Roger Scruton é conhecido tanto por suas controversas obras de filosofia política, sendo Pensadores da nova esquerda (1) a mais proeminente destas, como por seus escritos de estética. Aqui nos concentraremos na obra Estética da arquitectura. Nesta obra, Scruton discute as peculiaridades da arquitetura perante as outras formas de artes, a necessidade de um estudo da apreciação estética da arquitetura, as principais teorias da arquitetura e defende a sua visão de experiência estética através de uma percepção imaginativa.
Como peculiaridades da arquitetura perante as outras formas de arte, o autor pontua que toda obra arquitetônica tem necessariamente uma função além da apreciação. Para ele, somos impossibilitados de tratar um edifício sem considerar sum função, pois estaríamos, assim, apreciando uma “escultura” e não uma obra arquitetônica por si. “Nosso sentido da beleza de um objecto depende sempre de uma concepção desse objecto” (p. 19). Outra característica que distingue a arquitetura é o fato dela ser localizada, o que a faz estar sempre em relação a um entorno e a estar vulnerável as modificações desse entorno. Transformações no entorno de uma obra arquitetônica alteram a nossa relação estética com o objeto arquitetônico em si.
Por fim, para Scruton, a arquitetura é, também, uma arte pública e vernácula. Ela é pública, pois é incapaz de ser destinada somente a um público especializado. Ocupando o espaço da cidade, um edifício é visível para todos os habitantes e usuários do local onde está instalada. Para o autor de Estética da arquitectura, um arquiteto não consegue e não pode destinar a sua obra somente a um grupo especializado de apreciadores de arquitetura, sendo obrigado a considerar todos os usuários do entorno do edifício.
Já a característica de ser vernácula se dá pelo fato da arquitetura ser uma arte utilizável, que existe primordialmente “como um processo de arranjo em que todo homem normal pode participar, e participa na verdade, na medida em que constrói, decora e arranja os sítios em que vive” (p. 26). Estudos sobre ambiente e ambiência apontam para a influência que as atividades humanas e as práticas culturais que ocorrem num espaço têm sobre nossa percepção e relação com este mesmo espaço. Duarte, Santana, et al. analisam a transformação de um espaço vazio em uma “praça” pelos moradores do conjunto habitacional Vila Pinheiros (2). Assim como Marcus também analisa a relação entre decoração de um espaço de uma casa e a percepção deste espaço pelo dono desta mesma residência (3). Todavia, basta imaginarmos um local sem usuários e o mesmo local com usuários e outros elementos provenientes da existência destes usuários para percebermos esse caráter vernáculo da arquitetura apontado por Scruton.
Para além das características que separam a arquitetura das outras formas de arte, Scruton argumenta que falar de estética da arquitetura também é lidar com a tríplice crítica kantina (Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo). Entretanto, apesar de se aproveitar da tradição kantiana, Scruton defende que não há separação real entre a razão prática (princípios morais fundamentados a priori na razão) e a faculdade do juízo, pelo menos no ato de apreciar esteticamente uma obra arquitetônica.
Para entendermos qual a relação que Scruton dá para a razão prática e a faculdade do juízo, devemos entender o que é prazer estético para o mesmo. Para ele, o prazer estético de uma obra arquitetônica não advém somente da apreciação de algo considerado belo somente a um olhar “puro”, mas sim algo que é “influenciado pela reflexão, sendo tão vulnerável à hesitação puritana como realçado pela gulodice autoconsciente” (p. 80). Scruton nos atenta para uma relação entre princípios de ação moral, apreensão intelectual e o prazer que temos, ou não temos, ao apreciar um objeto arquitetônico. Através de uma união entre experiência, interpretação e imaginação apreendemos e apreciamos esteticamente a arquitetura. Para explicitar essa relação, Scruton cunha o termo percepção imaginativa. Uma percepção que envolve aquele que se engaja esteticamente com a arquitetura num processo de, não só apreciação “pura”, mas de conhecimento moral e prático, pois a experiência e interpretação de um edifício é inseparável do aspecto que o edifício em si tem, como também de seu uso e daquilo que aquele que aprecia esteticamente o edifício considera moralmente belo.
A teoria de Scruton sobre a experiência estética da arquitetura está ligada a uma concepção kantiana de belo artístico como “moralmente bom” (4). O autor também se direciona sempre para o estético como apreciação de algo considerado belo, o que transforma a experiência estética da arquitetura em uma experiência de apreciação de algo considerado belo ou não-belo. Parte dos conceitos e ideias kantianas usadas por Scruton também sofreram fortes críticas feitas por Merleau-Ponty na introdução de sua obra Fenomenologia da percepção (5), como a existência de uma faculdade do juízo separável das “sensações”. Pressupondo a necessidade de um processo imaginativo no juízo estético e se utilizando de uma suposta separação entre o sujeito e objeto, Scruton ataca o processo fenomenológico sem se endereçar às críticas feitas a faculdade do juízo por Merleau-Ponty e a uma concepção de percepção onde o juízo sobre algo não é separado da apreensão deste algo.
A obra de Scruton apresenta importantes conceitos e ideias sobre a experiência estética da arquitetura, inclusive dialogando, analisando e criticando diretamente outras teorias sobre a essência e apreciação da arquitetura (como a teoria funcionalista, a teoria espacial, a Kunstgeschichte, etc.). Todavia, a obra perde em potencial quando o autor se utiliza de ironia e de outras técnicas da retórica para evadir-se das críticas realizadas a separação entre “sensação” e juízo e da definição de estética em torno do belo e do não-belo.
notas
1
Obra publicada em português pela editora É Realizações, onde o autor critica pensadores como Foucault, Habermas e Sartre. Importante obra para entender alguns posicionamentos de Scruton ao longo de suas outras obras, inclusive as de cunho estético. Cf. SCRUTON, Roger. Pensadores da nova esquerda. São Paulo, É Realizações, 2014.
2
DUARTE, Cristiane Rose; BRASILEIRO, Alice; SANTANA, Ethel; PAULA, Katia Cristina L. de; VIEIRA, Mariana; UGLIONE, Paula. O Projeto como Metáfora: explorando ferramentas de análise do espaço construído. In: DUARTE, Cristiane Rose de Siqueira; RHEINGANTZ, Paulo Afonso; AZEVEDO, Giselle Arteiro Nielsen; BRONSTEIN, Lais. O lugar do projeto no ensino e na pesquisa em arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro, Contra Capa/Proarq, 2007, p. 504-519.
3
MARCUS, Clare Cooper. House as a Mirror of Self: Exploring the Deeper Meaning of Home. Berkeley, Conari Press, 1995.
4
FIGUEIREDO, Virginia. Kant: Liberdade da forma e forma da liberdade. In: HADDOCK-LOBO, Rafael. Os filósofos e a arte. Rio de Janeiro, Rocco, 2010.
5
Cf. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes, 1999.
sobre o autor
Felipe Azevedo Bosi é especialista em História e Teoria da Arquitetura e em Estética da Arquitetura. Doutorando em Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro e bacharelando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Também é mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo e bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela mesma universidade.