Caros leitores,
Ouso tomar emprestado aqui o título de um filme de Jean Luc-Godard, de 1967, ano em que nasci, para falar um pouco sobre como vim a ser a ilustradora destes dois livros de poemas de Sonia Marques: Fugas e Viagens.
A exitosa carreira da arquiteta pernambucana Sonia Marques na pesquisa e na docência, já é bastante conhecida, e reconhecida. Aqui no Espírito Santo, nos anos 1980, quando cursava Arquitetura na Ufes, eu já conhecia a produção acadêmica de Sonia, inclusive através de seus colegas na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco, o casal Fernando e Ione Marroquim. Nesse tempo, eu era aluna de Ione e estagiária do escritório Marroquim Arquitetos.
Foi, porém, no Rio de Janeiro, no ano 2000, que a vim a conhecer Sonia pessoalmente, por intermédio de Ione, que me havia dito que ela estaria no mesmo evento de que eu estava prestes a participar. Afortunadamente para mim, lá estava ela, apresentando um artigo sobre a vandalização da arquitetura moderna no cinema, escrito junto com esta pessoa da maior elegância que foi Claudia Loureiro. Saudades, Claudia.
De lá para cá, porém, muita coisa transcorreu. Mas eu só vim a estreitar meu vínculo com Sonia, de 2011 em diante, quando assistimos juntas a alguns concertos do festival Mimo – Mostra Internacional de Música de Olinda. O amor a Olinda foi nossa primeira afinidade. Kléber Frizzera, no prefácio de Fugas, nos apresenta como “colegas de arquiteturas”. Mas eu diria que o meu laço com Sonia foi atado pela poesia. Não sou poeta, sou leitora e estudiosa de poesia. A memória da paisagem pernambucana na obra de João Cabral de Melo Neto foi o tema de minha dissertação de mestrado.
Pesquisei também os estudos da paraibana Maria da Paz Ribeiro Dantas e da gaúcha Marta de Senna, entre outros autores dedicados à obra de João Cabral de Melo Neto. Estudei, igualmente, os poetas pernambucanos Carlos Pena Filho, Joaquim Cardozo, Ascenso Ferreira, e, é claro, Manuel Bandeira.
Isso tudo assegurou meu segundo vínculo com Sonia: a poesia. Olinda e a poesia foram vínculos que se consolidaram no processo a criação de Fugas e Viagens.
Derivam estes livros de um conjunto de poemas que Sonia me apresentou, alguns datados do final dos anos 1970, quando iniciou a escrever mais regularmente, e outros novos. Na leitura desse conjunto, ocorreu-me a possibilidade de formar dois livros em conversa. Daí as Fugas e as Viagens a estabelecerem e a conduzirem um diálogo.
Comecemos por Fugas, que se abre com o poema Amparo, um entre os vários que evocam Olinda. Eis os seus primeiros versos:
A Rua do Amparo
é larga e sinuosa
e desemboca
em generoso largo
onde jogamos os baldes
da esperança.
Encontraremos Olinda, a eterna Marim dos Caetés, em vários poemas de Fugas, pois a cidade surge em memórias e desmemórias, lembrando-a e deslembrando-a, refletindo sobre o que deixar de lado e o que guardar (Ranger/Garder) – dois movimentos constantes da memória. Também eu morei em Olinda, e por isso sei o que essa cidade provoca e mantém. Aqui mesmo neste Vitruvius (1), eu já falei dela muitas vezes, fui pega pelo seu visgo.
Nem só de memórias se fazem as Fugas, entretanto. Há dívidas, amnésias, compromissos a saldar. Há deslumbramentos, namoros com sinistros pássaros, provindos de veladas escuridões, que eu tanto temi ao ilustrar. Há luas que nos aluam ou que bailam. Nos deixarão elas de fora desta festa no céu? Se assim for, em todo caso, podemos guardá-las (as luas) em um aquário!
Datas difíceis, enfrentamentos, suposições, hipóteses, o que é da Terra e o que é do espaço sideral; idiomas, idioletos, palavras e reflexões estrangeiras, línguas em que não existam traduções para Olinda – a tudo isso nos levam as Fugas. Conduzida por elas, passo agora às Viagens.
Viagens é um livro que inicia por uma dúvida: o que usar para enfrentar o destino? (Eis uma pergunta ontológica!). Ao ilustrá-lo, todavia, não consegui evitar a brincadeira com a seriedade do poema e perguntei: “Será que vai dar praia?” Antes mesmo de responder, o texto corta para um poema trilíngue, cujo título pede uma vinda, ou uma volta: Come Soon, Viens Vite!
Errante, Viagens vai nos conduzindo por diversificados destinos, por muitas cidades. Montreal, Mégève, Porto, Olinda, Veneza, Nova York, Natal, Recife, Brasília, Paris, Belo Horizonte, Austin, Caxias (do Maranhão), Rio de Janeiro, Igaratiba, Niterói, Nápoles, Salvador. Algumas delas são títulos de poemas, outras são citadas diretamente, e ainda há aquelas que estão apenas sugeridas. Em qualquer desses casos, vale a arguta reflexão da prefaciadora de Viagens, Renata Pimentel: “As escritas nascidas dos viajantes são ambições de liberdade”.
Foragida ou viajante, o fato é que fiquei feliz demais por ter embarcado nestas Fugas e Viagens! Só me resta agora agradecer. Meu muito obrigada a Sonia, pela confiança e a oportunidade, a Ione e Fernando Marroquim por terem proporcionado meu encontro com Sonia, aos prefaciadores, professores Kléber Frizzera e Renata Pimentel, a todos vocês que leram esta resenha. E a Olinda, a Olinda, sempre!
nota
1
LORDELLO, Eliane. Olinda, primeira capital brasileira da cultura. Minha Cidade, São Paulo, ano 06, n. 063.02, Vitruvius, out. 2005 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/06.063/1965>; LORDELLO, Eliane. Feliz aniversário, querida! Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 091.02, Vitruvius, fev. 2008 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.091/1903>; LORDELLO, Eliane. MIMO, o festival de Olinda. Drops, São Paulo, ano 12, n. 050.04, Vitruvius, nov. 2011 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.050/4079>.
sobre a autora
Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (UFES, 1991), mestre em arquitetura na área de teoria e projeto (UFRJ, 2003), doutora em desenvolvimento urbano na área de conservação integrada (UFPE, 2008). Servidora pública municipal há quase 28 anos, atualmente é arquiteta e urbanista da Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade de Vitória ES.