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reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

português
Esta resenha acerca do livro Memória moderna de São Paulo: Corredor das Humanas do grupo contravento, busca registrar possíveis perspectivas voltadas para o estudo de projeto.

english
This review of the book Memória moderna de São Paulo: Human Corridor of the contravento group, seeks to record possible perspectives for the project study.

español
Esta reseña acerca del libro Memoria moderna de São Paulo: Corredor de las Humanas del grupo contravento, busca registrar posibles perspectivas dirigidas al estudio de proyecto.

how to quote

RIBEIRO, Paulo Victor Borges. Uma dose de memória para tempos de amnésia. Resenhas Online, São Paulo, ano 17, n. 195.02, Vitruvius, mar. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/17.195/6908>.


“Desde que eu era garoto, soube que no paraíso não havia memória. Adão e Eva não tinham passado. Pode-se viver cada dia como se fosse o primeiro?” (1)
Eduardo Galeano, Dias e Noites de Amor e Guerra

Memória Moderna de São Paulo – Corredor das Humanas, publicado em outubro de 2017, é mais um trabalho raro produzido pelo grupo Contravento, que contextualiza a história dos projetos do corredor de humanas da USP dos início dos anos sessenta. Trata-se de uma pesquisa historiográfica na qual foram compilados significativos projetos de personagens importantes da arquitetura brasileira. O Plano original para o Corredor de Humanas da Universidade de São Paulo era composto pelos edifícios da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, de Vilanova Artigas e de História e Geografia, de Eduardo Corona; e eram complementados pelas edificações das faculdades de Letras, de Carlos Milan; Filosofia, de Paulo Mendes da Rocha; Geologia, de Pedro Paulo de Melo Saraiva e Matemática, de Joaquim Guedes.

Os ricos jogos de desenhos são antecedidos pelo texto do professor da Universidade de São Paulo, Alexandre Delijaicov e duas entrevistas, de Pedro Paulo de Melo Saraiva e Paulo Mendes da Rocha, que nos auxiliam e contextualizam sobre o processo e a época. A contextualização do processo, escolha dos arquitetos e como o campo de estudo foi ampliado até a elaboração da revisão do Plano da Cidade Universitária são aspectos abordados nas entrevistas, em especial o precioso depoimento de Melo Saraiva, que nos descreve uma série de passagens sobre o turbulento contexto, até detalhes conceptivos da sua proposta para a Faculdade de Geologia. A publicação nos proporciona várias perspectivas de apreciação, como a resenha de Pedro Augusto Vieira Santos nos mostrou (2). Dando continuidade, mais dois caminhos possíveis – e complementares – de reflexão.

A primeira, uma analogia de imediato se apresenta com o cenário de profunda crise ética, política e democrática instaurada no Brasil e na América Latina. Quase simultaneamente ao lançamento do livro que resgata os projetos para o Corredor de Humanas da USP, assistimos no fim do ano ao sancionamento da Lei nº 13.530, de 7 de dezembro de 2017 (3), em que o Fundo de Financiamento Estudantil – FIES fica sujeito ao controle financeiro da iniciativa privada, agora responsável pela inadimplência, sob a alegação de insustentabilidade financeira. A inadimplência é uma mensagem, interpretada apenas pelo olhar econômico, estancando novamente a pauta educacional tratada como uma engrenagem financeira. Além de agravar a submissão de famílias que vêm sendo saqueadas com justificativas esdrúxulas,  promove a fragilização e a perda de autonomia do Estado, como centro de decisão das políticas públicas. As subsequentes investidas, das mais variadas formas e áreas, vêm corroborando com o desmantelamento das Universidades, através de cortes de gastos, conduções coercitivas de reitores, exploradas pela mídia, produzindo um Estado inábil e incapaz de gerir suas instituições públicas, “encorpando” o coro de Estado mínimo.

A outra leitura é a análise e estudo de projeto arquitetônico em sua potencialidade (4). Tendo em vista o cuidadoso trabalho de redesenho, modelagem, diagramação dos projetos em uma escala adequada das seis propostas, a publicação se torna uma fonte fértil de aprendizagem. Ainda que duas das edificações tenham se concretizado, “interrompeu-se, sobretudo, a ideia de conjunto” (5) e aí nos evoca a leitura de aglutinação e diálogo entre as edificações, possível por meio da recuperação dessas memórias projetuais. A nebulosa lacuna do processo projetual entre discurso/memória e desenho/projeto, e suas relações retóricas, é atenuada pelos textos que nos convidam a um estudo de identificação dessas relações, além de nos remeter uma análise projetual de personagens significativos da nossa historiografia, evidenciando a ideia de resistência de uma formação generalista que bebe em diversas fontes para uma elaboração de uma arquitetura comum e oportuna, pautada por memória historiográfica.

E por fim, laceando com a epígrafe do escritor uruguaio, aparentemente sim, a sociedade parece viver nesse paraíso sem memórias, um mundo de amnésias.

Assim, a sociedade de hoje repete erros do passado e trilha caminhos opostos aos desígnios que produziram esse conjunto, pautados por um plano pedagógico comum que vislumbrava uma visão com discurso e objetivos claros, traduzida em projeto. É justamente nesse paralelo que Memória Moderna de São Paulo – Corredor das Humanas se apresenta como resistência de uma memória que perdura carregada de ideais (ou princípios).

notas

1
GALEANO, Eduardo. Dias e noites de amor e guerra. São Paulo, L&PM Editores, 2016.

2
SANTOS, Pedro Augusto Vieira. São Paulo: impressões da memória. Resenhas Online, São Paulo, ano 17, n. 191.02, Vitruvius, nov. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/17.191/6780>.

3
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 13.530. Brasília, Casa Civil/Subchefia para Assuntos Jurídicos, 7 dez. 2017 <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13530.htm>.

4
Arquitetura potencial é o termo empregado por Adamczyk, Chupin, Bilodeau e Cormier em Reflective knowledge and potential architecture (2004), para ressaltar as possibilidades de estudo de projeto em um campo virtual. ADAMCZYK, Georges; CHUPIN, Jean-Pierre; BILODEAU, Denis; Cormier, Anne. Architectural competitions and new reflexive practices. 2004 <www.leap.umontreal.ca/pdf/adamczyk/2004_ ADAMCZYK_architectural.PDF>.

5
Mendes da Rocha em sua entrevista no livro sobre a interrupção do processo e o discurso de liberdade que pautava o Corredor.

sobre o autor

Paulo Victor Borges Ribeiro é arquiteto e urbanista (UniCeub) e doutorando em teoria história e crítica (UnB). Arquiteto do escritório MGS (Macedo Gomes Sobreira) e professor da Universidade Paulista, Brasília.

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