É a partir da observação de coisas simples e corriqueiras como, por exemplo, a “atmosfera do almoço pode ser diferente daquela do jantar” (p. 2) que Tonino Griffero nos convida a refletir sobre como o ambiente construído e o despertar emocional por ele proporcionado, pode influenciar na percepção e conexão com os lugares e objetos. Este é um tema presente em seu livro intitulado Atmospheres: Aesthetics of Emotional Spaces, que chegou ao Brasil apenas no idioma inglês e quatro depois de seu primeiro lançamento em italiano. Filósofo, Griffero explora as ambiências urbanas, um conceito que tem sido trabalhado nos últimos trinta anos em diversos países como França, Itália, Canadá e que no último decênio tem ganhado espaço no Brasil.
As ambiências, em inglês Atmosphere, podem ser explicadas como a união entre os dados físicos do espaço com os sentidos que os percebem (1). Nas próprias palavras de Griffero “captá-las é como agarrar um sentimento no espaço circundante”. O estudo das ambiências envolve todos os sentidos (som, luz, odores, toque, calor etc.), relacionando-os com questões e fenômenos espaciais urbanos e arquitetônicos. Assim, como envolve fatores físicos e imateriais, é comum ver o estudo das ambiências explorado a partir de diferentes perspectivas e campos do conhecimento, a exemplo da filosofia como é o caso do livro em questão.
Em seu livro Griffero propõe uma descrição fenomenológica e estética das ambiências, as quais ele considera como as mediadoras das qualidades emotivas que irradiam de ambientes e objetos. Para ele, é evidente que as ambiências podem nos influenciar já que “mesmo nosso apetite pode ser estimulado por uma ambiência mais calorosa e de confiança” e que em algumas situações “é preciso uma piada para transformar aquele clima inicial de desconfiança”. Entretanto, afirma o autor “apesar da nossa indubitável familiaridade com tudo isso, a questão de ‘o que é uma ambiência’ ainda não encontrou uma resposta satisfatória” (p. 3).
O livro é curto se comparado com outras obras que tratam do mesmo tema sob o mesmo viés, a exemplo do recém-lançado livro de Gernot Böhme, filosofo alemão. A maneira de abordar o assunto se dá de uma maneira bastante didática, começando a partir de situações e fenômenos que ilustram genericamente o que poderia ser entendido como uma ambiência. O autor inicia seu texto com a preocupação de situar o leitor acerca do conceito, um ponto que ele faz questão de frisar ainda na abertura de seu capítulo introdutório intitulado para não deixar vago, mas sim para situar no contexto correto. Ele começa explicando que o curioso motivo pelo qual a palavra Atmosphere – com a ideia de clima, no contexto meteorológico – aparece vinculada ao contexto ambiental por ter sido esta uma maneira encontrada de estabelecer uma associação com o que nos rodeia, nos envolve e nos influencia. Assim, quando aplicada ao contexto espacial, a ideia de ambiência – versão brasileira do termo que é a mesma em francês – consiste na ideia de uma dimensão afetivo-emocional que envolve o sensorial.
No primeiro capítulo, é explicado como as ambiências afetam nossas emoções, as reações de nossos corpos, nosso estado de espírito e, como resultado, nosso comportamento e julgamentos acerca dos lugares. A partir da avaliação de diferentes exemplos e contextos, Griffero busca ilustrar como explorar o ponto de vista das ambiências pode ser mais eficaz do que estamos racionalmente dispostos a admitir. Neste sentido, o autor se propõe a tratar da percepção da ambiência, a qual ele acredita ser algo condicionado a ser perceptível a partir da nossa ótica de mundo. Como exemplo ele menciona o fato de que percebemos as coisas sem refletir sobre seu significado, já que pensar neste último seria um fator que é tratado como algo posterior ou separado do processo de percepção. Entretanto, segundo o mesmo a separação a coisa e seu significado é apenas um fenômeno tardio, e por isso quando percebemos já estamos não só sentindo, mas categorizando, mesmo sem nos dar conta, o que é inerente ou importante para nós. Em suma, é uma questão de ser afetado, sobretudo corporalmente, por situações que são externas ao sujeito e que por vezes pode parecer que foi percebido passivamente, quase como se fosse o ponto de vista.
O segundo capítulo traz uma retrospectiva sobre a construção do conceito de ambiência, desde o momento o qual o termo foi “retirado” do contexto meteorológico até a sua associação com as questões da paisagem. Em relação ao este último tópico, são estabelecidas algumas correlações com outros entendimentos que remetem a ideia de ambiência, como por exemplo, genius loci tratado por Christian Norberg-Schulz (2), a aura segundo Walter Benjamin (3) e Stimmung que é explorado do ponto de vista da filosofia. Este capítulo é particularmente interessante, pois além do respaldo teórico, são estabelecidas associações que possibilitam um contato mais direto com as questões espaciais. Assim surgem diversas reflexões que relacionam as ambiências à atratividade, a questão da sedução do lugar, assim como o conceito de affordance (4) e seus rebatimentos em relação a aparência estética do espaço construído.
No terceiro e último capítulo, “atmospherology” que seria em linhas gerais uma ciência da atmosfera, Tonino Griffero faz referência ao que seria o projetar-se, ou estra/ser imerso em uma ambiência. Este seria o momento o qual surgiria no sujeito um sentimento que acarretaria em uma espacialização. Para corroborar seu ponto de vista, o autor recorre à estética da empatia – Einfühlung – e algumas outras considerações filosóficas. Outra coisa enfatizada ainda neste terceiro capítulo é a natureza da ambiência, a qual a depender do seu caráter (sonoro, luminoso, cor, dentre outros) pode levar a uma manifestação sinestésica diferente. Assim em um ambiente caracterizado como frio, ou seja, quando a ambiência do lugar remota a uma sensação de frieza não pela temperatura em si, mas pelo tipo de mobiliário ou qualidade de som, a cor das paredes, a falta de ‘vida’, a colocação das luzes, o som da voz daqueles que estão lá e assim por diante; esta frieza não é, portanto, explicável apenas por meio da sensação, mas pelo que ela proporciona ao corpo enquanto reação. Ele encerra o capítulo falando dos princípios de uma fenomenologia da ambiência, a qual ele considera como ponto de partida para a análise do fenômeno.
Por fim, o livro traz em sua conclusão o entendimento que a ambiência não reside apenas no olho e no que se percebe, mas corpo como um todo como um afetar-se que acarreta também em ações e reações. No sentido da emoção tratada por Griffero, a ambiência assume os delineamentos de um sentimento de um “Eu” interior que nos faz querer, ou não, ir de encontro ao espaço exterior, a depender de como o exterior se apresenta. Por isso, para o autor é importante que aqueles que lidam com a estética, a considerem não apenas a partir da organização de fatores materiais e objetivos. Quanto mais cedo for tomada a consciência de que a manipulação de determinadas situações físicas e psicológicas levam a um efeito emocional derivado da ambiência mais coerente e consciente serão as propostas estéticas, sobretudo em relação aos lugares. Por meio de seu discurso, o autor diz que espera poder colaborar com que atributos qualitativos até então indescritíveis de maneira objetiva, possam ser considerados também esteticamente e ontologicamente. Acredita-se que esta também seja uma grande contribuição do livro para a arquitetura e o urbanismo, uma vez que é através da estética dos nossos espaços que buscamos incorporar esse sentimento que nos faz querer chamar os lugares de nossos.
notas
1
AUGOYARD, Jean-François. Essai sur le cheminement quotidien en milieu urbain. Paris, Du Seuil, 1979.
2
NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci. Towards a Phenomenology of Architecture. New York, Rizzoli, 1980.
3
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas I. São Paulo, Brasiliense, 1987.
4
GIBSON, James Jerome. The ecological approach to visual perception. Boston, Houghton Mifflin, 1986.
sobre a autora
Bárbara Thomaz Lins do Nascimento é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Alagoas, doutoranda do programa de pós-graduação em arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro e integrante do laboratório Arquitetura, subjetividade e Cultura. Tem como tema de tese a Empatia Espacial, uma ferramenta teórica-metodológica fundamentada no conceito de ambiências urbanas.