A ficção, em livros ou no cinema, nos brinda com imagens ora de caos, ora de extrema beleza estética e poética. Em meio à desordem urbana das cidades brasileiras, que se agrava tanto pelo inchaço desordenado da migração rural quanto pela crise de desemprego causada por uma economia disfuncional e incapaz de absorver mão de obra despreparada, pelo descaso das elites para com a Educação de qualidade, a palavra de urbanistas nos traz uma sensação de esperança.
Além da leveza poética, os textos de Carlos Fernando Andrade, alguns dos quais foram publicados na volta do Jornal do Brasil às bancas, em 2018, têm o dom de oferecer, junto com o olhar arguto de quem escreve flanando pelas ruas da cidade, uma luz de esperança.
Sempre impliquei com a tentativa de alguns urbanistas e arquitetos de copiar, para as grandes e desordenadas regiões metropolitanas brasileiras, soluções que deram certo em cidades e regiões metropolitanas europeias. Fora Londres, Paris e Moscou, as grandes capitais da Europa têm população baixa. E isso faz toda a diferença, se não bastasse o abismo cultural ante civilizações solidificadas há milênios.
Soluções de Amsterdam são únicas, como a bicicleta e o VLT, para uma cidade que tem tradição do transporte fluvial entre os canais, onde barcos servem de moradia. Mas a população da Grande Amsterdam não passa dos 2,5 milhões de habitantes. Estocolmo, outra cidade tida como exemplo, não tem um milhão de moradores.
As cidades e regiões metropolitanas brasileiras estão mais próximas das da Índia, da Nigéria, da Indonésia (o quarto país mais populoso do mundo, com 240 milhões, contra nossos 209 milhões) ou às do Paquistão. Com a diferença que o caos já faz parte da realidade desses países, onde o automóvel não virou uma febre que mata e polui o meio ambiente como no Brasil. Pensar as cidades brasileiras não é simples. Há uma carga de dívida social de mais de um século que tão cedo será paga. Ao contrário, a sensação é de que um gigantesco calote social está em marcha.
Carlos Fernando Andrade, com sua formação de cientista social, percebe isso com o olhar do urbanista e arquiteto que logo vislumbra o que está fora de ordem. Quando a gente imagina que a luz no fim do túnel é a das máquinas reparando a viga que desabou pelo descaso na gestão da cidade, Carlos Fernando acende um farol de esperança. Compreender o que se passa é ótimo para enfrentar tempos difíceis. Em meio ao caos e à desorganização, há o belo. E é possível até sorrir e imaginar dias melhores na próxima esquina.
sobre o autor
Gilberto Menezes Côrtes é vice-presidente editorial do Jornal do Brasil.