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O arquiteto Marcelo Ferraz faz resenha crítica da exposição “Infinito Vão”, mostra em exibição na Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, em Matosinhos, Portugal.

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FERRAZ, Marcelo Carvalho. Arquitetura em vão? Sobre exposição da arquitetura brasileira em Matosinhos, Portugal. Resenhas Online, São Paulo, ano 18, n. 205.04, Vitruvius, jan. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/18.205/7231>.


“Arquitetura é uma maneira de dizer quem somos nós, quem fomos nós e quem seremos nós”. Com esta frase Paulo Mendes da Rocha iniciou um discurso veemente sobre o inexorável papel da arquitetura na humanização do planeta, no compromisso com a construção de um mundo mais habitável e confortável. Isso se deu há poucos dias na abertura de uma bela e consistente exposição sobre os últimos noventa anos da arquitetura brasileira na recém-criada Casa da Arquitetura, na cidade de Matosinhos, Portugal.

Com o sugestivo título “Infinito Vão”, a mostra, curada pelos brasileiros Guilherme Wisnik e Fernando Serapião e pelo português Nuno Sampaio, também diretor da Casa, faz um passeio pela produção moderna brasileira desde seu nascedouro até os dias de hoje, numa instigante e desafiadora síntese (1).

Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos
Foto Clara Jacinto

 

Em organização cronológica, começamos pelos desenhos e anotações de Lucio Costa em sua viagem a Diamantina no ano de 1924. Foi um momento crucial de virada em sua vida quando, em contato com uma das mais preciosas peças de nosso passado colonial – a própria cidade – decidiu encarar os novos tempos e procurar uma arquitetura que fosse fruto e forja de um futuro que se anunciava então, com indústrias, maquinas e crescente urbanização. Uma arquitetura desnuda e honesta como fora a de Diamantina em sua época, mais adiante identificada com o despojamento do movimento moderno.

Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos
Foto Clara Jacinto

 

Organizada em seis módulos, a mostra passa por seis períodos de nossa história recente que podem ser nitidamente percebidos na produção arquitetônica. Como linguagem expositiva, os curadores lançam mão da utilização de canções da música brasileira que abrem e contextualizam cada um dos módulos – ou tempos – ao dialogar com um curto e eficiente pout-pourri de imagens em movimento deste mesmo período. Além da seleção de projetos escolhidos para representar cada bloco, poemas e citações literárias reforçam também o discurso, nossa percepção e prazer no desfrute do longo percurso pelas nove décadas. Sim, é uma “longa caminhada” (setenta metros), como diz a canção “Drão”, de Gilberto Gil que, tocada em loop, acolhe o visitante logo ao adentrar a mostra. Da mesma canção sai também o título da exposição “Infinito Vão”.

Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos
Foto Clara Jacinto

Grandes vitrines com documentos originais, fotografias e publicações, além de algumas cadeiras do mobiliário brasileiro, dão seu testemunho e mais consistência ao que vemos nas paredes. Como numa refeição farta e saborosa, o conjunto alimenta a ideia de termos produzido no Brasil algo importante que nos dá uma fundação sólida, para usar um termo corriqueiro da arquitetura e, porque não lembrar aqui, também do candomblé: um “fundamento”.

É importante dizer, num parêntese, que a música e a literatura não estão ali como apêndices ou complementos, mas como parte indissociável do discurso, amalgamadas aos projetos de arquitetura e urbanismo. Partimos da marchinha de Lamartine Babo que pergunta “quem foi que inventou o Brasil...”, e passamos para o segundo módulo com João Gilberto do “Samba de uma nota só”, momento Bossa Nova da construção de Brasília. Caminhamos em seguida com o Caetano Veloso da “Tropicália”, Chico Buarque de “Bye bye Brasil” no período do “milagre econômico”, Titãs com “Inteiro, e não pela metade”, e o rap dos Racionais MC’s, “Aqui vagabundo guarda sentimento na sola do pé”, chacoalhando nossos dias atuais, nossas urbis, questionando a desigualdade social e reivindicando o direito à cidade. A maneira de expor, sem ser novidadeira, rompe com a recorrente caretice e chatice das exposições de arquitetura que, em geral, não conseguem tocar os não arquitetos.

Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos
Foto Clara Jacinto

É nessa atmosfera que visitamos quase uma centena de projetos, desde os clássicos de Oscar Niemeyer, da Pampulha a Brasília, e de Burle Marx e Reidy do Aterro do Flamengo, a Villanova Artigas, com o magnífico edifício da Faculdade de Arquitetura da USP, na virada dos holofotes para a arquitetura de São Paulo. Em seguida, passamos pelos anos da ditadura, em que fica clara a mudança de rumo em relação aos primeiros tempos. A despeito das dificuldades, produziu-se ali uma arquitetura de resistência. Na sequência, adentramos os anos da abertura, rescaldo dos tempos duros, com Lina Bo Bardi e o Sesc Pompeia, Paulo Mendes da Rocha com o Museu da Escultura, João Filgueiras Lima (Lelé), com o Hospital Sarah Kubitschek em Brasília, dentre tantos outros.

O módulo final aborda a produção contemporânea que, alimentada por todo esse passado e também pela produção do mundo globalizado, expressa em forma, conteúdo e linguagem nossos dias conturbados.

Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos
Foto Clara Jacinto

Chegando ao final da exposição, temos projeções de filmes e imagens do que se passa hoje nas periferias e zonas centrais de nossas metrópoles: conflitos, denúncias, protestos e ocupações, em cenas duras, mas também poéticas, tudo dentro deste caldeirão dessemelhante do Brasil urbano atual. Fica aí a interrogação, a pergunta pensada e não dita: como é que vamos sair dessa injusta e indigna realidade urbana que insiste em perpetrar a linha divisória (linha física na arquitetura) entre ricos e pobres?

Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos
Foto Clara Jacinto

Este final amargo nos leva inevitavelmente a pensar: com toda essa produção, tanta história, tanta riqueza em soluções técnicas e poéticas, como é que continuamos com estas gigantes lacunas de conforto urbano? Quando transformaremos as periferias de nossas metrópoles em verdadeiras cidades, ainda que fora de todos os modelos já produzidos até hoje? A exposição é em si, uma reflexão necessária para avançarmos sem partir do zero. Temos um passado sólido, potente, e também um presente rico na produção arquitetônica que nos credenciam a dar respostas, a participar das mudanças fundamentais e urgentes deste país – mesmo sabendo que os arquitetos raramente são convocados para tal tarefa, seja pelo poder público ou privado, quando se trata de desenhar a cidade. Vamos jogar tudo isso no lixo? Todo este “conhecimento de experiência feito” e partir para a barbárie que hoje nos ronda mostrando dentes e garras? Vamos abandonar nossa urbanidade? A mostra Infinito Vão dá seu recado. Se é boa para os portugueses, é fundamental para os brasileiros.

Termino este artigo com a sintética e potente frase do arquiteto e pensador português Alexandre Alves Costa, que abre a exposição: “A arquitetura brasileira é uma linha horizontal levantada do chão, afirmação simples e delicada de esperança no futuro, força irresistível de dissolução do passado pobre e oprimido, fundação da pátria, abstrata, metafísica”. Será?

Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos
Foto Clara Jacinto

notas

1
Exposição “Infinito vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, Matosinhos, 28 de setembro de 2018 a 28 de abril de 2019. Comissariado geral Nuno Sampaio. Curadoria Fernando Serapião e Guilherme Wisnik.

sobre o autor

Marcelo Ferraz é arquiteto formado pela FAU USP em 1978, é sócio do escritório Brasil Arquitetura, onde tem realizado vários projetos com premiações no Brasil e exterior. É também sócio fundador da Marcenaria Baraúna, onde desenvolve projetos de mobiliário, desde 1986.

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205.04 exposição
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