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português
O geógrafo inglês David Harvey indica alguns caminhos para decifrar o enigma do capital e as crises do capitalismo.

english
The English geographer David Harvey points out some ways to decipher the enigma of Capital and the crises of capitalism.

español
El geógrafo ingles David Harvey indica algunos posibles caminos para decifrar el enigma del capital y las crisis del capitalismo.

how to quote

BOTTURA, Roberto. Decifra-me ou devoro-te. Uma esfinge chamada capital. Resenhas Online, São Paulo, ano 13, n. 149.03, Vitruvius, maio 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/13.149/5189>.


Vou começar pelo final. Não que eu queira ser exatamente um “estraga prazer”, destes que contam a moral da história logo ao relatar um conto. Muito pelo contrário. Nesse caso, isso seria impossível, já que tratando-se de uma resenha do livro O enigma do capital, de David Harvey, editado no Brasil pela Boitempo, a moral é posta em xeque diversas vezes e esse exercício intelectual de investigar um assunto tão complexo quanto as nuances ocultas do capitalismo, assemelha-se a um jogo de xadrez que não possui final – ao menos por enquanto. Como em um xadrez, vamos pouco a pouco aproximando-nos das peças, examinando uma a uma e seus possíveis movimentos, tentando raciocinar em qual parte do todo ela se encaixa. Assim são os capítulos do livro do geógrafo britânico e isso é o que importa: não existem conclusões nem tampouco uma teoria fixa. É o decorrer que faz o livro e a capacidade de cada um de entender, absorver e sobretudo, aceitar tais movimentos intrínsecos a doutrina neoliberal em voga.

Inspirado na clássica pergunta de Lênin, o último capítulo do livro intitula-se “Que fazer? E quem vai fazê-lo?”. Esse poderia bem ser o primeiro capítulo, mas na lógica de David Harvey, suas justificativas de porquê escrever um livro sobre tal assunto encontram amparo nas últimas páginas, mesmo não estando alçadas ao patamar de conclusões. São como reflexões que deixam em aberto ao leitor o interesse de seguir estudando. Prometo que desvendar tais pensamentos não oculta o plausível sabor da leitura, sendo meu objetivo seduzir os que ainda não leram tal obra.

Que fazer?

Harvey enfatiza: “O questionamento a respeito do futuro do próprio capitalismo como um sistema social adequado deve, portanto, estar na vanguarda do debate atual” (p. 177). Sábia recomendação a qualquer pessoa que esteja interessada em aprofundar-se no conhecimento de nossa cultura contemporânea, cada vez mais sedimentada no materialismo e no individualismo. Aventurando-se na geografia, teorias econômicas, sociologia, conceitos urbanísticos, história e desdobramentos culturais, o livro não se limita somente a investigadores específicos como arquitetos, geógrafos, historiadores ou sociólogos, mas sim, pretende ser uma ferramenta a todos que querem conhecer, ou pelos menos arriscar compreender, quais são os enigmas do capital e as crises do capitalismo. Não é uma tarefa fácil e que não se limita a leitura de um único livro e de uma única corrente de pensamento como essa, mas já é uma porta que pode levar o indivíduo a percorrer alguns corredores desse fragmentado labirinto que é a experiência contemporânea (1). Segue Harvey: “A ideia de que a crise tem origens sistêmicas é pouco debatida na grande mídia” (p. 177). Na crista da onda das crises que assolam diversos locais do planeta (em especial Europa, atualmente) enquanto outros são projetados pela mídia como a redenção da humanidade (China, Brasil e Índia), à luz de David Harvey, uma das tarefas mais importantes do estudo e de maior destaque ao longo do livro é a compreensão do porquê da crise atual.

Sempre olhando a Marx, o autor analisa se a crise é uma crise do lucro, ou do excesso de lucro, ou uma queda do consumo ou alguma outra coisa. Desenvolvendo ideias a respeito de bloqueios e barreiras para a acumulação contínua do capital, Harvey busca esclarecer onde estão os bloqueios da atualidade e onde eles estavam em 1970, uma década de crise igualmente. Como explicou na palestra realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2012, por ocasião do lançamento do livro aqui resenhado, “O que me atormentou foi verificar um princípio muito simples que estava em ação, que é o princípio que o capital nunca resolve suas tendências à crise, precisamente porque ele não pode resolver suas contradições. E porque ele não consegue resolver suas tendências à crise, ele essencialmente sobrevive movendo a crise em ciclos” (2).

Como um mecanismo cruel e sistemático, segundo David Harvey, as crises são necessárias para a manutenção do capitalismo.

Amparado pela teoria de economistas como o japonês Michio Morishima, Roy Harrod e Evsey Domar, o argumento de que as crises são de fato, não apenas inevitáveis mas também necessárias, é defendido esclarecendo: “São a única maneira em que o equilíbrio pode ser restaurado e as contradições internas da acumulação do capital, pelo menos temporariamente, resolvidas. As crises são, por assim dizer, os racionalizadores irracionais de um capitalismo sempre instável” (p. 65).

Por esse, e outros argumentos, que as crises possuem um histórico de serem transpostas de um local a outro do globo. Quando não estão na América Latina, estão na Europa e quando não estão na Ásia, estão na América do Norte. Contornando seus impasses, recriando mais e mais pobres e efetivando uma verdadeira manutenção do poder, as crises são transferidas também de um setor a outro: do financeiro são jogadas para o Estado, posteriormente, para a população e assim por diante. Assim também se comporta na escala micro: você tem poluição no ar, então você se livra jogando tudo no mar. Você tem poluição na terra, então você se livra jogando tudo ar. Da habitação, a crise é transferida ao espaço público. Do espaço público, resolve-se transferindo-a à educação. Da educação à saúde pública.

E se o sistema do capital é aproveitar-se de todo e qualquer nicho para criar um mercado, não resulta difícil recordar de “A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre” da canadense Naomi Klein, que relaciona de maneira transversal os lucros empresariais conquistados com ditaduras, desastres ambientais e ataques terroristas. Poderiam haver, como as crises, desastres provocados pra se reanimar uma economia?

Globalização

Aquilo que hoje chamamos de “globalização” esteve na mira dos representantes do capital o tempo todo (p. 130). Como Marx escreveu nos Grundisse, o capital “tem de se empenhar para derrubar toda barreira local do intercâmbio, da troca, para conquistar a Terra como seu mercado”. Deve também se esforçar perpetuamente para “destruir o espaço por meio do tempo” (3)

No capítulo “A geografia disso tudo”, Harvey entra com os pés firmes no espaço urbano como o local mais visível fisicamente das manobras capitalistas e como o local mais visível onde se dão as contradições da expansão neoliberal.

Milton Santos, entre muitas obras, dedicou um livro que compartilha alguns raciocínios como faz Harvey. Em “O espaço do cidadão”, Santos descreve: “Deixado ao quase exclusivo jogo do mercado, o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte, um espaço sem cidadãos” (4).

As consequências de processos de urbanização, agora globais, que ocorrem à sombra da China, são examinados em O enigma do capital sob esclarecimentos econômicos: “O Chile cresceu devido à demanda por cobre, a Austrália prosperou e até mesmo o Brasil e a Argentina se recuperaram em parte por causa da força da demanda da China por matérias-primas. O comércio bilateral entre a China e a América Latina aumentou dez vezes entre 2000 e 2009” (p. 142).

A organização do consumo pela urbanização e a capacidade de absorção de excedente de capital fazem da arquitetura do espetáculo, devidamente estabelecida na indústria cultural, como a vertente mais desejada pelos países tanto em desenvolvimento como os capitalistas avançados.

Não nos estranhamos ao encontrar em países com tamanha desigualdade social, como o Brasil, os mesmos arquitetos do star-system mundial com suas estrambóticas e milionárias obras em andamento a pedido dos mesmos governos locais. Enquanto isso, no caso do Brasil, a solução para habitação social está entregue aos interesses das grandes incorporadoras e o crédito fácil cria a ilusão de poder as famílias que mal se formaram e já assumem dívidas para muitos anos: uma vida a crédito, como descreve Bauman (5).

Os pacotes de austeridade fiscal repassam a população as consequências dos governos em assumir uma clara postura de defesa instransponível ao capitalismo e aos bancos, que regulam a oferta e a demanda (pensemos na moradia social no Brasil, por exemplo, onde os bancos financiam as grandes construtoras mas também financiam às famílias os mesmos apartamentos).

Enquanto a destruição criativa da terra segue sem resolver os conflitos entre as solidariedades sociais e os interesses do capital, David Harvey aponta o caminho: “Esclarecer o enigma do capital, tornando transparente o que o poder político sempre quer manter opaco, é crucial para qualquer estratégia revolucionária”. De certa forma, o autor revela segundas intenções. A partir do esclarecimento intelectual que gera revolta e provoca transformações, a sensação da necessidade de pensar novas maneiras de gestão política é proferida como a base para os passos vindouros.

Conclui indagando: “Um outro comunismo é possível?” É ele mesmo quem responde: “As atuais circunstâncias do desenvolvimento capitalista requerem algo desse tipo, se realmente desejamos alcançar a mudança fundamental” (p. 209).

Em outras palavras, a mensagem dessa esfinge chamada capital é: decifra-me ou devoro-te.

notas

1
Esse tipo de enfrentamento intelectual, onde o autor enfrenta a totalidade do processo que analisa percorrendo várias áreas de pesquisa, foi apontado igualmente por Luiz Recamán (2002) no posfácio do livro de Otília Arantes “Urbanismo em fim de linha” onde estabelece o paradoxo do fragmentado labirinto da experiência contemporânea. Ver RECAMÁN, Luiz, Nem arquitetura nem cidades. Resenhas Online, São Paulo, n. 01.002, Vitruvius, fev. 2002 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.002/3250>.

2
Conferência do professor David Harvey, no IFCS/UFRJ, em 14/03/2012

3
MARX, Karl. Grundrisse – manuscritos econômicos de 1857-1858, São Paulo, Boitempo, 2011, p. 445.

4
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo, Edusp, 2012, p. 59.

5
BAUMAN, Zygmunt, Vida a crédito. São Paulo, Zahar, 2010, p. 30.

sobre o autor

Roberto Bottura é arquiteto e urbanista formado pela PUC-Campinas e mestre em Teoria e História da Arquitetura pela Universitat Politècnica de Catalunya. Se interessa pelas relações entre cidade, poder e arquitetura.

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resenha do livro

O enigma do capital

O enigma do capital

e as crises do capitalismo

David Harvey

2011

149.03
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149

149.01

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