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Baseado em exposição organizada por Jorge Czajkowski, com apresentação de Lúcio Costa, o livro sobre obra do arquiteto e artista plástico Carlos Leão conta com a organização final de Roberto Conduru e projeto gráfico de Sula Danowski.

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SIQUEIRA, Vera Beatriz. Modernidade vernacular. A arquitetura de Carlos Leão. Resenhas Online, São Paulo, ano 15, n. 174.04, Vitruvius, jun. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/15.174/6073>.


Como acontece, de modo geral, com a modernidade brasileira, o estudo da arquitetura moderna no país assumiu uma versão dominante, na qual se destacam determinados nomes e marginalizam-se outros tantos. O cultuado Brazilian style deixou de fora alguns exemplos de arquitetos que também assimilavam conscientemente, à sua maneira, a experiência arquitetônica moderna, como é o caso daqueles que integravam o “nativismo carioca”, que o arquiteto e pesquisador Jorge Czajkowski qualificou como “tentativa de síntese entre a imagem de objetividade construtiva e funcional do racionalismo internacional e a expressão formal de uma identidade arquitetônica brasileira”.

A palavra “expressão” não é vazia de sentido, pois volta a aparecer quando Czajkowski destaca a “expressividade” como qualidade essencial dos projetos desenvolvidos, dentro desta vertente, por Carlos Leão. Expressão pessoal e cultural, expressividade do desenho e da tectônica – todas essas características apontadas pelo principal organizador do livro Carlos Leão: arquitetura – indicam uma concepção mais ampla, mais generosa e mais sofisticada de arquitetura moderna brasileira, pensada na interrelação com outras esferas da vida cultural. Talvez essa novidade tenha contribuído para que o livro só saísse agora, a partir dos esforços de uma equipe coordenada pela arquiteta Claudia Pinheiro, após o falecimento de seu idealizador e mais de 30 anos depois da exposição homônima na galeria da Funarte, no Rio (1985).

Ministério da Educação e Sa.de, Rio de Janeiro, 1937-1945. Arquitetos Lucio Costa, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos
Foto divulgação [Acervo NPD FAU/UFRJ]

Carlos Leão mostra-se um arquiteto modelar para essa visão, uma vez que, embora tenha participado da equipe de projetos celebrados da arquitetura moderna no país – como o do edifício do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro – e tenha defendido de forma lúcida e enfática Oscar Niemeyer e Lucio Costa das críticas feitas por Max Bill em 1953, jamais cedeu à ortodoxia modernista. Seu perfil múltiplo de arquiteto e desenhista, homem de cultura e boêmio, pode até ter feito – como sugere Lucio Costa na Apresentação, feita na ocasião da mostra de 1985 – com que o seu lado arquiteto perdesse o “confronto desigual desse trato amoroso”, manifesto no retrato dos nus femininos, com os quais alcança reconhecimento público mais evidente. Mas também fez com que a arquitetura moderna brasileira ganhasse outra face, menos ortodoxa e especialmente relevante na formação de um público mais aberto à imagem da modernidade arquitetônica.

Edifício da Diretoria do Serviço Técnico do Café, São Paulo SP, 1935. Arquiteto Carlos Leão Consultoria de Le Corbusier, paisagismo de Roberto Burle [Acervo NPD FAU/UFRJ]

Segundo Jorge Czajkowski, o convívio com Le Corbusier durante o projeto do MES, em 1936, teria levado Carlos Leão a superar os ditames funcionalistas de seus projetos anteriores (como os da Diretoria do Serviço Técnico do Café, em São Paulo, 1935, ou do Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro, 1936) e a encontrar a intencionalidade estética, dando nova direção para suas peculiaridades individuais. Na rota inversa a de outros arquitetos, no entanto, no lugar da afirmação irredutível do international style, em contraposição à visão tradicionalista do neocolonial e do ecletismo, o fez forjar, no difícil contato com a elite brasileira que era sua clientela, um vocabulário “desestilizado”, marcado por uma espécie de funcionalismo pragmático e vernacular.

Residência José Barretto Filho, casa vista do jardim com varanda-galeria à esquerda Samambaia, Petrópolis RJ, 1947. Arquiteto Carlos Leão
Foto Pedro Oswaldo Cruz [Acervo NPD FAU/UFRJ]

Esta foi a importante tarefa realizada por Carlos Leão, de acordo com o texto de Jorge Czajkowski, cujo belo título qualifica-o como “mestre da justa medida”. Dialogando com os gostos, hábitos e preconceitos da elite brasileira, “apreciadora do conforto e da praticidade das soluções modernas, mas não da imagem da nova arquitetura”, por vezes cedendo às pressões, por vezes conseguindo contorná-las com seu temperamento afável e conciliador, alcançou formar não apenas um vocabulário como também uma sintaxe arquitetônica atualizada, capaz de coordenar elementos díspares em uma estrutura moderna. Carlos Leão não via na resistência à arquitetura moderna no Brasil somente o índice negativo do tradicionalismo do gosto da elite, mas um problema mais amplo que envolvia a sua adaptação às condições locais do clima, da cultura e das dificuldades construtivas.

Residência Hélio Fraga, Gávea, Rio de Janeiro RJ, 1951. Arquiteto Carlos Leão
Foto divulgação [Acervo NPD FAU/UFRJ]

Para enfrentar tal dilema cultural, adotou como metodologia de trabalho uma atitude empírica e pragmática. Segundo Czajkowski, seu esforço ao projetar, nas décadas de 1930-1940, uma série de “casas brasileiras” se concentrava em “criar a atmosfera solicitada pelos clientes com um mínimo de referências formais à arquitetura do passado”.  O que exigia uma atenção especial a questões de escalas e proporções, de modo a dar forma a esse vocabulário desestetizado, despido de dimensão simbólica, para além de um cuidado particular com o atendimento à singularidade de cada projeto (programa, terreno, topografia, vistas etc.).

Residência Hélio Fraga, planta baixa e perspectiva do projeto de paisagismo do jardim Gávea, Rio de Janeiro RJ, 1951. Arquiteto Carlos Leão [Acervo NPD FAU/UFRJ]

Fazenda Vargas, estudo da sala de estar, Valença RJ, 1957. Arquiteto Carlos Leão [Acervo NPD FAU/UFRJ]

Lucio Costa elogia a “aparência sóbria e discreta” de seus projetos de prédios residenciais unifamiliares, marcados pela preocupação básica com a qualidade de vida e com o cotidiano dos moradores. Czajkowski vai adiante e sugere entender essa sobriedade e comedimento como partido poético do trabalho de Carlos Leão, envolvido em salvar da banalidade o vocabulário construtivo vernacular, de diferentes procedências. Reutilizá-lo livremente, organizando-o da forma mais neutra possível, sem as conotações figurativas ou simbólicas presentes em seus estilos de origem, configura uma opção consciente e sensível em prol da singeleza e da informalidade.

Mais tarde, nos anos 1950, Carlos Leão faria uma autocrítica, rompendo com as “casas brasileiras” ao substituir alguns elementos por outros, mais nitidamente modernos, optando pela valorização expressiva do aspecto tectônico. Essa versão mais moderna de seus projetos de residências o teria conduzido, segundo Jorge Czajkowski, a recompor a visceralidade de sua arquitetura, “já que o produto final volta a depender primordialmente do tratamento sensível de dados concretos e não de uma inventividade voltada para o singular”. De todo modo, seja nas casas anteriores, seja nestas mais recentes, adota sempre, como marca pessoal, a discrição formal.

Fazenda Vargas, estudo da sala de estar, Valença RJ, 1957. Arquiteto Carlos Leão [Acervo NPD – FAU/UFRJ]

É claro que isto o afasta de tantos outros arquitetos modernos brasileiros, engajados na expressividade da forma ou da linguagem arquitetônica. Lucio Costa chega a afirmar que a atuação de Carlos Leão como arquiteto encobria o seu “temperamento ultrassensível”, capaz de abruptas manifestações de “demolidora irreverência crítica” ou “extremado sensualismo” (especialmente visível em seus desenhos de nus femininos). A leitura do livro organizado por Czajkowski, entretanto, nos faz perceber como a sua arquitetura discreta é, em realidade, a expressão desse temperamento sensível, que não parece se interessar pelo homem universal para o qual projeta Le Corbusier, e sim pelo homem particular, inserido em uma dada cultura, com tudo o que isso significa em termos de identidades, gostos e hábitos.

Como nos diz Vinícius de Moraes em texto sobre o arquiteto, “Carlos Leão pratica, a meu ver, a verdadeira modernidade, a verdadeira funcionalidade, fazendo casas assim como foram feitas Marilyn Monroe ou Sophia Loren: belas e esplêndidas sem afetação e boas para morar”. Uma modernidade e uma funcionalidade quase orgânicas, verdadeiras porque não afetadas ou artificiais, são construídas poeticamente por Carlos Leão através de sua sobriedade e singeleza. Logo, o veículo principal de seus projetos só poderia ser mesmo o desenho, que antecipa sensualmente os espaços, dando-lhes consistência existencial. Ainda que rigorosamente estruturados e baseados em cálculos, levantamentos e esboços, seus desenhos assumem a função de mediar arquiteto e público, projeto e realidade.

Fazenda Vargas, estudo para a cozinha, Valença RJ, 1957. Arquiteto Carlos Leão [Acervo NPD – FAU/UFRJ]

Roberto Conduru, um dos organizadores da publicação, citando texto preparatório do livro, aponta para o fato de “a grande beleza dessas pranchas, geralmente executadas a nanquim sobre papel Ingres, com aplicação de cor (aquarela ou guache), faz lembrar a todo instante a carreira de desenhista e ilustrador também desenvolvida por Carlos Leão”. Nessa proximidade com a arte, porém, não deseja as deformações ou as abstrações modernas. Por vezes, a ênfase nos contrastes cromáticos das paredes, telhas, vegetação e céu servem para tornar aquele projeto, apenas imaginado, um fato concreto, sensível. Em outros desenhos, são as perspectivas e vistas dos jardins, os estudos dos interiores ou os detalhes de mobiliário que nos fazem quase conceber aquele espaço como lugar vivido, habitado. Ou são ainda as anotações manuscritas, que complementam as informações visuais ou oferecem “palpites” sobre as demandas do projeto (“por que não faz a sala de jantar na frente e a sala de estar abrindo para o pátio?”) os recursos empregados para trazer vitalidade e informalidade ao projeto. Novamente, estamos diante de uma opção consciente e sensível pela discrição formal (1) como caminho para a edificação não apenas de exemplares da arquitetura moderna, mas de um público capaz de dialogar com a sua imagem.

Residência Cândido Guinle de Paula Machado, perspectiva da fachada nordeste. Cabo Frio RJ, 1958. Arquiteto Carlos Leão [Acervo NPD FAU/UFRJ]

De forma muito pertinente, o projeto gráfico do livro, de Sula Danowski, também opta por uma discreta sofisticação. Cores sóbrias que parecem retiradas de seus desenhos, com toques vibrantes de vermelho, fonte simples e elegante, diagramação clássica e correta, dão à publicação o tom de despretensão e sobriedade que valoriza o trabalho de Carlos Leão. Também as opções editoriais equilibram o rigor da pesquisa (notas sobre a edição de Roberto Conduru, prefácio de Lucio Costa, texto crítico de Jorge Czajkowski, verbetes, biografia, bibliografia, documentos, plantas, desenhos técnicos) com a inclusão da parte chamada simplesmente de “Recortes” (fotografias mais pessoais, entrevista de Carlos Leão, poema e texto de Vinícius de Moraes, desenho retratando a sobrinha Suzana Moraes), auxiliando na percepção da dimensão poética peculiar do arquiteto, ancorando-a em uma vida singular, em uma história particular. Um livro na justa medida para compreendermos esse “mestre da justa medida”, dedicado a aperfeiçoar o cotidiano, a revelar a sofisticação do lugar-comum, a transformar a modernidade em experiência sensível e vernacular.

Residência Sebastião Paes Almeida, fachada nordeste, Brasília, 1961. Arquiteto Carlos Leão [Acervo NPD – FAU/UFRJ]

nota

1
E poderíamos mesmo estender para os seus desenhos de nu feminino, que não constituem objeto do livro analisado, essa poética da discrição, já que estamos diante de obras que conjugam o traço moderno e expressivo com a tradição das Vênus e das Odaliscas. Suas mulheres nuas e seminuas, muitas vezes de inspiração matissiana, raramente se apresentam em atitudes eróticas ou poses sexuais. Com mais frequência repousam, lânguidas, recostadas em camas, redes, cadeiras. O traço é delicado e singelo, afetuoso mesmo, abrindo mão de um erotismo mais estridente em nome de uma sensualidade íntima e doméstica.

sobre a autora

Vera Beatriz Siqueira é historiadora da arte, professora associada do Instituto de Artes da Uerj, autora de diversos livros, entre os quais Burle Marx (Cosac Naify, 2001 e 2009) e Iberê Camargo: origem e destino (Cosac Naify, 2009).

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resenha do livro

Carlos Leão: arquitetura

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Carlos Leão: arquitetura

Jorge Czajkowski, Claudia Pinheiro, Roberto Conduru and Sula Danowski (Orgs.)

2016

174.04
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