A modernidade na arquitetura hospitalar, livro organizado por Ana M.G. Albano Amora e Renato Gama-Rosa Costa, oferece ao leitor uma introdução consistente à história da arquitetura dos equipamentos de saúde, permitindo entender suas transformações junto com as da medicina.
Dois momentos se destacam. O primeiro quando foi aplicada a tipologia de pavilhões horizontais afastados entre si e distantes das cidades para atender a estratégia médica de isolamento dos doentes. Com o surgimento de novos medicamentos foi possível a inserção dos hospitais em áreas urbanizadas. A arquitetura desenvolveu novos parâmetros de projeto, já alinhados aos princípios das vanguardas modernas. Assim, o segundo momento foi quando surgiram as construções verticalizadas para melhor localização, o controle dos fluxos para evitar contaminação, os novos dispositivos de conforto ambiental para controle do calor e renovação do ar, os ambientes adequados aos equipamentos e psicologicamente acolhedores aos pacientes. Os hospitais modernos tornaram-se exemplares do papel do arquiteto como coordenador de diferentes disciplinas do conhecimento, conforme destacado por Amora ao citar Rino Levi em seu capítulo.
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Clínica Tisiológica da Universidade da Bahia, 1949-1951. Arquitetos Alexandre Costa Neto, Newton Secchin, Marcos V. Studart e Leslie Richard Inke
Foto divulgação [Acervo do Centro de Documentação e Referência da Odebrecht]
Fruto de seminário internacional realizado em 2014 no Rio de Janeiro, a publicação reúne autores do Brasil, Canadá, Chile, Colômbia e México. Oferece um panorama do processo de modernização social através do desenvolvimento da medicina e sua arquitetura – desafios, teorias, procedimentos e equipamentos – que acompanha a superação da condição colonial e a formação de nações independentes nas américas do Sul e do Norte. Modernização, portanto, entendida em período mais amplo do que a produção arquitetônica e artística enquadrada nas vanguardas. A posição geográfica interessa pois as condições climáticas e políticas delineiam os desafios enfrentados pela medicina e pela arquitetura. Condições que exigiram a adequação das teorias europeias e a criação de centros locais de pesquisa.
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Parque Sanatorial Santa Terezinha, fachada norte do Pavilhão de Triagem, 1947-1948. Arquiteto Jorge Machado Moreira
Foto Nivaldo Andrade, 2011
Surgem assim as especificidades dos quadros nacionais e regionais: variações de periodicidades, políticas públicas, instituições e prioridades.
O caso brasileiro tem maior presença na publicação. São apresentados estudos sobre o impacto das teorias da microbiologia nos projetos de hospitais do Rio de Janeiro no final do século 19; o papel de Oswaldo Cruz e seu arquiteto, Luís de Moraes Junior, a transição das instituições filantrópicas da Primeira República para as redes de hospitais se espalhando pelo território nacional a partir de Getúlio Vargas. Ocorre assim a descentralização da arquitetura hospitalar de qualidade, revelando obras que vão muito além da contribuição de Luiz Nunes em Pernambuco.
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Hôtel-Dieu, planta, idealizado pelo membro da Academia Real de Ciências, M. Le Roy em 1773, projetado e desenhado pelo arquiteto Charles-François Viel em 1780 [Gallica, Bnf]
A ocupação de territórios conduz dois estudos de caso, a partir de situações histórico-geográficas delimitadas, representam Chile (Antofagasta durante a Guerra do Pacífico) e Colômbia (lazareto Agua de Dios).
A periodização da modernização varia de país a país. Os hospitais urbanos e verticais no Canadá precedem a arquitetura das vanguardas, seguindo os estilos arquitetônicos historicistas da Costa Leste dos Estados Unidos. A Revolução Mexicana inaugura políticas públicas de larga escala em 1920, anos antes do Brasil de Vargas.
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Hospital Gaffrée e Guinle, Biotério, fachada principal. Arquiteto Porto d’Ave
Foto divulgação [Acervo família Paulo Machado]
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Hospital Gaffrée e Guinle, finalização das obras da fachada voltada para a rua dos Trapicheiros. Arquiteto Porto d’Ave
Foto divulgação [Coleção Porto d´Ave. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz]
Além do conhecimento específico da história da arquitetura, vários autores se apoiam nas principais teorias críticas sobre a medicina como modo de controle social. Publicado neste momento de nova pandemia, quando na ausência de medicamentos eficazes o isolamento volta a ser a estratégia central, este livro permite refletirmos sobre o quão temporárias são as certezas científicas nessa área.
notas
NA – Publicação original do texto: ANELLI, Renato. This book presents the history of hospital architecture. Docomomo Journal – Cure and Care, n. 62, 1o sem. 2020.
NE – O livro pode ser baixado gratuitamente pelo seguinte link: www.proarq.fau.ufrj.br/public/editor/Arquitetura%20Hospitalar-FINAL.pdf.
sobre o autor
Renato Anelli é professor titular do IAU USP São Carlos, conselheiro do Instituto Bardi / Casa de Vidro e do Condephaat, pesquisador do CNPq. É coautor dos livros Rino Levi, arquitetura e cidade e Casas de vidro, autor de Architettura Contemporanea Brasile.