Galen Cranz é professora da Princeton University e da Universty of California at Berkeley. É PhD em sociologia e se especializou no “uso social do espaço”. Autora de “The Politics of Park Design” (1982), interessou-se pelo desenvolvimento sustentável em 1991 como revisora do plano do Riverside South em Manhattan. Michael Boland é doutor em Planejamento Ambiental da Universty of California at Berkeley. Miranda Magnoli interessava-se muito pelos textos de Cranz.
No artigo “Defining the Sustainable Park: A Fifth Model for Urban Parks” (1), de 2004, Cranz e Boland buscam responder de que forma os parques podem contribuir para que as cidades se tornem mais sustentáveis ecologicamente. A história dos parques nos Estados Unidos revelava, até então, mais preocupações com problemas sociais que com a sustentabilidade.
Cranz, em trabalhos anteriores, havia identificado quatro tipos de parques urbanos, ao longo de quatro gerações, e estava agora acrescentando um quinto tipo, o Parque Sustentável. Para ela, é como se a cada 30 ou 50 anos, cada geração tivesse ideias diferentes sobre como os parques podem contribuir com as cidades. Os tipos são:
- Espaço de lazer (Pleasure Ground), entre 1850-1900;
- Parque cultural e esportivo (Reform Park), de 1900-1930;
- Equipamento de recreação (Recreation Facility), de 1930-1965;
- Sistemas de Espaços Livres (Open Space System), de 1965-?;
- Parque Sustentável (Sustainable Park) 1990-até o presente.
Durante as duas primeiras eras, os encarregados pelos parques justificavam a criação de parques enumerando seus objetivos sociais: reduzir conflitos de classe, reforçar a unidade da família, socializar imigrantes, conter doenças e educar cidadãos. A terceira era começou com Robert Moses, em 1930, no New York City´s Park Department. Para Moses, parques são um serviço público tão essencial que nem requer justificativas e ele espalhou-os pelos subúrbios e pelas áreas urbanas que ainda não os tinham. O equipamento passou a contar com ginásios, quadras e estacionamentos.
A geração seguinte questionou a padronização e a esterilidade das Recreation Facilities. Lindsey, então candidato a prefeito, publicou um artigo recrutando os arquitetos paisagistas a desenvolverem projetos específicos para cada sítio. Aflorava uma visão mais artística e sensível à cultura popular. Nesta época passou também a vigorar a ideia de que a recreação pode acontecer em qualquer lugar: nas ruas, telhados, waterfronts, trilhos abandonados e até em parques e praças. O Paley Park, o primeiro e mais famoso pocket park, era um exemplo de espaço que violava as regras da recreação e se integrava à cidade. A partir destas críticas, cada parque passou a ser entendido como parte de uma rede de espaços conectados.
Para reconhecer um quinto modelo, o do Parque Sustentável, e quais as suas características, Cranz e Boland analisaram 125 parques publicados em revistas de Arquitetura Paisagística entre 1982 e 2002, em termos de forma física, programa de atividades, promotores, intenções e beneficiários atuais e reação do público (segundo constava nas publicações). Foram encontrados parques de todos os tipos mas predominavam os parques do tipo Sistemas de Espaços Livres (46%) e, em segundo lugar, os Parques Sustentáveis (23%).
A pesquisa não distinguiu parques que meramente evocassem um simbolismo ambiental daqueles que de fato restauravam sistemas ecológicos funcionais. Novos propósitos filosóficos de sustentabilidade e ecologia eram suficientes.
As diferenças entre os parques tradicionais e os sustentáveis estão em detalhes que foram resumidos em três princípios gerais:
I. Parques Sustentáveis buscam ser autossuficientes de recursos materiais : as estruturas construídas são locadas e desenhadas para minimizar impacto ambiental. O design sustentável também pode ser útil em restauros: no Central Park um bosque antigo foi lentamente convertido num bosque “auto-regenerado”. Para reduzir a manutenção, muitos administradores adotaram a postura de “deixar a natureza fazer o máximo de trabalho possível” e tornou-se uma prática especificar, nos projetos de plantio, plantas mais adaptadas à umidade disponível em cada lugar. E, como a sustentabilidade também diz respeito à viabilidade social e cultural, parcerias público-privadas e organizações que levantam fundo também foram estabelecidas;
II. Eles podem ter um papel em resolver problemas urbanos maiores: quando eles estão integrados ao tecido urbano – parques podem resolver questões de infraestrutura, contaminação do solo, saúde e bem-estar além de suas divisas. A ideia de integrar corpos d´água, vias e parques não é nova mas o Emerald Necklace (Colar de Esmeraldas) de Olmstead, com os parques interligados em um grande sistema de áreas verdes, em Boston, foi mais exceção que regra. As cidades também têm muitas áreas de aterros, indústrias desativadas e outras instalações obsoletas em terrenos que ficaram contaminados e impróprios para a construção mas que são uma excelente oportunidade para parques e para as plantas, que vão recuperar o solo a médio e longo prazos. Parques podem contribuir para melhorar a saúde das pessoas e para conectar as pessoas umas com as outras e com o meio-ambiente;
III. Novas formas estéticas: a forma do parque, sua relação com a cidade, seu estilo e práticas de administração seguiram uma direção mais ecológica, então, surge também uma nova estética, que aponta para esta mesma direção. De fato, a ideia é que o parque ecológico transcenda uma imagem única, congelada no tempo, e desenvolva uma estética evolucionária, que incorpore a temporalidade e a mudança. Mas ainda há uma resistência e, nos concursos de projeto, as propostas que mais inovadoras neste sentido não foram vencedoras. Talvez o júri ou o público tenham algum apego à ordem. No entanto, desenhos formais também podem servir a propósitos ecológicos: por exemplo, um caminho bem demarcado pode prevenir que as pessoas pisem em ovos de pássaros, o que não aconteceria num jardim à inglesa, em que as pessoas são livres para andar sobre a relva. Assim, formalmente falando, o Parque Sustentável é estilisticamente aberto: pode ter aparência naturalista ou formalista. Ao invés de ser concebido como um antídoto para a cidade, o parque construído tanto na ideologia do Open Space System como do Sustainable park buscam se integrar aos espaços livres da cidade. Por fim, como o parque sustentável é um produto coletivo e envolve a participação de toda a comunidade, ele deixa de ser domínio dos experts, deixa de ser a obra de um artista visionário. O designer passa a ser o mediador através do qual as forças da natureza e da sociedade se expressam elas mesmas.
Galen Cranz termina seu texto encorajando os departamentos de parques a perceber estes princípios e disseminá-los. E encoraja-os não a começar por questões tímidas mas a enfrentar, primeiro, o maior problema, o mais caro e o mais conflituoso.
No Brasil, as terminologias “Ecológico” e “Sustentável” foram usadas em tantas campanhas de propaganda – inclusive de automóveis e de pneus – que acabaram perdendo a credibilidade. De qualquer forma, as discussões foram muito positivas e houve grande avanço em relação ao tema. Hoje, em muitos campos, temos a consciência de quais seriam de fato as escolhas mais ‘ecológicas’ e, ao optar se as seguimos ou não, somos mais honestos, menos hipócritas.
Em relação aos parques ecológicos no Brasil, muitos deles foram feitos e era muito conveniente o fato dos projetos serem mais simples e menos impactantes porque isso também se traduzia em serem mais econômicos. Aproveitar as estruturas pré-existentes num terreno é muito vantajoso para conseguir implantar mais parques com menos recursos. A questão da apropriação e da manutenção destes parques são os desafios atuais das administrações públicas. A manutenção seria o nosso maior problema, o mais caro e o mais conflituoso. Galenz Cranz nos encorajaria a enfrentá-lo.
nota
1
CRANZ, Galez; BOLAND, Michael. Defining the Sustainable Park: A Fifth Model for Urban Parks. Landscape Journal, n. 23, 2004, p. 102-120.
sobre a autora
Francine Gramacho Sakata é arquiteta e urbanista. É pesquisadora do projeto Quapá – Quadro do Paisagismo no Brasil e autora dos livros Parques Urbanos no Brasil (com Silvio Soares Macedo, Edusp, 2002) e Paisagismo urbano – requalificação e criação de imagens” (Edusp, 2011). Atualmente coordena o Núcleo São Paulo da ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas e desenvolve pesquisa de doutorado, com o tema parques urbanos brasileiros, de 2000 a 2015. Com Fábio Namiki e Fábio Robba, é sócia da NK&F Arquitetura da Paisagem.