Observar a articulação entre a seleção de obras da coleção permanente intitulada “Modernités Plurielles de 1905 à 1970” do Centre Pompidou, em Paris, que soma trabalhos de 47 países realizados por 400 artistas das artes plásticas, fotografia, gráfica, cinema, arquitetura e design, e das exposições temporárias previstas para o ano de 2014, não nos deixa dúvidas de que existe um fio condutor que revisita a discussão entre Moderno e Contemporâneo, do qual o projeto do próprio museu é peça fundamental: de Robert Delaunay, Henri Cartier Bresson a Jeff Koons; de Martial Raysse a Marcel Duchamp; e da retrospectiva de dois grandes arquitetos do século XX, Frank Gehry e Bernard Tschumi.
A mostra Concept & Notation recém-inaugurada - de 30 de abril a 28 de julho – do arquiteto franco-suíço Bernard Tschumi, sob a curadoria de Fréderic Migayrou e Aurélien Lemonier, é a sua primeira mostra monográfica na Europa, depois daquela de 1994, no MoMA (The Museum of Modern Art) de Nova York.
Percursos combinatórios entre “ilhas temáticas” semifechadas e cubos vermelhos em malha de 4 x 4, articulam-se por um centro diluído pela expansão do espaço em um contexto circundante, onde o público vive a experiência de um espetáculo cinético com referência explícita a alguns trabalhos do autor: as ilhas temáticas, do mais novo projeto para Paris – Zoo (2009-2014), a malha de cubos vermelhos e percursos combinatórios do Parc de la Villette (Paris, 1982-1998), ou ainda, da Blue Residential Tower (NY, 2004-2007), e Athletics Center da University of Cincinnati (2001-2006).
Os dois cubos vermelhos localizados na entrada da mostra com títulos “1968 et la ville” e “Biographie des débuts”, enriquecidos por um vídeo depoimento, anunciam a importância da discussão sobre o engajamento político do arquiteto nos anos de sua formação, fundado por livros que marcaram sua geração: Ville et Révolution de Anatole Kopp, La Question urbaine de Manuel Castells, Le Droit à la ville de Henri Lefebvre e Les Villes invisibles de Italo Calvino.
É justamente no início dos anos de 1970 na Architectural Association de Londres, que o arquiteto juntamente com Rem Koolhaas e Zaha Hadid, começa desenvolver uma reflexão sobre a linguagem da arquitetura marcada profundamente pelo estruturalismo na França, fortemente representado pelas figuras de Roland Barthes e Jacques Derrida. No livro lançado em 1978, denominado Architecture of Negation, o arquiteto supõe duas dimensões conjuntas de uma autêntica “dialética negativa”: uma ordem política, que mostra seu comprometimento em estratégias a partir de intervenções hostis à eminência histórica e em que o objeto arquitetônico precedia os acontecimentos da cidade real; e outra, mais diretamente semântica – para não dizer semiológica – em oposição direta às metas, narrativas das ficções totalizadoras da história da arquitetura.
Reinterpretar as ideias de programa e de projeto na arquitetura são marcas de numerosas publicações de Bernard Tschumi, que introduz a noção de desconstrução, antes mesmo da exposição “Deconstructivist Architecture”, apresentada no MoMA de Nova York em 1988.
A atual exposição consiste na mostra de mais de cinquenta projetos realizados em vários países, que nas palavras dos curadores, são estratégias críticas que ultrapassam o limite da arquitetura e do urbanismo e são capazes de diluir limites disciplinares, rigidamente consolidados. A malha de cubos vermelhos transforma-se em links que objetivam demonstrar a expansão das fronteiras do conhecimento do autor e sua relação direta com o projetar. Seja pelo cinema, como nos cubos “La technique du photogramme”, “Eisenstein et l’Acropole”, “Cinéma, Screenplays, Notations” e L’effet Koulechov; pela música, no cubo intitulado “Essais et Théorie”; ou pela literatura, moda e design, com o cubo “Publicités pour l’architecture”.
Essa talvez seja a grande tônica da mostra, em resposta ao debate intenso na França e na Europa, sobre o que seria um arquiteto culto - “bien cultive” - e um arquiteto “intellectuel”. A diferença está justamente no engajamento pelas questões públicas, que essencialmente define o percurso do segundo, que tem nos profissionais italianos do pós Segunda Guerra Mundial o exemplo mais acabado.
O conjunto da obra exposta, se não contradiz o status do autor como intelectual, põe em relevo a continuidade de uma resolução à uma única escala (a arquitetônica) tanto para o urbanismo, como para o território; por outro lado, os temas desenvolvidos em cada uma das “ilhas”: “Espace et Événement”, “Programmes/Justaposition/Superposition”, “Vecteurs et Enveloppes”, “Concept, Contexte, Contenu”, e “Formes – Conceptes”, parecem mais justificar as arquiteturas assinadas pelas grandes estrelas do Star System, do que primar por uma discussão sobre arquitetura mais aderente ao lugar.
Ressalta-se que a espetacularização da arquitetura, das cidades e da sociedade não é um fenômeno dos últimos anos, pois já nos anos de 1960, anos férteis para a carreira do arquiteto Bernard Tschumi, tal cenário já havia sido delineado pelo teórico situacionista Guy Debord (La société du spectacle, 1967).
sobre o autor
Adalberto da Silva Retto Júnior é professor de Desenho Urbano e História do Urbanismo na Universidade Estadual Paulista – Unesp Bauru e Visiting Schoolar do Programa Erasmus Mundus Sorbonne I (Paris, Evora, Pádua). Doutor pela USP/IUAV de Veneza e Pós Doutorado no Doutorado de Excelência do IUAV de Veneza.