O MES, no Rio de Janeiro, já havia sido publicado no número de julho.

10
Outra nota pessoal bastante interessante – “owing to present-day costs of refrigerating systems, surface-protection is cheaper, and, of course, when economic conditions allow, permits the ideal combination of the two process” (p. 126) – além de se aproximar da solução de Costa para Monlevade, coincide com a avaliação de Kenneth Frampton sobre uma intermediate technolgy em obras de Le Corbusier como a Maison Errazuriz (1930). FRAMPTON, K. Le Corbusier. London: Thames and Hudson, 2001.

11
Em julho de 1941, a revista A Arquitetura Portuguesa e Cerâmica e Edificação Reunidas publicou uma matéria – A Arquitetura no Brasil – onde aparecem casas de Bratke e Boti em uma linguagem de semelhante balanço novo/ “antigo”. Segundo depoimento de Hugo Segawa, que desconhecia o material, ao autor, Bratke “não guardou a revista. Provavelmente como uma 'renegação' quando convertido ao moderno. Quando elaboramos o livro [Oswaldo Arthur Bratke. São Paulo: ProEditores, 1997], ele aceitou melhor essa fase. Creio que todos modernos passaram por isso”. Sobre o tema, ver: ROCHA, Ricardo. BR-PT: Oswaldo Bratke e Carlos Botti em Portugal. Drops, São Paulo, ano 14, n. 073.03, Vitruvius, out. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.073/4903>.

sobre o autor

Ricardo Rocha é professor na Universidade Federal do Espírito Santo. Doutor pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado na Universidade do Porto, Portugal. Atualmente prepara um livro sobre o arquiteto José de Souza Reis e outro sobre a arquitetura moderna em Vitória

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resenha do livro

Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942

Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942

Philip Goodwin and G. E. Kidder Smith

1943

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