Ok, vou mandar a real. Imagina um cineasta que faz roteiros potentes, que podem ser colocados com tranquilidade ao lado de qualquer grande escritor do mundo ocidental: tragédias de erros Shakespearianas, dramas psicológicos dignos de Dostoievsky.
Esteticamente, é primoroso e detalhista como Kubrick, cada plano de cada filme composto com rigor para garantir não apenas beleza, mas que o máximo de significado possível se revele pela imagem, cada movimento diretamente relacionado aos aspectos mais profundos da psique de seus personagens, cada passo meticulosamente coreografado.
As narrativas são aceleradas, tensas, bizarras, únicas entre si e dentre os seus pares ao redor do mundo, mas ao mesmo tempo honestas para com suas referências, não a cópia, mas a transformação e elevação de arquétipos e conceitos de uma forma que apenas um cineasta extremamente estudioso e genuinamente apaixonado pelo cinema é capaz de fazer; violência e reviravoltas tarantinescas somadas com humor negro à altura dos irmãos Cohen, personagens perturbados, profundos, humanos e fortes, independentes de seus gêneros ou genitálias.
O problema? Esse cara que eu estou descrevendo se chama Park Chan-Wook. Ele é coreano e não sei se vocês sabem, mas é difícil convencer as pessoas a assistir um filme coreano. Já são raros os que se animam para filmes japoneses ou chineses, mais mainstream. O fato é que, se eu tivesse começado esse texto com o nome dele, só as pessoas que já assistiram algum de seus filmes teriam se dignado a ler esse texto.
Nos últimos dezesseis anos, esse louco dirigiu mais de dez longas metragens, todos de qualidade absurda, e recebeu com eles 24 (vinte e quatro!) dos prêmios de direção mais importantes do cinema mundial, mas apenas dois desses filmes chegaram às nossas salas nacionais – mesmo assim por pouco tempo e em horários péssimos. Eu fiz uma coletânea com mais da metade de seus filmes, juntando os grandes sucessos a algumas pérolas mais escondidas, que vou projetar semanalmente em uma mostra caseira, aberta e gratuita pelos próximos meses, com projetor digital e som em qualidade de cinema (1).
Filmes do caralho, que você mal acredita estar vendo e, quando para pra pensar e analisar cena a cena, percebe que são ainda melhores do que você tinha originalmente pensado.
Filmes que você sai com vontade de comentar com alguém enquanto toma uma cerveja.
Filmes que você, a não ser que esteja disposto a vasculhar os cantos mais escrotos da internet arriscando um sem número de vírus, provavelmente nunca veria na vida; ainda mais com legendas em português.
Procurem, assistam, conheçam. Talvez algum dia possamos usar o nome de Park Chan-Wook como usamos o de um de seus grandes ídolos, Hitchcock. Talvez um dia seja um nome que, por si, chama leitores não especialistas. Até lá, aproveitem as poucas chances que aparecerão nas mostras, coletâneas e vendas de dvds usados da vida.
nota
1
Se você estiver lendo esse texto antes do dia 18 de abril de 2017, talvez ainda consiga participar; procure pelo projeto Marieta. A programação da mostra, que ocorre de 14 de março a 18 de abril de 2017, sempre às terças-feiras às 19h, pode ser acessada no website do projeto Marieta (rua Dona Maria Paula, 96, segundo andar), no link www.projetomarieta.com.br/agenda. Após as sessões ocorre um bate-papo descontraído entre os participantes da sessão.
sobre o autor
Caio Guerra, ao lado de sua irmã Helena, dirige a Irmãos Guerra Filmes, produtora independente brasileira que atua no mercado audiovisual. Os sócios se revezam na criação de roteiros e na fotografia e direção de seus projetos. Amantes do cinema, os irmãos trabalham juntos desde 2009, e abriram sua empresa em 2012.