Em tempos de “ismos”, a obra de Eduardo Longo desafia as categorizações e intriga pela liberdade contextual. Ela se reporta a seu tempo e lugar sem abandonar nunca sua principal característica: a liberdade de expressão.
Sobre Bolas e outros projetos nasceu da tenacidade de um jovem arquiteto português que não conseguia entender como a arquitetura brasileira não assimilava o trabalho de Eduardo Longo como legítima forma de expressão e ideologia, da mesma forma com que adotou a liberdade formal de Niemeyer como assinatura. Se as curvas sensuais forjaram o mito do grande arquiteto, porque aqueles planos truncados, aqueles volumes lapidados a esmo, e aquelas esferas não extrapolavam as fronteiras de alguns poucos clientes, aventureiros paulistas?
Eduardo Longo teve a fortuna de se revelar precocemente e por vezes canalizar a liberdade formal de muitos arquitetos que o encorajaram por não se sentirem livres o suficiente para professar a mesma autonomia. Eduardo correu todos os riscos por eles mas o futuro reservou certa apatia para com os jovens aventureiros. A década de 1980 caminhou na contramão do desapego material e da simplicidade formal, luxos só compreendidos mais tarde com a volta às origens empreendida pelos novos modernistas. A Casa Bola pousou no alto de escombros formalistas brandindo simplicidade: não dá para reduzir mais do que isso, sem cantos perdidos e com 360º de possibilidades.
Porém, esse livro não pretende cristalizar o trabalho de Longo com teorias e justificativas acadêmicas e sim, debruçar sobre suas motivações, seu modo muito particular de lidar com as exigências de uma profissão autoritária que legisla sobre o dia-a-dia dos cidadãos. Longo transborda os limites do lote urbano, seja tornando aparente sua forma de expressão, liberta do confinamento intramuros da sociedade da segurança, seja conectando a cidade com pontes reais ou sugeridas, tornando indefinidas as fronteiras entre o publico e o privado introduzindo um novo componente: o coletivo.
Fernando Serapião conduz a leitura através dos ícones de sua produção, a Casa do Mar Casado, marco inaugural dessa trajetória e da Casa Bola, a obra que o tornou conhecido mais fora do que dentro do país. Não há julgamentos nessa leitura, apenas um relato de como aconteceu e das suas possíveis referências do universo arquitetônico, até porque o próprio arquiteto nunca pretendeu justificar-se. O simples relato já é suficiente para levantar inúmeras questões e tecer comparações. O termo ‘independente’ é simplista demais para descrever suas posições e pensamento. Suas motivações estão acima de qualquer método, uma heresia para a geração que o precedeu, para os colegas em tempos bicudos da ditadura e para os novos modernistas que o sucederam. Para os jovens formandos, um grande desconhecido que, quando revelado, suscita a mesma surpresa do jovem arquiteto português.
O capítulo que traz algumas páginas dos ‘cadernos do bosque’, não pretende destrinchar metodologias, apenas apresentar um modus operandi de um observador arguto, não seletivo, já que nada escapa da sua percepção alterada e da sua compulsividade gráfica. Desenhar é preciso parece dizer por todos os poros, não um desenho técnico, construtivo, mas legítimas matrizes de idéias encadeadas que conhecerão futuras aplicações. Esse é o maior legado deixado aos novos arquitetos, a combinação da demanda interna de expressão autoral com o inevitável aprendizado mão-na-massa que só a prática provê.
O livro cobre toda a sua trajetória, mas não toda sua produção, repleta de pequenas intervenções, nem todas devidamente documentadas. A documentação aliás constitui-se em uma das funções primordiais desse livro: trazer à luz essa narrativa. O arquiteto Gian Carlo Gasperini, diz à primeira cliente de Longo que ela tinha a obrigação moral de construir aquela tenda de concreto, para o bem da arquitetura. Esse livro tem a mesma missão, contar sobre bolas e outros projetos que precisam ser contados.
nota
NE
Este texto é o prefácio do livro.
sobre o autor
Marcelo Aflalo é arquiteto e designer gráfico.