O Prêmio Pritzker sinaliza mudanças na escolha dos seus ganhadores na edição desse ano com a nomeação dos catalães do RCR Arquitectes. Apesar de desconhecidos do grande público, o RCR frequentava habitualmente as prateleiras dos arquitetos pelo mundo nas publicações monográficas espanholas, como a El Croquis. As obras de certa forma bonitas e bem fundamentadas arquitetonicamente seriam suficientemente especiais para um prêmio por vezes chamado de Nobel da Arquitetura?
Nem particularmente bem detalhadas e desenhadas, nem resultado de uma prática inovadora e única; o prêmio desse ano acaba por revelar o momento de crise da arquitetura, quando o discurso sobre os starchitects (arquitetos celebridades) mostra esgotamento. Em um mundo imerso na mais profunda crise política e econômica desde a última Grande Guerra, a arquitetura parece não servir mais como potente produto de marketing para governos e empresas, nem mesmo parece ser entendida pelos próprios arquitetos como vetor de transformações sociais estruturais. Mas resta a questão sobre qual seria o substituto capaz de conferir novo sentido a quase-ciência da arquitetura que questiona também sua própria ferramenta fundamental, o desenho.
O júri do Pritzker assume a via niilista e, de certa forma, fácil. Após o prematuro prêmio em 2016 conferido a Alejandro Aravena, com suas parcas obras construídas permeadas pelo seu discurso ultra neoliberal – aprazível para o main establishment –, esse ano o Pritzker opta pelo não-critério. O que o RCR se destacaria de outras centenas de práticas similares, tão “legais” quanto que temos pelo mundo? Apenas no Brasil, sem grande dificuldade, conseguiríamos nomear dez escritórios análogos. Mesmo a fusão entre arquitetura e paisagismo citada na ata do júri parece não ser algo tão único e nem tão particularmente melhor representado pela obra dos catalães.
Aravena deixara o júri do Pritzker um ano antes de ganhar seu próprio prêmio e fora indicado no mesmo momento como curador da Bienal de Veneza de Arquitetura. Quais seriam os meandros políticos por trás do processo de nomeação ao prêmio? Talvez isso seja o que menos importa. Relevante, no entanto, seria entendermos os critérios mínimos esboçados por uma instituição com tamanho impacto midiático (a importância do Pritzker reside justamente aí: quando, ao ser anunciado o prêmio, a arquitetura encontra a Grande Mídia e discute de forma abrangente nosso ofício).
Ao se recusar a conferir o prêmio outra vez a David Chipperfield, o Pritzker demonstra não corroborar mais com a sustentação do esquema dos starchitects (mesmo sendo ele, possivelmente, o último desses arquitetos que ainda merecesse o prêmio) ou com a maestria do desenho. Os ganhadores também não são arquitetos de guerrilha, que fazem suas práticas em condições adversas e expandem os campos de atuação, como Diébédo Francis Kéré ou Solano Benitez. Tampouco são os arquitetos que desenvolvem o projeto moderno, a relação com a indústria e investigam a questão da habitação como os franceses Lacaton & Vassal. Nem mesmo é um prêmio "corretivo" como seria para Luigi Snozzi.
Não é a primeira vez que o Pritzker vacila, basta ver a presença na lista de Christian de Portzamparc, 1994, ou Thom Mayne, 2005 (ah... o lobby norte-americano). A orientação atual, de qualquer forma, parece particularmente nebulosa. O júri do prêmio acaba por legitimar a atual ausência de critérios para entender/produzir/criticar a arquitetura; acaba, por fim, melhor do que nenhuma outra instituição por revelar a crise da prática arquitetônica já há tempos tão conhecida dentro das universidades.
sobre o autor
Gabriel Kogan, arquiteto (FAU-USP) e crítico de arquitetura, professor visitante adjunto da Politécnico de Milão (POLIMI). Colaborou com a Folha de S.Paulo. Fundador do Centro Pesquisas Urbanas e editor a Revista Centro. Integra o júri do Troféu APCA desde 2016.