A modernidade na arquitetura hospitalar, livro organizado por Ana M.G. Albano Amora e Renato Gama-Rosa Costa, oferece ao leitor uma introdução consistente à história da arquitetura dos equipamentos de saúde, permitindo entender suas transformações junto com as da medicina.
Dois momentos se destacam. O primeiro quando foi aplicada a tipologia de pavilhões horizontais afastados entre si e distantes das cidades para atender a estratégia médica de isolamento dos doentes. Com o surgimento de novos medicamentos foi possível a inserção dos hospitais em áreas urbanizadas. A arquitetura desenvolveu novos parâmetros de projeto, já alinhados aos princípios das vanguardas modernas. Assim, o segundo momento foi quando surgiram as construções verticalizadas para melhor localização, o controle dos fluxos para evitar contaminação, os novos dispositivos de conforto ambiental para controle do calor e renovação do ar, os ambientes adequados aos equipamentos e psicologicamente acolhedores aos pacientes. Os hospitais modernos tornaram-se exemplares do papel do arquiteto como coordenador de diferentes disciplinas do conhecimento, conforme destacado por Amora ao citar Rino Levi em seu capítulo.
Fruto de seminário internacional realizado em 2014 no Rio de Janeiro, a publicação reúne autores do Brasil, Canadá, Chile, Colômbia e México. Oferece um panorama do processo de modernização social através do desenvolvimento da medicina e sua arquitetura – desafios, teorias, procedimentos e equipamentos – que acompanha a superação da condição colonial e a formação de nações independentes nas américas do Sul e do Norte. Modernização, portanto, entendida em período mais amplo do que a produção arquitetônica e artística enquadrada nas vanguardas. A posição geográfica interessa pois as condições climáticas e políticas delineiam os desafios enfrentados pela medicina e pela arquitetura. Condições que exigiram a adequação das teorias europeias e a criação de centros locais de pesquisa.
Surgem assim as especificidades dos quadros nacionais e regionais: variações de periodicidades, políticas públicas, instituições e prioridades.
O caso brasileiro tem maior presença na publicação. São apresentados estudos sobre o impacto das teorias da microbiologia nos projetos de hospitais do Rio de Janeiro no final do século 19; o papel de Oswaldo Cruz e seu arquiteto, Luís de Moraes Junior, a transição das instituições filantrópicas da Primeira República para as redes de hospitais se espalhando pelo território nacional a partir de Getúlio Vargas. Ocorre assim a descentralização da arquitetura hospitalar de qualidade, revelando obras que vão muito além da contribuição de Luiz Nunes em Pernambuco.
A ocupação de territórios conduz dois estudos de caso, a partir de situações histórico-geográficas delimitadas, representam Chile (Antofagasta durante a Guerra do Pacífico) e Colômbia (lazareto Agua de Dios).
A periodização da modernização varia de país a país. Os hospitais urbanos e verticais no Canadá precedem a arquitetura das vanguardas, seguindo os estilos arquitetônicos historicistas da Costa Leste dos Estados Unidos. A Revolução Mexicana inaugura políticas públicas de larga escala em 1920, anos antes do Brasil de Vargas.
Além do conhecimento específico da história da arquitetura, vários autores se apoiam nas principais teorias críticas sobre a medicina como modo de controle social. Publicado neste momento de nova pandemia, quando na ausência de medicamentos eficazes o isolamento volta a ser a estratégia central, este livro permite refletirmos sobre o quão temporárias são as certezas científicas nessa área.
notas
NA – Publicação original do texto: ANELLI, Renato. This book presents the history of hospital architecture. Docomomo Journal – Cure and Care, n. 62, 1o sem. 2020.
NE – O livro pode ser baixado gratuitamente pelo seguinte link: www.proarq.fau.ufrj.br/public/editor/Arquitetura%20Hospitalar-FINAL.pdf.
sobre o autor
Renato Anelli é professor titular do IAU USP São Carlos, conselheiro do Instituto Bardi / Casa de Vidro e do Condephaat, pesquisador do CNPq. É coautor dos livros Rino Levi, arquitetura e cidade e Casas de vidro, autor de Architettura Contemporanea Brasile.