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reviews online ISSN 2175-6694


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português
A exposição de Claude Viallat propõe a experiência da reinvenção do olhar. Ocupa o ambiente de modo a estabelecer diálogos entre a obra de arte e o lugar, o artista convida o espectador a redescobrir a experiência da pintura em contato com a arquitetura.

english
The exhibition of Claude Viallat occupies the environment in order to establish dialogues between the art work and the place, the artist invites the viewer to rediscover the experience of painting in contact with architecture.

español
La exposición de Claude Viallat ocupa el ambiente para establecer diálogos entre la obra de arte y el lugar, el artista invita al espectador a redescubrir la experiencia de la pintura en contacto con la arquitectura.

how to quote

SILVEIRA, Maria Teresa. Claude Viallat na Casa França Brasil. Resenhas Online, São Paulo, ano 17, n. 195.03, Vitruvius, mar. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/17.195/6910>.


As pinturas objeto de Viallat

A exposição “Cor a perder de vista” (1), transforma o espaço da Casa França Brasil (2) em lugar para o exercício da experiência da pintura e da reinvenção do olhar. A obra abandona os suportes tradicionais para adotar superfícies em tecido, apropriando-se de elementos do cotidiano que são ressignificados pelo gesto do artista. A pintura de Claude Viallat é uma não-pintura, são quase objetos vindos da experiência da pintura. Confeccionadas em tecido, moles e flexíveis, colocam em discussão o estatuto tradicional da pintura e da obra de arte. Em nome de um processo de experimentação, as pinturas objeto resultam de uma série de operações plásticas de desconstrução, incorporando procedimentos não artísticos como costuras, tinturas e ações no corpo da obra.

Viallat retira a tela do chassi e elege a cor como gesto de apropriação dos mais diversificados suportes: superfícies têxteis que podem ser lonas para velas de barco, cordas e redes, guarda-sóis, tecidos que um dia foram roupas, toalhas de mesa, lençóis onde um dia se dormiu. Retirados de outros domínios, os suportes utilizados nas pinturas de Viallat são apropriados pelo artista, passando a adotar outras materialidades como superfícies pictóricas. Recortadas, costuradas, amarradas e recebendo um tratamento pictórico, estas estranhas pinturas não ocultam suas origens, antes as exibem. Podem ser frágeis ou resistentes, mas guardam os vestígios do seu antigo uso. De uma existência banal ou utilitária, existem para dizer de onde vieram, são peças que foram apropriadas ou reaproveitadas, objetos salvos de um provável descarte. Como suportes de tecido costurados à superfície pictórica são quase cortinas sem ser, insinuam-se no espaço esboçando uma provável função, sem assumir nenhuma. Poderiam então ser janelas para o espaço onde se alojam? Mas a promessa ainda não se cumpre. A composição de imagens na pintura que poderia nos oferecer um momento de escape e de contemplação, mais uma vez vem solapar nossas expectativas. Formas repetitivas pintadas às pressas ocupam a superfície das pinturas - são quase manchas, quase estampas, quase carimbos que formam uma segunda pele. Ainda que aplicada em diferentes cores, esta forma adotada pelo artista ocupa a superfície, eleita como gesto de apropriação dos suportes. É a forma que Viallat escolheu para representar o gesto de ocupação do campo pictórico, sua marca identificadora desde o final dos anos sessenta (3).

É pela ocupação da superfície pela cor e pelo gesto pictórico (e não gestual), que estas superfícies deixam – ou quase, de serem suportes para se tornar pinturas. A presença da cor remete à pesquisa plástica construtiva de Matisse e de sua inspiração pelas estampas orientais de efeitos luminosos. De antigas roupas, velas de barcos, redes e cordas que remetem ao cotidiano a beira mar, estes tecidos e elementos vários foram transformados pela ação do artista em objetos sensíveis e dispostos no ambiente para motivarem a experiência da pintura.

As pinturas e o lugar: uma arte site-specific?

As pinturas de Viallat não existem para impor a sua presença no mundo, pois são feitas de uma existência rarefeita, elas questionam a si próprias. Existem para travar um diálogo com o ambiente onde se encontram, de maneira a negociar um lugar: acomodam-se a nichos entre intervalos construídos pela arquitetura, ou justapõem-se a óculos (4) na Casa França Brasil, recortando outras janelas pictóricas.

 São quase esculturas de tecido, corpos de cor dispostos num espaço de desenho neoclássico com suas respectivas simetrias e ritmos codificados. Refletindo sobre a relação da escultura em ambientes históricos, Foster afirma que por vezes ocorre uma inversão de papéis, quando a escultura parece enfatizar a arquitetura do lugar (5). Mas a relação da pintura de Viallat com a Casa França Brasil envolve um jogo de ambiguidade entre o olhar e a aparência. De outra forma, as pinturas-objeto também criam recortes no espaço contrapondo-se ao discurso narrativo da arquitetura, elas se negam a dar espaço, impondo-se. É o caso das “pinturas-vela”, pinturas realizadas sobre velas de barcos, que foram dispostas sobre os vãos das arcadas.

“Sem Título”, 1975, exposição de Claude Viallat na Casa França Brasil
Foto Maria Teresa Silveira

Mas nem sempre. Existem pinturas e objetos pictóricos que parecem se alojar aos vãos da arquitetura, a princípio transformados em nichos seguros. Mas essa sensação permanece por um instante, para logo em seguida, num gesto de ruptura provocado pelos grafismos coloridos das peças, estes emitirem uma pulsação que as retira do estado de acomodação. As “pinturas-cortinas”, que exibem dispositivos de tecido semelhantes a cortinas, por vezes aderem visualmente à superfície das paredes, ou se alojam aos vãos das arcadas criando diálogos perceptivos com o ambiente da Casa França Brasil.

As pinturas-objeto de Viallat buscam se adequar aos espaços físicos onde se inserem, eles se debatem procurando um espaço de apresentação, problematizando o lugar. O ambiente da Casa França-Brasil é uma edificação histórica, desenhada por uma combinação de elementos físicos estruturados pela arquitetura e pelo tempo. Nesse sentido, as pinturas de Viallat, antes objetos pictóricos, enfrentam a arquitetura do espaço neoclássico de Grandjean de Montigny. O artista repete a experiência da exposição de 2015, uma retrospectiva de sua obra na Chapelle de l’Oratoire, no Musée des Beaux Arts em Nantes, também um espaço histórico de arquitetura barroca que é utilizado como espaço anexo de exposições.

Muito embora esteja presente na obra de Viallat o processo de desconstrução da pintura e o questionamento de seus elementos constitutivos, no caso das obras expostas na Casa França Brasil, existe uma aproximação com a arte site-specific no que concerne às relações da obra com o ambiente. A arte site-specific na sua primeira formação postulou o estabelecimento de uma relação indivisível entre o trabalho e sua localização, além de considerar a presença física do observador para completar o trabalho (6). O espaço institucional de arte deixa de ser um ambiente neutro para a apresentação da obra, para ser vivenciado pela presença corporal e sensorial do espectador. Com essa mudança de paradigma, o objeto artístico é ressignificado de acordo com as contingências de seu contexto espacial, e o espectador, incorporado como sujeito ativo na percepção do objeto, convergindo para o modelo fenomenológico da experiência corporal vivenciada. A obra existe em relação primária com o corpo, não como sua apresentação, mas como sua ativação (7). No caso da exposição “Cor a perder de vista”, existe uma relação da pintura-objeto de Viallat que se insere no lugar, inscrevendo formas que dialogam com a escritura da composição do espaço construído. As redes dispostas transversalmente convidam o espectador a percorrer trajetos, sugerindo que a exposição seja vivenciada pelo corpo, pela experiência de imersão no ambiente. O artista, um dos fundadores do Supports/Surfaces, visita o passado, renovando a ideia de desconstrução estética iniciada pelo grupo no final da década de 1960.

“Sem Título”, 2015, exposição de Claude Viallat na Casa França Brasil
Foto Maria Teresa Silveira

O grupo Supports/Surfaces

A trajetória do grupo Supports/Surfaces, um dos últimos movimentos das vanguardas na França a questionar a materialidade da pintura, está inserido no universo das experimentações estéticas ocorridas no final da década de 1960 como a land art, a performance, a instalação, arte conceitual e formas de crítica institucional.

O coletivo não pode ser dissociado do contexto surgido após maio de 1968, caracterizado por contestações sociais, engajamentos em ações políticas de tendência maoista e marxista-leninista. A politização da arte, no entanto, não estava submetida a uma prática política, mas sim, na afirmação de seu poder de invenção e na escolha das normas para a criação de seus objetos. A criação plástica não se restringe aos meios estabelecidos, procurando novas relações com o público e promovendo ações artísticas que se dirigem ao espaço externo às instituições de arte. A breve trajetória do Supports/Surfaces vem assinalar a importância da prática artística como processo de experimentação, somada ao debate teórico na sua dimensão histórica e política (8). O movimento é contemporâneo a Arte Minimal americana e a Arte Povera na Itália, porém diferencia-se dessas vertentes artísticas assumindo uma postura crítica perante o estatuto da pintura, questionando o quadro de cavalete e seus elementos constitutivos como o suporte e a superfície. Colocando-se contra a abstração e contra o Nouveau Realism, o Supports/Surfaces está mais interessado pelo processo de experimentação artística, o que motivaria a utilização de diferentes suportes para a pintura, incluindo a prática de reutilizar objetos e materiais atravessados pelo uso, exercício presente na obra de Viallat.

Considerado um dos últimos grandes movimentos das vanguardas, o grupo Supports/Surfaces, realizou sua primeira exposição histórica, ao ar livre na vila de Coaraze no sul da França em 1969. Os artistas Claude Viallat, Daniel Dezeuze, Bernard Pagés e Patrick Saytour, experimentavam novas formas de apresentar a pintura liberta das convenções dos suportes tradicionais e para isso as obras foram dispostas nas ruas e nas praias, integrando-se à paisagem.

Em 1970, Claude Viallat toma a iniciativa de organizar a exposição “Support-Surface”, no Museu de Arte Moderna – ARC de Paris, quando o grupo passa a incluir um número maior de artistas. Dois anos após, em meio a divergências entre seus membros, o grupo finda a sua experiência. Mas o que teria motivado a sua dissolução? 

A leitura da correspondência travada entre Marc Devade, Vincent Bioulès, Daniel Dezeuze e Claude Viallat, revelam as relações de afinidade construídas e também as desavenças entre os artistas. O grupo desejava alcançar visibilidade diante de uma cena artística cada vez mais dominada pela arte americana (9) e com essa intenção, realizou uma série de manifestações artísticas ao ar livre no sul da França no verão de 1970. Os espaços internos da exposição no ARC ficaram divididos entre Bioulès, Devade e Dezeuze, enquanto que Viallat, Saytour e Valensi deixam as paredes para ocupar o solo e o espaço exterior da instituição. Surgem discussões em relação à ideia de criar novos limites para a instituição. Na falta de um texto crítico para o catálogo, Viallat e Saytour elaboram um texto onde descrevem o processo de criação das obras e questões estéticas desenvolvidas pelo grupo, no entanto, esse viés descritivo mascara uma luta de poder e uma cisão de natureza ideológica entre os membros do Supports/Surfaces.

Na abertura da exposição, Devade, Cane e Dezeuze distribuem o Tract Vert (10), onde assinam uma declaração que defendia a luta de classes. Em correspondência anterior à abertura da exposição, Bioulès expressa seu desacordo em relação a um ‘forçamento ideológico’; em 1971, Viallat em carta a Devade, anuncia sua renúncia oficial do grupo. Apesar da dissolução do coletivo, a revista Peinture. cahiers théoriques, onde eram veiculados textos teóricos de alguns dos integrantes do Supports/Surfaces, continua a circular até meados da década de 1980 (11).

Considerações

Havia um desejo comum desse coletivo de artistas de encontrar visibilidade num meio dominado pela presença da arte norte-americana. No contexto do sistema de arte, a fragilidade de sua posição pode parecer evidente, mas para a arte contemporânea o vigor artístico está na singularidade. O Supports/Surfaces procurou manter a coesão de um programa estético, enfrentando as naturais contradições diante da difícil equação de equilibrar e combinar prática artística e ativismo político. Seu propósito estava na afirmação da liberdade de experimentação artística, no questionamento do estatuto tradicional da pintura e na busca de sua reinvenção. Nesse sentido, a exposição das pinturas-objeto de Claude Viallat, um dos fundadores do grupo, revisita a experiência criativa do Supports/Surfaces e o espírito de contestação dos coletivos no período de maio 68 na França. O espaço arquitetônico da Casa França Brasil converte-se em ambiente da utopia de uma revolução possível - a experiência sensorial da pintura. Em tempos sombrios, de cerceamento às instituições de arte e de restrições à visibilidade de certas exposições, não podemos esquecer que o exercício da liberdade de escolha está muito próximo da liberdade da prática artística.

notas

1
Exposição “Cor a perder de vista”, curadoria de Nicolas Martin Ferreira, Casa França Brasil, Rio de Janeiro, de 12 de setembro a 22 de outubro de 2017.

2
O edifício histórico foi encomendado por Dom João VI ao arquiteto Grandjean de Montigny. Datado de 1820, foi construído para sediar a primeira Praça do Comércio do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://arqguia.com/obra/casa-franca-brasil/?lang=ptbr>. Acesso 05/10/2017.

3
CANARELLI, Florence. Le Mouvement Suports/Surfaces. Art-Cote, 2006 <http://fcanarelli.free.fr/Supports-Surfaces.html>.

4
Elemento de arquitetura, janelas circulares destinadas a passagem de ar e luz.

5
FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. Cosac Naify, São Paulo, 2015, p. 175.

6
KWON, Miwon. Um lugar após o outro: anotações sobre o site-specific. Arte&Ensaios, Revista do Programa de Pós-Graduação PPGAV, Rio de Janeiro, n. 17, dez. 2008, p. 167-168.

7
FOSTER, Hal. Op. cit., p. 167.

8
FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (Orgs). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro, Zahar, 2006, p. 24-27.

9
Em 1968 aconteceram duas exposições consagradas à arte americana: “L’Art Vivant 1965-1968” na Fundação Maeght, Veneza, e “L’Art du réel USA 1948-1968” no Grand Palais, Paris. Em 1970, a exposição “L’Art vivant aux Etats-Units” também na Fundação Maegth em Veneza (16 julho a 30 setembro 1970), onde estavam sendo apresentadas obras Pop, Hard Edge e Minimal. A exposição “Support-Surface” no ARC aconteceu em data posterior, em 23 de setembro a 15 de outubro de 1970.  Ver JAMET-CHAVIGNY, Stéphanie. La Naissance de Supports/Surfaces ou la fin annoncée de l’avantgarde. Critique d’Art, n. 28, Automne 2006 <https://critiquedart.revues.org/1078>.

10
Folheto com texto mimeografado sobre papel verde (JAMET-CHAVIGNY, Stéphanie. Op. cit.).

11
A revista pretendia orientar intelectualmente as artes visuais às teorias estruturalistas, marxistas e psicanalíticas. Ver DAMPERAT, Marie-Helene. Support(s) / Surface(s) Peinture Cahiers Théoriques. Tese de doutorado. Saint-Étienne, Université de Saint-Étienne, 2000 <www.theses.fr/1996PA040050>.

sobre a autora

Maria Teresa Silveira é graduada em Artes Plásticas (ECAUSP 1985, Mestre em Museologia e Patrimônio (UNIRio, 2016), doutoranda em Artes Visuais (EBA UFRJ) e professora substituta no IFRJ – Campus Resende.

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